Sem trabalho há mais de um ano e recebendo como seguro-desemprego pouco mais da metade do salário que tinha, o uzbeque Rafe Mirzaev, residente em Portugual, está preocupado, pois acha que não vai voltar ao padrão de vida anterior. “Não chega para a vida. Tenho três filhos e mulher”, diz, sobre os 465 euros (1,1 mil reais) atuais. Hoje caso apareça uma vaga que pague 10% a mais que isso, Mirzaev é obrigado a aceitar. Mas, em nome da macroeconomia, o governo português quer reduzir essa margem.
A exigência de que beneficiários do seguro-desemprego aceitem salários baixos é uma das medidas do pacote anticrise que o Parlamento português discutiu hoje (25). O PEC, Plano de Estabilidade e Crescimento, é a receita do país para se enquadrar nas diretrizes econômicas europeias até 2013. Em meio aos esforços, Portugal teve sua taxa de risco rebaixada pela agência Fitch nessa ontem (24).
O principal objetivo é reduzir o déficit do país dos atuais 9,3% do PIB (Produto Interno Bruto) para 2,8%, o que demanda corte de gastos. Segundo o documento, 49% das ações previstas no plano serão dessa natureza. As despesas com segurança social cairão de cerca de 7,5 bilhões de euros (17 bilhões de reais), nesse ano, para 6,9 bilhões de euros (16,4 bilhões de reais), em 2013.
Haverá mais rigidez na concessão dos benefícios de renda mínima, que serão congelados. Para quem está na outra ponta da escala social e ganha mais de 150 mil euros por ano, o aperto será um aumento de três pontos percentuais na alíquota de imposto de renda, de 42% para 45%. Os limites de algumas deduções de imposto de renda, hoje iguais para todos, serão escalonados de acordo com os vencimentos de cada um. Os salários de servidores públicos também devem ficar sem aumento real – há promessas de greves para abril e maio.
Relatos
“Os portugueses estão cada vez mais pobres e por isso cada vez podem exigir menos”, diz um aposentado de 65 anos que se identifica como Norato. É o que diz estar acontecendo com os aposentados portugueses, sem reajustes acima de 3% há dois anos, pagando mais imposto de renda e deduzindo menos gastos. Para esse ano, com o PEC, a correção dos benefícios deve ficar no mesmo nível e os abatimentos do IR, encolher ainda mais. Apesar de se queixar muito, ele avisa que sua situação não é das piores: adaptou-se. “Quando vou ao mercado compro olhando o preço e não a qualidade e o carro só sai da garagem para passeios longos porque a manutenção é cara.”
António Marques dos Santos (foto abaixo), 69 anos, nem considerou como reajuste o 1 euro que elevou a aposentadoria para 242 euros, no ano passado, e também evita pensar sobre parar de trabalhar desde que se aposentou por invalidez. “Já nem sei quanto tempo faz, mais de trinta anos. Não posso parar”, conta ao lado da barraca de flores que tem há mais de 40 anos com a mulher. “As vendas estão ruins. Ninguém tem dinheiro nem para comer, vão ter para flor?”, pergunta ela, sorrindo.
Simone Cunha/Opera Mundi
Ao perder o emprego há dois meses, o motorista de ônibus Carlos Ferreira, de 39 anos, viu sua renda mensal cair pela metade, do salário de 1,5 mil euros (3,5 mil reais) para o subsídio de 700 euros (1,6 mil reais). Hoje, se ficar mais de seis meses sem emprego tem de aceitar uma vaga de 770 euros (1,8 mil reais), pouco mais da metade do que ganhava. O PEC ainda não definiu como, mas irá reduzir esse limite. “Uma pessoa que trabalha em escritório, vai lavar carros? Vai ficar uns meses, depois o próprio patrão não vai querer”, diz.
“Tivemos que reduzir tudo. Telemóvel (telefone celular) é só para receber chamada. Na alimentação, não tem mais iogurte, doce. Agora é só sopa, coisas para sobreviver”, conta Rosa Saraiva Abrantes, 55 anos. Em 1 de setembro de 2005, quando “a empresa mandou todos ao desemprego” seu salário era de 93 contos – aproximadamente 460 euros (mil reais) hoje. O subsídio desemprego que recebeu nos últimos seis meses foi de 250 euros (600 reais). “Eu já me sujeitava a qualquer trabalho, mas não aparece nada.” O país enfrenta taxa recorde de desemprego, de 10,5%.
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