Consideradas as possibilidades mais promissores para a prevenção contra o novo coronavírus, as vacinas britânica e chinesa ganharam destaque nesta semana após um estudo publicado na revista The Lancet, que afirmava que ambos medicamentos apresentaram respostas seguras e boa reação imunológica na segunda fase de ensaios clínicos. Além delas, a vacina russa também está em etapa avançada de desenvolvimento.
Os resultados positivos das vacinas, uma vez que o genoma do novo coronavírus só foi conhecido em janeiro, vêm em uma velocidade incomum para parâmetros científicos. Um dos responsáveis pela vacina de Oxford, o brasileiro Pedro Folegatti, já chegou a dizer, em entrevista à Deutsche Welle, que os profissionais estão “fazendo em meses o que levaria anos”.
Mas por que as vacinas estão ficando prontas tão rápido? Opera Mundi conversou com dois pesquisadores para tentar entender os esforços por trás das pesquisas e das preparações para a produção dos medicamentos.
Saiba como uma vacina é desenvolvida
Tecnologia e esforço
Para André Nicola, professor de Imunologia na Universidade de Brasília (UnB) e coordenador de um estudo no DF com o plasma de pacientes infectados pela covid-19, os enormes esforços das instituições e profissionais envolvidos no desenvolvimento das vacinas, assim como o fato de ambas partirem de tecnologias já existentes, são os fatores que podem explicar a rapidez do processo.
“É um conjunto de pessoas e instituições que está trabalhando muito para garantir que as coisas necessárias aconteçam de forma mais ágil. É possível que o tempo entre a aprovação nos estudos e a chegada da vacina no mercado seja muito mais curto dessa vez do que para qualquer outra vacina que a gente já teve na história”, diz.
Além disso, Nicola aponta para o fato de ambas as vacinas partirem de tecnologias que já existem. No caso da britânica, comumente chamada de vacina de Oxford, o procedimento adotado foi o de usar um vírus do resfriado comum (adenovírus), enfraquecido para não apresentar riscos a humanos, que foi geneticamente modificado para codificar a proteína utilizada pelo coronavírus para invadir as células humanas, de modo que, quando o adenovírus entra nas células das pessoas vacinadas, ele ajuda a ensinar o sistema imunológico a reconhecer o vírus Sars-CoV-2.
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Segundo especialista da UnB, tempo entre últimos testes e chegada da vacina ao mercado será um dos mais rápidos da história
“A vacina de Oxford utiliza a mesma tecnologia, só trocaram um pedacinho do outro vírus pelo Sars-CoV-2. A chinesa é baseada numa tecnologia que existe desde os anos 1950, que parte do vírus morto e impede que ele consiga se duplicar no organismo. É o mesmo princípio das vacinas para hepatite e influenza”, afirma o pesquisador.
Há um porém: não se sabe ainda se a vacina britânica pode proteger contra outros tipos de coronavírus ou até mesmo contra mutações mais ou menos agressivas do Sars-CoV-2. Segundo a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), é necessário “aguardar os resultados dos estudos clínicos, que no Brasil estão sendo conduzidos pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo)”.
Mais infectados pelo vírus
Outro fator importante na aceleração dos ensaios clínicos é o fato de haver mais pessoas infectadas com o vírus. Segundo Nicola, “fazer o ensaio com a vacina em regiões do mundo que estejam com uma circulação muito grande do vírus te permite ter resposta se a vacina funciona ou não mais rápido”.
“Se é uma doença rara, é preciso vacinar um número muito grande de pessoas e esperar um tempo muito longo até que apareça uma diferença entre os dois grupos de teste – os que receberam placebo e os que receberam a vacina. Se é uma doença supercomum, é possível ver a diferença entre os dois grupos, caso a vacina funcione, num tempo mais curto”, diz o especialista.
Sobre a eficácia desses medicamentos, o pesquisador ainda apontou que “conhecer um maior número de sequências [do novo coronavírus] pode ajudar a chegarmos a vacinas que funcionem melhor”.
“A sequência do genoma dos vírus vai mudando ao longo do tempo pela acumulação de mutações. Com o tempo, os vírus circulando em uma determinada região acabam ficando ligeiramente diferentes dos vírus circulando em outra região. Existe então a possibilidade de você fazer a vacina contra um vírus de um determinado local e ela não funcionar tão bem contra os vírus de outro local”, disse.
Para o especialista, “esse conhecimento mais amplo sobre as sequências dos vírus circulando em diferentes locais permite, por exemplo, que a vacina combine amostras de mais de um desses subtipos”.
70 milhões de doses
Sobre a velocidade de produção, a Fiocruz explica que “a vacina de Oxford, objeto de acordo entre Bio-Manguinhos/Fiocruz e a AstraZeneca, que detém os direitos de comercialização, prevê a aquisição de 30,4 milhões de doses do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) entre dezembro e janeiro, ainda durante a realização dos estudos clínicos, para processamento final e controle de qualidade, sendo 15,2 milhões de doses em dezembro/2020 e 15,2 milhões de doses em janeiro/2021”.
“Ao término dos estudos e com a eficácia da vacina comprovada, está prevista a aquisição de mais 70 milhões de doses do IFA e a absorção total da tecnologia por Bio-Manguinhos/Fiocruz”, afirma.
Ainda segundo a Fiocruz, “nunca antes se viu tantas instituições públicas e privadas colocando recursos financeiros para desenvolver uma vacina de forma tão rápida. Com esses investimentos, estão comprimindo e sobrepondo as fases da vacina, com desenvolvimento paralelo, mas garantindo a segurança. Um processo normal que leva 10, 15 anos, está sendo feito em seis, sete meses”.