Wikimedia Commons
Vista do Grand Canyon a partir do ponto Hopi
Está em debate nos Estados Unidos um plano controverso que pode abrir caminho para investidores internacionais construírem um megaempreendimento na beira do Grand Canyon.
O projeto inclui um hotel fazenda, hotéis cinco estrelas, shopping centers, butiques, restaurantes e 2.100 unidades habitacionais. Seus opositores dizem que aumentaria o tráfego de carros e aviões, assim como a poluição visual e sonora, destruindo o habitat de animais selvagens. A iniciativa deve drenar aquíferos na região, o que pode reduzir drasticamente as águas subterrâneas e também os níveis da única fonte de toda a água das Cataratas de Havasu, a base da cultura do povo Havasupai.
O Serviço Nacional de Parques, a agência norte-americana responsável pelo Grand Canyon, considera o megaempreendimento uma “grave ameaça” ao parque nacional, “porque demandará grandes quantidades de água e pode diminuir o aquífero que alimenta fontes, nascentes e córregos que mantêm a vida selvagem e o lazer”.
Leia também:
Remoção de barragens restaura rios e multiplica peixes nos EUA
Comércio virtual de animais selvagens burla proibição internacional e ameaça espécies em extinção
Sem estudo de impacto ambiental e econômico, projeto chinês de canal da Nicarágua preocupa especialistas
A prefeitura da cidade de Tusayan, localizada na entrada ao sul do Grand Canyon, apresentou um pedido de autorização ao Serviço Florestal norte-americano em nome do Gruppo Stilo USA, uma empresa de investimento italiana, para construir estradas e serviços como esgoto e infraestrutura em 40 hectares de terra, rodeados pela floresta nacional Kaibab. A Stilo tem tentado construir este empreendimento em Tusayan há mais de 25 anos, e até ajudou a cidade a se emancipar em 2010.
Se a petição for aprovada, a Stilo poderá seguir com seu plano de construir um resort e um complexo habitacional na entrada da extremidade sul (South Rim, em inglês) do Grand Canyon, o destino turístico mais popular no Parque Nacional Grand Canyon, onde se encontra um vilarejo histórico.
A Stilo também “espera trazer desenvolvimento comercial em grande escala atraído pelos turistas e pelas novas unidades residenciais”. Entre seus planos, há milhares de metros quadrados de lojas. “O turista comum tem seu momento Kodak na beira do penhasco, compra um machado indígena de plástico feito na China e então vai embora”, acredita o porta-voz da Stilo, Tom DePaolo.
Em nome da Associação de Conservação dos Parques Nacionais, do Fundo Grand Canyon, do Sierra Club e do Centro pela Diversidade Biológica (Center for Biological Diversity), a Earthjustice, uma organização não governamental de advocacia, enviou uma carta ao Serviço Florestal norte-americano protestando contra a emissão do direito de passagem. Em resposta à campanha da organização, mais de 200 mil pessoas escreveram ao Serviço Florestal pedindo que a agência norte-americana rejeite o pedido do Gruppo Stilo.
“Um empreendimento gigante, maior do que o Mall of America (Shopping da América, em tradução literal, o shopping mais visitado do mundo), com todo o seu trânsito, barulho e poluição, terá impactos significantes e prejudiciais na floresta, no parque, na experiência do visitante e na vida selvagem”, afirmava a petição da Earthjustice.
O impacto na vida selvagem é a maior preocupação de ativistas e organizações independentes. O Grand Canyon é o lar de pelo menos 25 espécies sensíveis, ameaçadas ou em perigo de extinção, dentre estas a águia-americana, a coruja-pintada, o carneiro-selvagem, a lontra, o morcego vermelho, a tartaruga do deserto e a rã de pele de leopardo do norte.
Além dos vários animais que moram no Grand Canyon, há 1.750 espécies de plantas. Mas apenas uma delas está na lista nacional de plantas em perigo de extinção: a chamada sentinela do gênero astragalus (sentry milk-vetch, em inglês). Ela não está apenas em extinção como também é endêmica: não cresce em nenhum outro lugar do planeta, só no Grand Canyon. De acordo com o Serviço de Parques dos EUA, “a espécie chamada de cremnophylax significa 'sentinela do desfiladeiro', um nome apropriado para uma pequena planta que cresce apenas na beirada, observando o Grand Canyon de cima… A população de sentinelas perto do ponto de observação Maricopa foi cercada em 1990, depois que cientistas descobriram que as plantas não resistiam ao pisoteio dos visitantes”.
“O Serviço Florestal está abrindo caminho para investidores estrangeiros explorarem o mais precioso marco natural dos Estados Unidos apenas em troca de lucro”, afirmou Ted Zukoski, advogado da Earthjustice, que criticou a agência por “jogar fora sua responsabilidade em servir o interesse público, colocando a água, a vida selvagem e o deserto que tornam o Grand Canyon tão especial em perigo”.
Leia também:
Aquecimento global vai tornar maconha mais potente, preveem cientistas
Dez anos após tragédia, sobreviventes restauram mangues na Indonésia para se proteger de novos tsunamis
No Equador, comunidade Sarayaku resiste a investida de petroleira e é exemplo de luta indígena pela Amazônia
A cidade de Flagstaff, no Arizona, e algumas empresas da região já aprovaram medidas contrárias à licença, argumentando que ela teria um impacto negativo no Parque Nacional do Grand Canyon e nas comunidades vizinhas. O Serviço Florestal realizou audiências públicas no mês de maio em Tusayan, Flagstaff e Williams para fornecer informação sobre as estradas e os serviços propostos.
