Grande livraria de São Paulo, bom serviço, livros importados sem esforço, prateleiras e mais prateleiras. Busca-se alguma novidade que se deixe atrair pelo título, pelo autor ou até pela capa, mas não qualquer uma: algo escrito por um latino-americano, pra sanar a curiosidade e aquela velha culpa de não saber o que acontece na literatura dos países da região. O que se encontra é um cantinho, alguns títulos traduzidos ao português, outros em espanhol (importados, num gesto quase de “gentileza” da tal livraria), mas todos meio que conhecidos, mais do mesmo — e pouco disso. E as novidades? “Isso é o que tem”. Nos arredores, todo tipo de literatura em inglês.
Corte.
Pequena, porém preciosa livraria de Bogotá. Atenção especial, atendentes que sabem de literatura, muitas novidades para os olhos de um brasileiro, vontade de sair comprando. Mas bate a curiosidade profissional: existirá alguma seção dedicada ao Brasil? “Temos Paulo Coelho e uma antologia do conto brasileiro”. Bate mais forte a antologia, que reúne Machado de Assis, Mario de Andrade, Rubem Fonseca… Não dá pra reclamar. Mas não dá pra se sentir representado também. Podia ter mais, talvez não em quantidade, mas em variedade.
WikiCommons
O colombiano García Márquez (centro) com o brasileiro Jorge Amado (esq.); integração literária poderia ser maior
As cenas acima nada mais são que pinceladas ao acaso. Uma grande empresa de livros no Brasil, um reduto de livros independente na Colômbia — cada um com a dimensão de seu negócio e sua realidade. Mas onde está a circulação literária entre os dois países? Deveria existir, afinal os colombianos ocupam o primeiro lugar no ranking de estrangeiros que fazem o teste oficial de proficiência do português, o CELPE-BRAS, para estudar em universidades brasileiras. E os brasileiros figuram entre os que mais viajam hoje em dia à Colômbia, que tem um Nobel de literatura a partir do qual dá para, sem grande esforço, tomar contato com uma riqueza literária e cultural que outros já descobriram.
Leia também: Pesquisadores encontram 20 poemas inéditos de Pablo Neruda
Questões que fazem pensar sobre o fragmentado mercado editorial latino-americano, a partir do contexto de cada país. E que permitem uma aproximação à pergunta: por que, em geral, nossos livros circulam tão pouco entre os países da nossa região? É preciso conhecer cada lugar para encontrar respostas.
Façamos um retrato breve da Colômbia, que já entrou no radar da nossa indústria de livros e do Brazilian Publishers – uma iniciativa da Câmara Brasileira do Livro e da Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), criada em 2008 para impulsionar as exportações de livros de um pool de editoras associadas. O BP tem o mercado colombiano como um dos seus alvos de prospecção para fazer negócios, atraído pelas oportunidades que oferece o país de mercado relativamente enfraquecido, mas que cresce graças a projetos governamentais de fomento à leitura e à circulação do livro, redes de bibliotecas públicas, aspectos culturais que indicam abertura aos conteúdos do Brasil e mais.
Flickr/Abee5/CC
Há pouca integração entre os mercados editoriais brasileiro e colombiano; como mudar este quadro?
Nesse contexto — e no âmbito do Brazilian Publishers Experience 2014, um programa de ações culturais e sociais, cujo objetivo é mostrar o Brasil e aspectos de seu mercado editorial a um grupo de formadores de opinião convidados a visitar o país e participar de uma agenda de atividades direcionadas ao livro —, veio a São Paulo em junho passado o jornalista bogotano Julio César Guzmán, editor de multimídia do caderno de Cultura do grupo editorial El Tiempo.
Julio deu um breve panorama editorial da Colômbia, que vem a calhar na presente reflexão. Ele citou os estímulos governamentais à leitura e ao livro, os baixos níveis de leitura dos colombianos e destacou as maiores livrarias do país: Librería Nacional, Panamericana e Norma (que infelizmente acaba de fechar seu departamento de literatura). Destacou a presença do Ibraco (Instituto Cultural Brasil-Colômbia), que ao estilo de institutos culturais como o Goethe Institut, da Alemanha, e a Aliança Francesa, da França, ensina português e divulga a cultura brasileira. Eles têm um quadro de 1.500 estudantes e identificam um boom de interesse pelo português e por livros diretamente na língua nos últimos anos.
NULL
NULL
Outro destaque feito pelo jornalista foi a escolha do Brasil como país homenageado da Feira do Livro de Bogotá em 2012. Segundo ele, “os brasileiros tiveram uma presença importante na feira e nas atividades paralelas a ela, mas depois do evento, a vida seguiu igual – sem um interesse permanente”. Na ocasião, a “delegação brasileira oficial” (representada pela embaixada, pela CBL e as editoras ligadas ao Brazilian Publishers), organizaram uma venda de livros. As unidades levadas a Bogotá eram relativamente poucas, mas foram esgotadas.
Wikicommons
“Memorias póstumas de Bras Cubas”, clássico da literatura brisileira
Literatura, especialmente a narrativa de ficção, nunca foi um negócio fácil. A não ficção, não à toa, é o setor mais dinâmico do mercado colombiano, junto às publicações acadêmicas e aos títulos infanto-juvenis. Um estudo do BP indica que existem mais exportadoras, importadoras e distribuidores de livros que editoras. E, segundo a Câmara Colombiana do Livro, há cerca de 360 editoras, sendo que 70 delas são pequenas e publicam menos de 10 títulos ao ano. Além disso, sabe-se que a produção de 15 editoras colombianas representa quase a metade da produção editorial total do país.
Como, então, estimular a venda de livros brasileiros e a tradução das nossas obras no país, diante de tantas limitações? As condições, por incrível que pareça, estão dadas. Trata-se de estimular, é claro, a aproximação entre editoras independentes (priorizando curadoria de qualidade sobre quantidade) e, especialmente, a circulação da informação. Colombianos não têm os olhos abertos pro Brasil, assim como os brasileiros não têm pra Colômbia. Em tempos de Copa do Mundo, é impressionante como essa que é a verdadeira barreira é rapidamente superada: cerca de 40 mil colombianos estão no país, e diante do embate Brasil x Colômbia agora nas quartas de final, nunca se falou tanto de um e de outro país na imprensa de cada lugar. Por que esse esforço não passa então por um impulso sério à literatura e aos livros? Só nos resta torcer para que o futebol, com sua sede informação, tudo contamine. Até os livros.