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Análise

Mais uma chance perdida do Brasil

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Governo não tem vontade, competência ou visão para organizar uma campanha de vacinação, embora o país estivesse preparado

Philipp Lichterbeck

Deutsche Welle Deutsche Welle

Rio de Janeiro (Brasil)
2021-01-21T13:43:00.000Z

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Eu tive covid-19. De forma moderada, com febre, dores de cabeça e um pouco de fadiga. Após dez dias, me senti bem novamente. Apenas a perda do olfato permaneceu, e provavelmente ficará comigo por algum tempo. Admito que fico um pouco assustado quando leio relatos sobre possíveis sequelas a longo prazo, como dores nas articulações e problemas respiratórios - mesmo que eu não tenha sentido nada disso.

Onde fui infectado, eu não sei. Pode ter sido no supermercado, no jantar de Natal com amigos, no aeroporto, em um táxi ou na fila do caixa eletrônico. A única coisa que está claro é que o vírus está circulando.

Quando descobri que tinha covid-19, fiquei nervoso, porque você não sabe como a doença vai se desenvolver. O que antes era abstrato de repente se tornou concreto. Milhões de brasileiros já passaram por isso e se sentiram assim.

Por isso estou aliviado que a campanha de vacinação tenha finalmente começado, mesmo que tenha sido apenas semanas após o início da vacinação na Europa, nos EUA e na vizinha Argentina. O início da vacinação, porém, não é graças ao governo Jair Bolsonaro, mas a alguns poucos governadores responsáveis.

Se o estado de São Paulo não tivesse procurado a vacina chinesa Coronavac, o Brasil provavelmente ficaria hoje com apenas dois milhões de doses da vacina de Oxford e um avião de carga vazio, que seria enviado para buscar doses de vacina da Índia - sem que ao menos se tivesse combinado com os indianos.

Muitas vezes esquecida no momento é a vacinação Sputnik V da Rússia. Ela em breve poderá ser aprovada pela Anvisa. A Sputnik V também não foi adquirida pelo governo Bolsonaro, mas pelos estados do Paraná e da Bahia.

A indiferença do presidente à covid-19 é óbvia. Ele não leva a sério a pandemia e os mais de 210 mil brasileiros mortos. Pior, ele reage como se a pandemia existisse apenas para incomodá-lo pessoalmente e para obstruir seu governo.

Durante muito tempo Bolsonaro negou o vírus e o perigo que ele representa. Agora ele está sabotando a campanha de vacinação. Jair Bolsonaro é sempre "contra", não consegue evitar. Seu combustível é provocação e distúrbio. Ele parece com o menininho que, por ciúmes, destrói os castelos de areia das outras crianças no parquinho. Com a diferença de que a destrutividade de Bolsonaro custa vidas humanas.

Marcos Corrêa/PR
"Bolsonaro está destruindo o último pedaço de reputação que o Brasil já teve", escreve o colunista Philipp Lichterbeck

Tudo isso é especialmente trágico também porque o Brasil estaria bem posicionado para realizar uma campanha de vacinação rápida e abrangente. O país poderia ser um modelo para o resto do mundo. Assim como o Bolsa Família, a luta contra a fome e os programas de alfabetização do Brasil serviram de modelo para outros países, o Brasil também poderia se distinguir internacionalmente através de uma ampla campanha de vacinação.

Mas este governo não tem vontade, competência ou a visão de futuro para organizar tal campanha. A única coisa que Bolsonaro consegue fazer bem: nomear militares para cada problema e cada posto vago. Competência? Não importa.

O SUS oferece boas condições para uma campanha de vacinação rápida e abrangente. A infraestrutura e a experiência estão lá. Qualquer pessoa que tenha tido que ir ao SUS para tratar um ferimento ou doença menor ou para obter uma vacina pode atestar isso, inclusive eu. Você tem que esperar, mas chega a sua vez e você vai ser atendido. Desde que não seja para cirurgias complicadas e doenças graves, o SUS está na verdade em uma boa posição, considerando que ele é público e gratuito.

Mas o SUS tem uma reputação péssima. É subfinanciado, e os recursos muitas vezes não são utilizados de forma eficiente. Uma das razões para isso: a Emenda Constitucional do teto de gastos (EC 95), criada pelo governo Michel Temer e endossada por Jair Bolsonaro. Segundo o médico e professor da PUC de Campinas Pedro Tourinho, o SUS já perdeu 22 bilhões de reais por causa disso.

