Sem consultar os profissionais de museus, o presidente
Michel Temer assinou medida provisória, no último dia 10 de setembro, que cria a
Agência Nacional de Museus (Abram) e extinguir o Instituto Brasileiro de Museus
(Ibram), instituto vinculado ao Ministério da Cultura (MinC). Se a MP for
aprovada pelo Congresso, a Abram passa a fazer a gestão dos 27 museus federais,
hoje geridos pelo Ibram.
Temer também editou outra medida provisória, que permite criar fundos patrimoniais
‘‘com o objetivo de arrecadar, gerir e destinar doações de pessoas físicas e
jurídicas privadas para programas, projetos e demais finalidades de interesse
público’’. Publicadas oito dias depois do incêndio que consumiu a maior
parte do arquivo do Museu Nacional, no Rio, ligado à Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), o objetivo das medidas é claro: a caberá à Abram a
reconstrução do museu e a constituição de um fundo patrimonial para receber
doações. A proposta é que a Abram e a UFRJ definam uma parceria na gestão dos
recursos.
Entre outros protestos, o Comitê de Patrimônios e Museus da
Associação Brasileira de Antropologia divulgou uma nota em que vê ‘‘com grande
temor o perigo de uma Medida Provisória que esvazia as universidades públicas
de seus museus, ferindo o princípio da autonomia universitária’’. A Rede
Brasileira de Coleções e Museus Universitários considera as medidas provisórias
representam um ‘‘atentado à democracia brasileira e às instituições públicas’’.
Para a rede, ‘‘esta medida agride frontalmente a continuidade das políticas
públicas voltadas ao setor dos museus’’.
A Pública conversou com José Nascimento, presidente do Ibram
de 2009 a 2013 e ex-presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan) da área de museus. Para ele, a medida é ilegal, porque tomada
durante a campanha eleitoral, e os funcionários irão se articular para
derrubá-la no Congresso.
O que é o Instituto Brasileiro de Museus?
José Nascimento: O Ibram foi criado para ser um braço do
Ministério da Cultura, para gerenciar e fazer a administração da política
pública de museus. Em 2003, o governo do presidente Lula que nomeou o ministro
Gilberto Gil, e se deu conta que não existia uma política pública para a área
de museus. Então o ministério começou a estabelecer diretrizes para uma
política pública de museus. E foi se ampliando, com uma participação muito
grande do setor. É resultado de uma política, como existem em outros países
órgãos que gerenciam as políticas públicas de museus. O trabalho do Ibram é a
consolidação dessa política. São 3800 museus no país que precisam de um órgão
federal.
Como era seu trabalho lá?
O trabalho nosso foi no sentido de ampliar o máximo os
instrumentos de política pública na área da cultura e dos museus, plano
setorial de museus, plano de educação dos museus, ações nas áreas estratégicas
de segurança, como patrimônios museológicos em risco, concurso público para os
funcionários, dialogar com as universidades para abrir curso de museologia – a,
tinham dois e agora são 14 no país. Tem um conjunto de ações bem amplas,
inclusive internacionais, como a criação do Ibermuseus – programa que visa
integrar os países ibero-americanos para o fomento e a articulação de políticas
públicas para a área de museu – , uma recomendação da Unesco.
E qual a importância do Ibram hoje?
Ele vai fazer 10 anos, e claro que sempre precisa de mais
coisa, mais funcionários, mais museus, precisa de orçamento, valorização dos
técnicos, isso tudo. Sempre precisa crescer.
Qual a sua opinião sobre as medidas provisórias aprovadas?
Uma das questões é a possibilidade de privatização dos
museus vias as organizações sociais, as OS, a exemplo do que já tem em São
Paulo. Mas a OS também tem problemas. O museu da Língua Portuguesa pegou fogo,
o Memorial da América Latina pegou fogo, então não é uma questão de ser público
ou privado, é uma questão da gestão e de ter recursos que deem conta das
necessidades dessas instituições.
As medidas provisórias são um desastre, primeiro que elas
desmontam toda a política pública de museus e desmontam um órgão que cuida
disso. Se o argumento do ministro fosse correto – que o Ministério da
Cultura deve centralizar todas as políticas culturais – então tem que acabar
com todas as [organizações] vinculadas do ministério, como o Iphan (Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) , a Palmares (Fundação Cultural
Palmares), a Funarte (Fundação Nacional de Artes). Todas podem se extinguir
pelo argumento que o ministro tem utilizado.
E o argumento que o ministro disse ontem foi que o incêndio
do Museu Nacional ”foi uma janela de oportunidades” para fazer essas medidas. É
um ato falho.
Ele falou isso no Ibram ontem numa reunião com funcionários.
Isso não condiz com ser um ministro da cultura. É uma “janela de oportunidades”
para tomar as medidas que eles estão tomando, que é acabar com o Ibram,
diminuir a política, privatizar os museus. Porque no fundo a medida provisória
é isso.
E porquê agora?
Foi por isso, por uma janela de oportunidades e por uma
questão que eles queriam privatizar os museus. Agora é um absurdo eles fazerem
isso três meses antes de terminar um governo e em pleno período eleitoral onde
candidato que ganhar pode ser que não queira isso. O governo tá sendo
autoritário desse ponto de vista, não está respeitando o que será o resultado
eleitoral.
O que significa acabar com esse órgão?
Nós não temos mais política pública de museus. Não teremos
mais os técnicos dando assistência aos museus de todo país, eles vão ser
diluídos dentro do Ministério da Cultura, e não terá prioridade mais dentro do
ministério sobre a questão do Museu. Isso é gravíssimo num país que tem 3800
museus.
Quais são os caminhos?
Primeiro que o setor está muito mobilizado em derrubar essa
medida. A medida precisa ser votada no Congresso, então nesse sentido ainda tem
etapas para serem cumpridas. E ao não ser votada, também, ela cai. Então é uma
luta que nos próximos três meses. Todos nós vamos trabalhar e mobilizar muito.
Aproveitando o momento eleitoral, mobilizar aqueles aos candidatos a deputado,
candidato ao Senado, candidato a presidente, no sentido de tomar posição sobre
essas questões que são fundamentais. Tem várias irregularidades nas medidas
provisórias, várias inconstitucionalidades.
Quais são?
Uma é mexer com funcionário público em período eleitoral.
Isso é proibido eleitoralmente. Não pode transferir funcionários durante o
período eleitoral. Segundo é que tem vários itens que não levam em conta as
leis, os tombamentos pelo Iphan, uma série de questões, porque abre para
privatização dos acervos sem levar em conta os órgãos que são de preservação do
patrimônio. Não é só o Ibram, vários acervos que eles estão mexendo são acervos
federais, tombados pelo Iphan, então não poderia fazer uma coisa dessas, são
patrimônios públicos, mas de outra ordem. Tem uma série de ações que já foram
apontadas para o governo. Tem até projetos de lei no congresso de criação do
fundo de desenvolvimento dos museus. Medidas não faltam, mas esse governo não
tem sensibilidade para elas.
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