A justiça da província de Santa Fé, na região centro-leste da Argentina, emitiu ontem (15) uma decisão que proíbe a fumigação de plantações com glifosato nas proximidades das zonas urbanas da cidade de San Jorge, no oeste da província. A sentença – inédita – pode ter impacto direto no modelo agropecuário do país.
O processo que exigia o fim das fumigações foi aberto por moradores e camponeses de Santa Fé, em conjunto com o Cepronat (Centro de Proteção da Natureza), organização que impulsionou a denúncia de problemas ambientais e doenças provocadas por agrotóxicos ao Ministério Público na Argentina.
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A Câmara de Apelações Civil e Comercial de Santa Fé, autora da decisão, também ordenou que o governo de Santa Fé e a Universidade Nacional do Litoral provassem, num período de seis meses, que a fumigação, ou seja, a utilização agrícola do composto químico em estado gasoso para exterminação de insetos, ervas daninhas e fungos, não é prejudicial à saúde. Dessa forma, pela primeira vez na história a ordem dos fatores foi invertida. Anteriormente aqueles prejudicados precisavam provar que estavam doentes e agora os defensores do modelo do agronegócio precisarão comprovar que o glifosato – herbicida composto pela glicina e pelo fosfato – não faz mal.
Na Argentina, o uso extensivo do glifosato fez com que as pragas nas plantações ficassem mais resistentes, levando a um aumento progressivo das doses usadas, o que provocou a perda de fertilidade do solo.
Os juízes justificaram a decisão também com o argumento de que é melhor prevenir em vez de tentar recuperar o solo depois da destruição. Os moradores da região, que já tiveram problemas de saúde por conta dos produtos, solicitaram que a fumigação seja proibida em toda a província. Hoje o glifosato é fundamental para a monocultura de soja na Argentina.
Produção nacional
Levado ao país em 1996 pela empresa norte-americana Monsanto, o “pacote tecnológico”, constituído por uma semente geneticamente modificada, mais robusta, e pelo glifosato, garante alta rentabilidade aos produtores do grão. Atualmente 97% da soja argentina é transgênica. A oleaginosa passou a ocupar 60% da área agrícola total, ou seja, 19 milhões de 31 milhões de hectares.
O Cepronat anunciou que solicitará para que seja limitado o uso do glifosato em toda a província. O Cepronat faz também uma campanha nacional chamada “Parem de fumigar”, que reúne dezenas de organizações sociais e vítimas da fumigação.
A Argentina só perde para Estados Unidos e Brasil na produção de soja, sendo a província de Santa Fé a campeã no país.
Prejuízos
Da casa de Viviana Peralta, uma das moradoras de San Jorge, é possível ver as plantações de soja e também os aviões fumigadores. Em entrevista ao jornal argentino Página 12, ela relatou que a filha Ailén, dois anos, tem problemas respiratórios, além de sofrer intoxicação e desmaios após as fumigações.
A disputa entre moradores e o agronegócio na justiça não é recente. Em março de 2009, o juiz Tristán Martinez ordenou a suspensão das fumigações na zona urbana da cidade. Entretanto, por meio do Ministério de Produção, os produtores e o governo da província recorreram à medida. Em dezembro do mesmo ano, os juízes confirmaram a sentença em segunda instância e proibiram a fumigação a menos de 800 metros de moradias, se for utilizado o método terrestre, e a 1,5 mil metros, se a aplicação for feita por via aérea.
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