E assim, mais uma vez, o Brasil está jogando fora um de seus pontos fortes. O maior dilema do Brasil é, sem dúvida, o de não fazer nada com suas enormes oportunidades. Poderia ser um dos países mais ricos e bonitos do mundo. Em vez disso, é dilacerado por conflitos internos, injustiça, violência e pobreza.

A vontade de destruir é provavelmente o traço mais característico do governo Bolsonaro. A crise do coronavírus confirma isso novamente. Está destruindo o meio ambiente do Brasil, o maior tesouro desta nação. Ela prejudica instituições reconhecidas como o Ibama, o Instituto Palmares ou o Ministério das Relações Exteriores, que está sob o controle do teórico da conspiração Ernesto Araújo. Ele também destrói a vida de milhares de brasileiros com suas políticas negacionistas na pandemia. Ao fazer isso, está prolongando a crise.

Bolsonaro está destruindo o último pedaço de reputação que o Brasil já teve internacionalmente. É nos momentos de crise, costuma-se dizer, que o verdadeiro caráter de uma pessoa é revelado. O presidente e seus apoiadores revelam, acima de tudo, uma coisa: cinismo.

--

Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

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Política e Economia

André Singer afirma que 'autoritarismo furtivo' leva democracia ao colapso

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Para jornalista e cientista político, a democracia é uma conquista socialista e deve ser defendida a todo custo; veja o vídeo na íntegra

Camila Alvarenga

Madri (Espanha)
2021-04-14T17:30:00.000Z

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No programa 20Minutos Entrevistas desta quarta-feira (14/04), Breno Altman entrevistou o cientista político, jornalista e escritor André Singer sobre as limitações da democracia e a evolução de processos autoritários no Brasil. 

Sobre o momento atual do país, Singer acredita que há um “autoritarismo furtivo” em curso, iniciado em 2016 contra a ex-presidente Dilma Rousseff, afirmando que, apesar de haver uma democracia no país, o Brasil "não vive em uma situação democrática normal". 

“Isto é, um processo incremental, que ocorreu por dentro das leis, conduzido por líderes legitimamente eleitos. Tão gradual que a sociedade não percebe o que está acontecendo. Ficamos tão presos à imagem de golpe do nosso passado, achando que haverá um momento de ruptura, mas não vamos ter um golpe de Estado, estamos tendo pequenos golpes todos os dias. Não vivemos em uma situação democrática normal no Brasil, embora ainda tenhamos uma democracia, que é importante recuperar e preservar”, argumentou.

Segundo Singer, o efeito desse “autoritarismo furtivo”, que explora as brechas da democracia, é confundir a sociedade e dificultar sua reação para instaurar, de fato, um regime autoritário. “Por isso tenho falado em pensar uma nova legislação de proteção à democracia que feche essas brechas”, disse.

No entanto, o processo que levou ao golpe de 2016 teve particularidades que o jornalista ressaltou como erros que devem ser aprendidos para evitar perdas mais graves de democracia, principalmente no momento atual com Jair Bolsonaro. 

Para ele, o Partido dos Trabalhadores falhou ao não perceber e não explicitar à sua base política os limites de seus pactos e concessões, que gradualmente foram se desgastando. “Isso criou uma perplexidade quando o cenário começou a adquirir conotações golpistas. Explicitar as contradições é importante para enfrentar as situações que ameaçam a democracia”, ponderou.

“Em segundo lugar, no final de 2014, a ex-presidente chamou Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e fez um giro na política econômica que vinha tendo. Aprovou um pacote recessivo, que a burguesia estava pressionando, mas que implicou em desemprego e retrocesso social. Essa perda de apoio popular foi um tremendo problema para enfrentar a articulação de natureza golpista”, detalhou.

Apesar disso, Singer ressaltou que a aposta que o PT fez na democracia e na competição eleitoral “tiveram resultados incríveis”, de tal forma que o partido estruturou o atual sistema partidário, em sua opinião. Por outro lado, como consequência do tamanho e força que adquiriu, deu origem a uma segunda grande “força partidária”, que é o antipetismo. Daí o resultado das eleições de 2018. 

