Biomimética: natureza é fonte de inspiração para designers em busca de produtos diferentes
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A planta de lótus (Nelumbo nucifera) virou símbolo de pureza espiritual por sua capacidade de se manter impecavelmente limpa apesar do ambiente lamacento em que vive. Tal façanha pode ser explicada pela presença de nanocristais de cera na superfície de suas folhas capazes de repelir a água de maneira muito eficaz. As gotas que ali caem assumem uma forma quase perfeitamente esférica, deslizam com facilidade e levam consigo a sujeira e os microrganismos. Tal fenômeno, batizado pelos cientistas de “efeito lótus”, serviu de inspiração para o desenvolvimento de tintas, vidros e tecidos autolimpantes, que dispensam o uso de detergentes, além de equipamentos eletrônicos à prova d’água. Já a superfície única da pele do tubarão de galápagos (Carcharhinus galapagensis), repleta de minúsculas protuberâncias que funcionam como um repelente natural de bactérias, inspirou o desenvolvimento de biofilmes para revestir camas hospitalares, entre outras aplicações.
Esses e outros exemplos de tecnologias inspiradas pela natureza foram apresentados pela bióloga norte-americana Janine Benyus durante o Simpósio Internacional Biomimética & Ecodesign, realizado pela Fapesp e pela Natura, em abril. Benyus é pioneira em um campo de pesquisa emergente, a biomimética, que propõe aos cientistas usar a biodiversidade não como fonte de matéria-prima para a indústria, mas como fonte de ideias para o design e o desenvolvimento de produtos e de sistemas.
“O número de produtos inspirados pela natureza dobra a cada ano no mercado e o número de publicações científicas na área duplica a cada dois ou três anos. É um campo do conhecimento que cresce muito rapidamente”, contou Benyus.
Durante a palestra, a bióloga mostrou de que forma a biomimética pode ajudar a superar desafios globais, como garantir o acesso à água potável, à alimentação e à energia, além de reduzir as emissões de carbono. Entre os casos citados, está um dispositivo capaz de capturar a umidade do ar e usá-la para irrigar plantações de forma dez vezes mais eficiente que as redes coletoras de neblina tradicionais.
O autor original da ideia é o besouro da Namíbia (Stenocara gracilipes), morador de áreas desérticas que, durante a madrugada, coleta o sereno com a ajuda de microcanais na superfície de seu corpo feitos de materiais hidrofóbicos (como as folhas de lótus) e hidrofílicos (que, ao contrário, atraem a água). As microgotículas fluem pelos microcanais do dorso e unem-se para formar gotas grandes, que chegam até a boca do animal.
“Existem duas formas de fazer biomimética. Uma delas é partir de um desafio de design e buscar um modelo biológico capaz de realizar aquela função que você precisa. A outra é observar um fenômeno interessante do mundo natural e procurar aplicações para ele”, afirmou Benyus.
O princípio não serve apenas para o desenvolvimento de produtos. Pode inspirar, por exemplo, o planejamento de cidades sustentáveis, que funcionem como um ecossistema natural. “Ecossistemas naturais, como as florestas tropicais, são generosos. Limpam o ar, limpam a água, fertilizam o solo. Produzem serviços que beneficiam também outros habitats. É isso que as cidades deveriam fazer”, opinou.
* Texto publicado originalmente no site da Agência Fapesp
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