O movimento contrário ao casamento gay em Portugal, apoiado por integrantes da extrema direita, da igreja e dos militares, retomou os ataques à lei que permite a união às vésperas da sanção ou veto pelo presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. No sábado (20), uma manifestação parou a Avenida da Liberdade, importante e simbólica via do centro de Lisboa. “A prática homossexual não gera vida”, “casamento é homem e mulher” e “o Estado não é dono da família” foram alguns dos bordões do protesto, que reuniu mais de cinco mil pessoas segundo a imprensa local – não há números oficiais.
Fotos: Vitor Sorano
Rezas e símbolos cristãos foram utilizados no protesto em Lisboa
Pelos prazos constitucionais, Silva – do centro-direitista Partido Social-Democrata, contrário à proposta – tem até o fim do mês para decidir o destino da lei aprovada na Assembleia da República. Quando a tramitação no parlamento começou, em dezembro passado, o presidente fez uma defesa da “família tradicional”, mas não se pronunciou diretamente sobre a iniciativa do governo – do centro-esquerdista PS (Partido Socialista).
Na semana passada, um grupo de militares participante da Revolução dos Cravos (que derrubou a ditadura salazarista em 1974) anunciou que prepara uma carta aberta contra o casamento gay, que consideram uma “aberração”. O documento, em fase de reunião de assinaturas, será entregue ao presidente da República.
A manifestação do sábado foi organizada pela Plataforma Cidadania Casamento, que reuniu 90 mil assinaturas em favor de um referendo sobre o assunto e considera a lei do PS o fim da família portuguesa.
Vestidos de preto e empunhando bandeiras da mesma cor, integrantes do Ação Nacional, movimento político de extrema direita, participaram. “Estamos de luto pela morte do país. É o que o casamento gay, a legalização do aborto e das drogas representam”, disse o porta-voz do grupo, Pedro Marques. “Se não foram suficientes as 90 mil assinaturas [o referendo foi rejeitado no parlamento], viemos para a rua para mostrar que somos contra”, disse aposentada Ana da Conceição, de 71 anos, que enfatizava não ser contra os homossexuais, mas sim a favor do que chama de família integral, de verdade e capaz de gerar vida.
Jovens e crianças também integraram o protesto. O estudante Manoel Maria Moutella, de 10 anos, que estava na manifestação acompanhado dos pais, disse ter medo de que o país “acabasse” com a aprovação do casamento. “Qualquer dia estamos aí a andar num país de lésbicas e gays e não haverá mais crianças porque eles não se reproduzem.”
Pais e mães levaram os filhos para o protesto como forma de ressaltar a família tradicional
Impasse
Além do posicionamento contrário de parte dos portugueses, a lei enfrenta o risco de cair por impedir os casais homossexuais de adotar crianças. Logo após a aprovação em primeira votação no parlamento, o Conselho Superior da Magistratura alertou para uma possível inconstitucionalidade do texto porque a restrição configuraria uma discriminação dos gays em relação aos portugueses heterossexuais. O procurador-geral da República chegou a apresentar uma nova versão, que não foi aceita.
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Em vez de vetar ou sancionar diretamente, Cavaco Silva tem a opção de consultar o Tribunal Constitucional sobre o impasse, o que amplia a possibilidade de derrubada da iniciativa. “É uma hipótese que está em aberto. Vai depender se o presidente vai ou não [fazer a consulta] e da maneira como colocar a questão”, disse ao Opera Mundi o deputado líder do Bloco de Esquerda (BE), José Manuel Pureza. Segundo ele, constitucionalistas consultados no parlamento apresentaram posições contraditórias.
Pureza acredita que a manifestação de sábado não deve conseguir influenciar o presidente a vetar o projeto. “[O protesto] ficou muito marcado por ter um grupo de extrema direita. Notava-se uma ala muito radical do conservadorismo”, disse. O PSD foi procurado, mas disse que não iria se manifestar. O (CDS/PP) partido do Centro Democrático e Social/Partido Popular, de direita, e o PS não responderam.
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