O Supremo Tribunal de Justiça do México descriminalizou terça-feira (07/09) o aborto em todo o país, sob o argumento de que impedir que uma mulher interrompesse a gravidez seria inconstitucional, já que violaria a proteção e o direito delas de decidirem sobre suas próprias vidas.
Embora a decisão histórica, que inclui uma referência inédita e progressiva ao direito de “gozar da sexualidade”, se refira ao Código Penal do estado de Coahuila, ela estabelece jurisprudência para que no resto do país sejam ajuizadas ações de inconstitucionalidade contra leis locais que criminalizam a interrupção voluntária da gravidez
Até agora, no México, o aborto só é legal na Cidade do México, Oaxaca, Hidalgo e Veracruz, mas nos 29 estados restantes as penas vão desde a imposição de multas até o encarceramento. Além disso, nos últimos anos, várias leis locais nas regiões mais conservadoras foram reformadas para reconhecer “o direito à vida desde a concepção”, o que limita ainda mais a luta pela legalização.
A Corte discutiu o caso de Coahuila por dois dias, mas, no debate de segunda-feira (06/09), já havia ficado clara a posição majoritária a favor do projeto apresentado pelo ministro Luis María Aguilar, que considerou inconstitucional a criminalização desta prática.
Para aprová-lo, eram necessários pelo menos oito dos 11 votos dos magistrados. O cenário era favorável para o movimento feminista desde ontem, já que oito ministros haviam se posicionado.
Um deles foi o presidente do Tribunal, Arturo Zaldívar, que alertou que o órgão máximo da Justiça do país deve ser a favor do respeito pela dignidade da vida das mulheres para que possam exercer os seus direitos de forma plena e sem violência.
“Condenar as mulheres à prisão, ao esconderijo, a pôr em risco a sua saúde e a sua vida, não só é profundamente injusto, mas também abertamente inconstitucional, projeta uma mensagem estigmatizante e discriminatória contra as mulheres que as reduz a um instrumento de reprodução”, disse.
Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro/Argentina
Panos verdes viraram símbolo do movimento a favor da descriminalização do aborto na Argentina; México foi na mesma direção
Argumentos
O projeto submetido a votação e elaborado pelo ministro Luis María Aguilar assegura que o direito de decidir é fruto de uma combinação de direitos e princípios associados à liberdade de autodeterminação e que a maternidade é um exercício voluntário que, se não for respeitado, cria um mecanismo de violência de gênero.
Por isso, acrescenta, o Estado deve se abster de “uma postura paternalista”, que proteja as mulheres em torno das decisões que correspondem a sua saúde reprodutiva.
Ele também vincula a livre escolha da mulher sobre seu corpo com o direito à igualdade de gênero, e considera que “toda discriminação baseada em papéis de gênero que limitam o gozo da sexualidade, além da procriação, deve ser eliminada”.
Em suma, Aguilar explicou que não se tratava do aborto, “mas do direito de decisão das mulheres e das pessoas com capacidade de gestação para decidir sobre seu corpo e sua vida, ser ou não mãe sem penalizá-la”.
A decisão do Tribunal obriga Coahuila a reformar seu Código Penal, que penaliza a prática do aborto com penas de um a três anos de prisão. E também permite que todas as mulheres criminalizadas por abortar no resto do país entrem com processos com base nesta decisão.
Em meio às expectativas que o debate sobre o aborto desencadeou, o presidente Andrés Manuel López Obrador reiterou que se limitará a respeitar o que a Corte decidir.
“As mulheres têm que resolver, as pessoas têm que resolver. Nesse caso, se o Poder Judiciário estiver atendendo [à demanda], vamos esperar a resolução [final]”, disse ele durante a conferência matinal desta terça-feira, antes da decisão.
Ele acrescentou que ele, como presidente, tem agido de forma prudente e respeitosa porque o assunto é “polêmico”.