O jornalista e pesquisador de Relações Exteriores Daniel Buarque afirmou, no programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta quinta-feira (30/06), que a chegada de Jair Bolsonaro ao poder no Brasil interrompeu uma trajetória de continuidade na política externa do país, até então historicamente pautada pela busca de prestígio internacional.
“Havia uma crença interna de que existia uma política externa independente de governos. Com a chegada de Bolsonaro e Ernesto Araújo, isso se desfez completamente. O país passou a ter um chanceler que dizia publicamente que não tinha nenhuma preocupação com a imagem do Brasil”, afirmou Buarque, que acaba de lançar o livro O Brasil É um País Sério? – Ensaios sobre a Imagem Internacional, da Euforia à Depressão (Editora Pioneira).
O assassinato do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira na Amazônia é hoje o principal catalisador da piora cada vez mais acentuada da imagem internacional do Brasil, cujo governo atual é compreendido internacionalmente como de extrema direita.
Monitorando as menções ao Brasil na mídia global em seu portal Interesse Nacional, Buarque registra que 70% delas são negativas, não apenas no noticiário, mas também nos editoriais. “A morte de Phillips e Pereira é vista como maior símbolo de desmonte de políticas de proteção da Amazônia e das comunidades indígenas e do descaso geral do governo brasileiro”, afirma, demarcando que os assassinatos se associam diretamente a Bolsonaro na percepção internacional.
Para ele, as associações se materializam com a imagem já corroída pelo aumento do desmatamento e pelo discurso antipreservação ambiental por parte do governo.
No polo oposto à realidade atual, Buarque classifica o ano de 2010 como o auge da euforia internacional em relação ao Brasil, que começou a ser erodida a seguir. “A empolgação era muito guiada pela questão econômica, porque em 2008 o mundo todo tinha afundado e o Brasil tinha conseguido se manter estável. Isso alimentou uma narrativa sobre a ascensão do Brasil que migrava para outras áreas também”, disse.
Sob governo de Luiz Inácio Lula da Silva, nesse momento o Brasil deixava de ser visto como um país-problema e em algumas circunstâncias chegou a ser interpretado como nação que trazia solução para problemas globais.
Na interpretação de Buarque, um primeiro ponto de inflexão foi causado pela mediação exercida pelo presidente Lula na assinatura de um acordo nuclear entre o Irã e a Turquia, em 2010. “Era como se o Brasil tivesse dado um passo maior do que a perna, tentando se envolver em temas que não eram relevantes para o país do ponto de vista das potências globais do Ocidente, especialmente Estados Unidos e União Europeia”, avalia.
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Daniel Buarque, jornalista e pesquisador de Relações Exteriores
As Jornadas de Junho de 2013 e a Copa do Mundo no Brasil em 2014 foram decisivas na erosão da imagem internacional do país. Assim como o impeachment de de Dilma Rousseff, que aprofundou a negativação da imagem do país.
Eleição de Bolsonaro
A eleição de Jair Bolsonaro em 2018 vem desfazer completamente a imagem positiva do país, que Buarque define a partir de então como de depressão. “Era uma candidatura incompreensível para o resto do mundo, de uma pessoa apontada como execrável pelos principais observadores externos”, define.
O pesquisador interpreta que, após os dois anos de Ernesto Araújo à frente do Itamaraty, há um tentativa de retomada da normalidade sob o comando do chanceler Carlos França. O Ministério de Relações Exteriores segue defendendo Bolsonaro “com um discurso bizarro especialmente em torno de Amazônia”, mas há uma tentativa de respeitar os ritos burocráticos.
De intensidade comparável é a reação mundial ao comportamento de Bolsonaro diante da pandemia, associado ao que havia de pior no combate à covid-19: “Ele foi visto como líder dos avestruzes, o grupo que enfiava a cabeça na terra para se esconder e fingir que não estava acontecendo nada”, afirmou.
Buarque vê ambiguidade no alinhamento e na submissão do governo atual ao governo norte-americano. Apesar da idolatria à imagem dos Estados Unidos, a aliança seria mais pessoal, de Bolsonaro com Donald Trump, que com o país propriamente dito.
“Existe uma expectativa de que o governo norte-americano pressione o Brasil por um processo democrático na eleição, não aceite e não reconheça uma tentativa de golpe, o que é muito importante quando se considera o papel dos Estados Unidos em 1964, de legitimar a ditadura”, analisa, lembrando que não houve alinhamento do Estado brasileiro com Estados Unidos e Europa na guerra na Ucrânia.
“O governo Biden vê Bolsonaro como um apaixonado por Trump, visto primeiro como um Trump tropical e até agora como trumpista”, recorda.