Momo
Mural pintado em interior de loja MCDonalds: mesmo os personagens da rede de fast food estão sempre sorrindo
O mais importante é lembrar-se de sorrir. Sempre, em todos os momentos das infinitas jornadas de trabalho nas lanchonetes do McDonalds. Não é tarefa fácil, há sempre algo a ser feito: quando o salão está cheio cada pedido deve ser completado no tempo limite de três minutos e meio, desde a chegada ao caixa até a entrega do lanche.
Quando o restaurante está vazio é hora da limpeza: arrumar a cozinha, passar pano no banheiro, esvaziar os coletores de lixo, colocar as cadeiras em ordem e as mesas dispostas com base em uma calculada simetria. E o “dress code” é o mesmo para todo mundo: calças, camisa e boné. Você deve ser o arquétipo da eficiência: o cliente deve se sentir satisfeito, mas não deve se dar conta disso.
A oferta de trabalho tem um quê de atraente. E é fácil. Basta entrar no site e enviar o currículo, e eles entram em contato quase imediatamente. Explicam o que precisam e como você deve desempenhar seu trabalho, jogam aqui e ali uma metáfora esportiva sobre a dedicação incondicional ao “time” e fazem você se sentir importante, uma engrenagem em uma máquina que se move mais rápido do que a luz.
Recapitulando: você completa o formulário no site e manda seu currículo – ou chega lá através de uma agência de trabalho – e eles te ligam e te pintam um mundo maravilhoso, uma família na cozinha que faz a alegria de crianças e adultos em todo o mundo. Depois te dão os detalhes mais interessantes: o McDonalds paga todos os meses, até o décimo quarto; 94% por cento dos funcionários são contratados por tempo indeterminado. No fundo, a corporação acena com a ideia de uma vida finalmente normal: um salário de verdade, um contrato, uma posição social, algo de que você pode se gabar nos almoços de família quando te perguntam o que você faz da vida.
A carreira é veloz, e se você for esperto, em dois anos pode passar da última roda do vagão a condutor da locomotiva. Você assina o contrato já pensando em comprar um computador novo.
Ação cronometrada
A voz do diretor de recursos humanos repete as mesmas palavras, sempre iguais, claramente saídas de algum curso de atualização: “quem trabalha no McDonalds deve ter vontade de arregaçar as mangas, de aprender a fazer coisas diferentes de maneira impecável, de sustentar a pressão nos momentos de pico, de estar à disposição, de seguir todas as regras que sustentam o alto padrão de segurança, eficiência e qualidade com que o McDonalds está comprometido e que proporciona aos seus funcionários”. Ou seja: podem pedir que você prolongue o seu turno ou trabalhe de madrugada ou nos fins de semana. O colega com mais tempo de casa – que também sorri o tempo todo, mas com os olhos cheios de desilusão – explica alguns truques do ofício: as bebidas são menos gasosas do que em outras lanchonetes, para que o cliente não fique tão cheio e acabe pedindo outro hambúrguer. Segue uma cúmplice piscada de olho.
Mas é importante também “ater-se aos tempos pré-estabelecidos” e saber que tem hora certa inclusive para “ir ao banheiro, como em todas as atividades profissionais em que o respeito coordenado do tempo é um fator chave para a qualidade do trabalho”. Tradução: do momento em que você é autorizado a ir ao banheiro até o momento em que você dá a descarga, devem passar no máximo 58 segundos. Cada ação é cronometrada: depois de três minutos e meio de tempo máximo para servir o cliente, o caixa começa a se iluminar para indicar que é hora de fechar a conta.
Na cozinha, também o maquinário apresenta luzes de cores diversas, e quando o cozimento é concluído começam os bips. Cada máquina tem seu próprio bip. Com o tempo você aprende a distinguir entre eles: um bip agudo e prolongado é a torradeira, grave e seco é a chapa dos hambúrgueres, intermitente quer dizer que é hora de trocar o óleo da frigideira.
Stephne van Es
Mercado global: os arcos dourados estão presentes em praticamente todo o mundo com mais de 30 mil restaurantes
Vida útil
A empresa te ama e você deve amar a empresa: justamente por isso o almoço (ou jantar) consiste em um McMenu à sua escolha, sem a possibilidade de ir à lanchonete ao lado ou trazer comida de casa.
Os mais comprometidos chamam esse espetáculo de “cultura do trabalho” e com muita seriedade afirmam que “o trabalho liberta”. No fim fica a dúvida que essa máquina possa funcionar somente sob essas condições. Por outro lado, os números são dignos de um exército: 1,7 milhão de funcionários e 33 mil restaurantes em 119 países, atendendo diariamente 64 milhões de clientes, segundo os números oficiais.
Cada prato tem uma vida útil de oito minutos e, superado esse limite, quem está no balcão deve jogar tudo fora. Quando acaba o turno, você volta pra casa emanando um inconfundível odor de fritura. Mas se você tiver aprendido a lição, sabe muito bem o que fazer nessa situação.
Esforce-se. E lembre-se de sorrir.
Tradução Carolina de Assis
Texto originalmente publicado em Il Manifesto, diário italiano publicado por uma cooperativa de jornalistas há mais de 40 anos. Dedica-se à cobertura de notícias italianas e internacionais.
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