‘Estamos em face de perder a própria democracia’

Sobre o governo de Jair Bolsonaro, o jornalista foi taxativo: “espero que o processo de construção que está em curso seja interrompido”, pois “a perspectiva de um Estado autoritário está nitidamente colocada”.

Por isso, Singer reforçou a importância de se defender do “autoritarismo furtivo” por meio de uma unidade de forças progressistas, “para que a classe trabalhadora, que já perdeu muita coisa, compreenda que estamos em face de perder a própria democracia”. 

Além da luta eleitoral, o jornalista colocou a importância de se realizar uma luta política com programas que façam esclarecimentos sobre os processos atuais, deem garantias democráticas e expliquem de que forma a democracia pode se expandir.

Singer também argumentou a favor da Constituição de 1988, atualmente muito criticada por líderes de esquerda, que consideram a convocação de uma Assembleia Constituinte caso um governo progressista retome o governo federal. 

“Não vamos conseguir uma Constituição mais avançada do que essa. Ela foi fruto de uma época incrivelmente democrática, veio de baixo para cima, de movimentos sociais muito poderosos. Sou refratário a substituí-la porque poderíamos cair num processo regressivo”, contestou.

‘A democracia é uma conquista socialista’

Do ponto de vista teórico, Singer discutiu o próprio conceito de democracia e suas origens. Em parceria com Cicero Araujo e Leonardo Belinelli, ele escreveu o livro Estado e democracia - uma introdução ao estudo da política. 

O livro aborda a democracia desde a criação do conceito, durante a Grécia Antiga, até a atualidade, com as democracias modernas. O jornalista explicou que, antigamente, democracia significava participação direta, enquanto que, hoje, ela é representativa. Pode-se haver mais ou menos participação, porém democracia há uma só, opinião que diverge do que diziam Karl Marx e Vladimir Lênin, por exemplo, que falavam em “democracia burguesa” e “democracia operária”. 

“Acho que não entenderam bem o fenômeno da democracia. Marx nunca viu nenhuma transição democrática para o socialismo, então, para ele, a democracia era a manutenção do capitalismo. Nem ele, nem Lênin, viram as possibilidades que a democracia trazia. Foi a democracia que permitiu à classe trabalhadora conquistar vários avanços que inclusive apontam para perspectivas socialistas. Aliás, a democracia é uma conquista socialista, não é o capitalismo que a produz”, pontuou Singer.

Nesse sentido, ele discorda do conceito de “ditadura do proletariado”, pois acredita que, na verdade, Marx fazia referência a uma “ditadura constitucional”, dentro das leis, por um período curto e determinado de concentração de poder. “Mas em condições modernas não funcionou assim, o que era para ser temporário, tornou-se permanente. Não só com características de ditadura, mas de tirania. Na minha opinião, a ditadura do proletariado é um conceito que não contribui para o desenvolvimento do movimento socialista”, enfatizou.

Na visão do jornalista, é preciso ver de que forma é possível garantir a democracia e expandi-la na direção do socialismo, algo que a esquerda nem sequer sabe o que é, pois não há exemplos bem-sucedidos. “O mais próximo foi o que aconteceu no Chile, com [Salvador] Allende, mas que foi violentamente interrompido”, exemplificou.

Se não é democracia, é ditadura?

Ainda na discussão teórica, Singer ponderou que nem todos os regimes que não se enquadram na noção moderna de democracia são ditaduras: “porque ditadura talvez seja uma forma de não democracia, mas podemos ter outras formas, como o totalitarismo. E nem toda ditadura é uma ditadura totalitária”.

Para ele, como reitera seu livro, um regime, para que seja considerado democrático, dever ter liberdade de expressão e organização para disputar eleições; um governo formado por maiorias e alternância de poder. 

Sob essa perspectiva, países como Cuba, Vietnã e China não possuem democracias, mas também não seriam ditaduras. E lugares como os Estados Unidos seriam, de fato, democráticos, “apesar de controversos”.

“A democracia moderna é um regime bastante contraditório e frágil, até certo ponto. Sabemos que a democracia norte-americana é muito influenciada pelos recursos monetários que cada candidato é capaz de auferir, o que é uma contradição e um problema, porque leva ao esvaziamento da democracia, mas os Estados Unidos cumprem com as qualificações mínimas que nós colocamos”, reforçou.

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