Defensores do projeto, como Greg Bryan, prefeito de Tusayan, dizem que a área precisa de novas unidades habitacionais para os moradores. “Estou aqui há 17 anos, e se eu me aposentasse agora teria de ir embora”, disse Bryan. “Não posso me aposentar aqui.”
Levando em consideração a crescente oposição ao empreendimento, muitos não sentiriam falta do prefeito se ele partisse. Moradora de Tusayan há três gerações, Clarinda Vail afirma que o conselho da cidade e os investidores possuem apenas os próprios interesses em mente e não estão muito preocupados com o melhor para a comunidade.
“Em minha opinião, eles estão aqui apenas para encher seus bolsos. O coração deles não está aqui como os corações da minha família e de meus ancestrais, que estão aqui há anos”, afirmou.
“O Serviço Florestal está colocando o Parque Nacional do Grand Canyon em risco ao levar em consideração o plano perigoso e prejudicial de um megaresort em Tusayan”, afirmou Kevin Dahl, da Associação de Conservação dos Parques Nacionais. “Essa proposta não é do interesse público e é uma das maiores ameaças que o Grand Canyon já encarou ao longo de sua história. O Serviço Florestal pode e deveria tê-la rejeitado de imediato.”
NULL
NULL
Sean Hagen / Flickr CC
Uma das quedas das cataratas de Havasu, no Parque Nacional do Grand Canyon
Outra proposta, conhecida como a “Escalada do Grand Canyon“, propõe instalar um trenzinho em terras Navajo, no lado leste do parque, para transportar visitantes da extremidade sul do cânion até a Confluência, um lugar na borda norte onde os rios Colorado e Little Colorado se encontram, local sagrado para os povos Navajo, Zuni e Hopi. O plano de um bilhão de dólares inclui hotéis de luxo, um complexo de restaurantes, lojas e um estacionamento de trailers.
“Quando o homem entrar com tudo, rasgando o coração de nossa mãe, onde essa construção vai parar? Quando acabará? O que virá depois?”, pergunta Renae Yellowhorse, porta-voz da Salve a Confluência (Save the Confluence, em inglês), organização contrária a empreendimentos na região. A Confluência é onde Yellowhorse vai orar, assim como seus ancestrais fizeram por séculos. Ela não quer que o local se torne uma estação de bondinhos e um centro de compras.
Mas um senador estadual do Arizona, o democrata Albert Hale, um dos sócios do projeto “Escalada”, argumenta que o empreendimento ajudará a impulsionar a economia da nação Navajo.
“Não há empregos nas reservas indígenas”, afirma Hale, ex-presidente da nação Navajo. “Será que as pessoas que são contrárias ao projeto estão dispostas a dar refletir um pouco e dizer: 'Sabe, precisamos pensar sobre essas coisas, precisamos encontrar um jeito de manter nossos filhos aqui'? Se continuarmos a não fazer nada, nossos filhos continuarão a sair, porque as oportunidades estão do lado de fora da reserva.”
Dave Uberuaga, o superintendente do Parque Nacional do Grand Canyon, considera os empreendimentos de Tusayan e da Escalada como as duas maiores ameaças ao parque em sua quase centenária história.
“Eles querem sair de uma comunidade residencial de menos de 500 pessoas para tornarem-se uma de 5 ou 6 mil pessoas”, diz. “Eles querem aumentar o consumo de água em 400%, e ainda não esclareceram de onde tirarão a água.”
“Sejam as empresas de mineração ou grandes empreendedores, alguns sempre vão ver o Grand Canyon como uma caixa registradora, não um dos lugares mais deslumbrantes e preciosos do planeta”, afirmou Robin Silver, um dos fundadores do Centro pela Diversidade Biológica. “Este é um lugar pelo qual vale a pena lutar. Planejamos lutar lado a lado com milhões de outros norte-americanos para derrotar esse novo esquema para privatizar o Grand Canyon. Este não é um lugar para shopping centers.”
“Será uma mancha no legado do presidente Obama se ele permitir tamanha desfiguração do Grand Canyon”, disse Sandy Bahr, do Sierra Club, uma das mais importantes associações ambientais dos EUA.
O Serviço Florestal dos Estados Unidos foi criado em 1905 pelo então presidente Theodore Roosevelt, considerado por alguns como o pai da conservação ambiental no país por proteger 230 milhões de hectares de terras públicas de empreendimentos como estes. Além de criar 150 florestas nacionais, ele oficializou 18 monumentos nacionais, dentre estes grandes porções do Grand Canyon.
Sobre o Grand Canyon, ele não media palavras: “Deixe-o como está. Ele não pode ser aprimorado. Ele foi trabalhado pelo tempo, e a humanidade só pode estragá-lo”.
“Se trouxerem qualquer coisa para escavar estas terras, eu estarei aqui, segurando-as com minhas próprias mãos se for preciso”, diz Yellowhorse.
Tradução: Jessica Grant
Matéria original publicada no site Alternet.