Combinando questões gerais e outras bastante pessoais, Opera Mundi traz o especial A Pandemia no Mundo. O objetivo é verificar o impacto da covid-19 em diferentes países. Trata-se de uma enquete: as mesmas 27 perguntas são repetidas para moradores deles, de modo que as respostas possam ser acompanhadas e comparadas.
Quando a pandemia começou, dizia-se muito que o coronavírus era “democrático”, atacando igualmente pobres e ricos, brancos, asiáticos e negros, homens e mulheres.
O que a realidade mostrou é que os pobres são mais vítimas da covid-19, como a condução das políticas de saúde por governos de todo o mundo resultou em radicais diferenças no número de contaminados e de mortos.
Quem responde as perguntas hoje é a jornalista e estudante de doutorado Heloísa Broggiato Matter, de Berna, na Suíça.
1. Descreva o grau máximo de isolamento social praticado onde você está.
O comércio, as escolas, praças e parquinhos fecharam. Supermercados, farmácias e creches para crianças até 4 anos ficaram abertos. A recomendação foi trabalhar de casa o máximo possível e o transporte público foi reduzido. Sair de casa para fazer exercício físico foi permitido, em grupos de até cinco pessoas.
2. Quando começou sua quarentena?
Desde o dia 13 de março, estamos em casa. No dia 11 de maio, o comércio reabriu e crianças até o nono ano voltaram para a escola, obedecendo as regras que cada cantão determinou.
3. Quem está com você?
Meu marido e minhas filhas, de 13 e 16 anos.
4. É fácil conviver assim?
A convivência com a família é boa. Nesse período dividimos melhor as tarefas domésticas e os espaços de trabalho. No início foi mais tenso, porque havia um medo de que teríamos um problema de abastecimento de alimentos. Mas essa possibilidade foi logo descartada.
5. Quando você sai de casa?
Até 11 de maio, só saía para ir ao supermercado e caminhar pelo bairro. Agora dá para tomar um café em algum restaurante.
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6. Teve ou conhece alguém no país em que está que teve covid-19?
Felizmente não.
7. Como viu a ação do governo do país em que está em relação ao coronavírus?
Apesar da grave situação e das previsões ruins sobre o aumento de casos, o Ministério da Saúde foi cauteloso e contra um confinamento muito rígido, com ações da polícia e toque de recolher. A população seguiu as recomendações. As empresas puderam pedir ajuda ao governo para pagar 80% do salário dos funcionários que estavam sem trabalhar.
8. Ela mudou muito com o tempo?
A primeira fase do desconfinamento começou em 27 de abril, com a abertura de cabeleireiros, tatuadores, centros de jardinagem e consultórios de fisioterapia. A segunda iniciou em 11 de maio, com a abertura de restaurantes e algumas escolas. A última começa em 11 de junho, com a volta das escolas de ensino médio e superior. O desconfinamento foi planejado e cumprido, mas houve momentos em que o governo anunciava perspectivas de abertura e isso fez toda a diferença para a população. As autoridades sofreram críticas também.
9. Você está neste país por que motivo?
Por amor. Meu marido é suíço.
10. Acompanhou a situação brasileira?
Sim. É outra realidade, mas quando a situação estava grave na Europa foi aflitivo ver que muitos não acreditavam que realmente estávamos em uma pandemia e o Brasil perdeu um tempo precioso, necessário para responder de forma eficiente à situação. Senti um clima de desconfiança generalizado no Brasil. As pessoas não sabem que caminho seguir, as informações são contraditórias. Desgoverno total.
11. A embaixada brasileira se comunicou com você ou com pessoas que você conheça?
Não.
12. O governo brasileiro ofereceu algum tipo de ajuda?
Não.
13. Como você acompanha as notícias do Brasil?
Pelos noticiários que tenho acesso pela internet, pelos relatos da família e dos amigos.
14. Gostaria de voltar ao Brasil? Por quê?
Sim, quando for possível, para visitar a família, os amigos e fazer pesquisa.
15. Sua vida profissional mudou durante a pandemia? Como?
Sim. Tinha um contrato de trabalho assinado com a agência de cooperação e desenvolvimento do governo da Suíça, para início em abril. O início do trabalho foi adiado por alguns meses.
16. Sua vida afetiva (inclusive sexual, se quiser tratar disso) mudou durante a pandemia? Como?
A distância é física, não necessariamente social. Por morar muitos anos no exterior, estou acostumada a essa situação. De um modo geral, senti mais gente disposta a conversar pela internet durante a quarentena.
17. Você engordou, emagreceu ou manteve o peso?
No início acho que houve uma tendência a comer mais, para aliviar a tensão, mas tudo foi se acalmando. Engordei cerca de um quilo.
18. Você bebe mais ou menos durante a pandemia?
Um pouco mais, mas sem exageros.
19. O que tem feito para ocupar o tempo durante a quarentena?
Trabalhei no doutorado com poucas interrupções durante todo o período da quarentena. Apesar da tensão inicial que atrapalhou a concentração, o período foi produtivo.
20. Desenvolveu, voltou a praticar ou abandonou algum hobby durante a pandemia?
O que mais me fez falta foi a atividade física. A musculação e zumba foram substituídas pela yoga feita com ajuda do aplicativo, caminhada e passeios de bicicleta. Mas a frequência diminuiu.
21. Desenvolveu, voltou a praticar ou abandonou algum vício durante a pandemia?
Tomei mais café, com certeza.
22. Tem realizado atividades para cuidar da saúde mental durante a pandemia?
A atividade física é importante para a saúde mental e já fazia isso antes da quarentena. Apenas tentei manter.
23. A pandemia fez com que você mudasse seu posicionamento político?
Não. Só confirmou a incapacidade do atual governo [do Brasil] e o descaso total com os mais vulneráveis, a desvalorização da ciência, da educação, da cultura e do meio ambiente. Ainda que tudo isso fosse previsto, é inaceitável.
24. Se pudesse dar um conselho a você mesmo antes de entrar em quarentena, qual seria?
“Não é para sempre.”
25. Você tem lido mais ou menos notícias durante a pandemia? Como é sua relação com o noticiário?
Mais. Fora o noticiário do Brasil e da Suíça, virou rotina acompanhar as notícias da Áustria, Itália, França Estados Unidos e Reino Unido. Foram vários períodos de angústia, mas prefiro saber o que está acontecendo. Aqui ninguém meditou.
26. Como está a questão do abastecimento de insumos no país em que você está?
Ainda há poucas máscaras e alguns medicamentos ficaram escassos.
27. Como está o relacionamento com sua família? Melhorou? Piorou?
Melhorou.