Reunidas no Auditório Vladimir Herzog da sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, entidades brasileiras vinculadas ao jornalismo e aos direitos humanos lançaram nesta terça-feira (27/02) um manifesto para que o Estado de Israel pare de matar jornalistas palestinos e pelo cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza.
O documento ressalta o contraste entre a Segunda Guerra Mundial, quando 69 assassinatos de jornalistas foram registrados em quatro anos, e a atual investida de Israel contra a Palestina, com mais de cem jornalistas assassinados em apenas 144 dias.
O manifesto faz um desagravo contra a tentativa de censura a jornalistas que denunciam o genocídio em curso, citando os casos de Breno Altman, fundador de Opera Mundi, e de Andrew Fishman, editor do site Intercept Brasil.
Altman denunciou o genocídio planificado do regime colonial e racista de Israel, “para que através do medo e do terror os povos colonizados desistam de lutar ou simplesmente pereçam e sua causa deixe de existir”. Para atingir seus objetivos com garantia de impunidade, afirmou, o regime sionista precisa impedir a livre circulação da verdade: “Uma das razões da conferência que leva à solução final em 1941 era apagar pistas. Não podemos deixar que o resto do mundo saiba o que fizemos. E é por isso que o regime sionista mata deliberadamente jornalistas na Faixa de Gaza. Não são incidentes de percurso ou efeitos colaterais de uma guerra sanguinária. É um plano. A verdade não pode ser conhecida”.
Para além da violência militar explícita, disse, a perseguição judicial contra quem busca expor a verdade é método complementar de ocultação da verdade inconveniente ao Estado de Israel.
“Eu não conheço uma doutrina e um regime tão mentirosos como o sionismo. É o mais mentiroso regime que a história já conheceu”, afirmou Altman. “O sionismo é inteiramente uma mentira, incluindo a reivindicação do Holocausto. Boa parte dos grupos sionistas foi cúmplice do nazismo, fez acordos com o regime nazista. Seu objetivo não era combater o nazismo e impedir o Holocausto, mas usufruir da perseguição aos judeus para incrementar e implementar o projeto de colonização da Palestina e de construção do seu Estado de supremacia racial. Portanto, o regime sionista é que tem que lavar a boca quando fala do Holocausto.”
Estiveram representadas no ato entidades como Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), Frente em Defesa do Povo Palestino, Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, Comissão Justiça e Paz de São Paulo, Tortura Nunca Mais, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Fórum Nacional de Comunicação e Justiça (FNCJ), Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Movimento de Mulheres pela Paz na Palestina, Democracia Corintiana e Porcomunas, entre outras.
Ironicamente, nenhum veículo da mídia tradicional enviou jornalistas para cobrir o ato em defesa da categoria profissional. “Julian Assange corre o risco de morrer na prisão pelo crime de comunicar a verdade sobre as guerras dos Estados Unidos. Jornalistas no Brasil estão recebendo ameaças de morte por falar a verdade sobre os crimes de guerra em Gaza, e muitos dos maiores jornais do mundo não parecem estar incomodados com nada disso”, afirmou, por vídeo, o norte-americano Andrew Fishman, do Intercept Brasil.
Em discurso contundente, o presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil, Ualid Rabah, agradeceu à solidariedade (“todas as personas non gratas deste planeta sintam-se abraçadas pelo povo palestino”), constatou “a maior matança de comunicadores da história” e “o primeiro genocídio televisionado da história” e criticou a parcialidade explícita da cobertura da Rede Globo e de toda a mídia hegemônica.
“Matar jornalistas significa apagar da face da terra as testemunhas privilegiadas de um genocídio quando aqueles que o comentem finalmente sentam no banco dos réus para responder por genocídio”, denunciou. “A Globo está diretamente associada com esse crime de genocídio programado e incitado pelos veículos de comunicação já no dia 7 de outubro de 2023”, apontou, exigindo o julgamento também dos cúmplices alocados no jornalismo.
Filha de refugiados palestinos, a jornalista Soraya Misleh, coordenadora da Frente em Defesa do Povo Palestino, pediu que atos políticos se repitam em todos os sindicatos de jornalistas pelo país e defendeu a permanência dos brasileiros nas ruas contra o genocídio. “Não começou hoje. Não é uma guerra pontual ou circunstancial. Não é uma guerra Hamas-Israel. É um genocídio. É uma ditadura plena, se diz a única democracia do Oriente Médio e é um Estado de apartheid”, demarcou, reivindicando uma representação no Ministério Público contra a cobertura hegemônica no Brasil: “Que essa mídia sem-vergonha e vira-lata seja julgada também, porque é cúmplice e está com as mãos sujas de sangue palestino”.
Falando em nome da Fenaj, o jornalista Paulo Zocchi defendeu o direito e o dever jornalísticos de reportar fatos inquestionáveis, como o de que há 144 dias Israel bombardeia uma população civil indefesa, que nem sequer possui Exército: “Não há nenhuma outra palavra para definir isso que não seja genocídio”. E completou: “Os jornalistas aparecem como um alvo específico que o Exército de Israel persegue. Numa guerra, o jaleco e o capacete de jornalista deveriam ser um equipamento de segurança, mas em Gaza são alvo”.
Breno Altman conclamou à reverberação da fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Etiópia: “Setores progressistas infelizmente vacilam diante dessa afirmação, e é fundamental seguirmos adiante com a palavra do presidente Lula e fazermos o que tem que ser feito, que é comparar o governo Netanyahu e o regime sionista com o regime nazista. Não há nessa afirmação nada de antissemitismo. Lula disse em alto e bom som aquilo que todos os judeus antissionistas gostariam de ouvir: não em nosso nome”.
Altman finalizou sua fala solicitando a ampliação da mobilização de solidariedade à Palestina no Brasil, inclusive por motivações internas: “Vocês acham que foi à toa que tantas bandeiras israelenses salpicavam a manifestação bolsonarista do último domingo? O regime sionista é essencial na doutrina e na articulação da extrema direita. Não é possível combater o neofascismo se não combatermos o sionismo a ferro e fogo. O sionismo não pode se naturalizar entre nós como uma corrente que apenas tem opiniões erradas. É combate a céu aberto, porque o sionismo joga um papel fundamental na ameaça às conquistas do povo brasileiro”.
Pedro Alexandre Sanches
Evento prestou solidariedade ao jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman
Leia o manifesto dos jornalistas na íntegra:
Manifesto dos jornalistas brasileiros
Israel, pare de matar jornalistas palestinos. Cessar-fogo já. Basta de genocídio do povo palestino.
Ilmo. sr. presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva
Ilmo. sr. ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Paulo Roberto Pimenta
Ilmo. sr. ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira
Ilmo. sr. assessor-chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, Celso Luiz Nunes Amorim
Ilmo. sr. ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho
Ilmo. sr. ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski
Ilmo. sr. ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida
Nós, abaixo-assinados, estamos hoje reunidos no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, realizando ato contra o massacre de jornalistas na Faixa de Gaza. Nos encontramos no auditório que homenageia o jornalista judeu Vladimir Herzog, assassinado sob tortura pela ditadura militar, um crime bárbaro que até hoje continua impune.
Na data de hoje, 27 de fevereiro de 2024, o Estado de Israel bombardeia implacavelmente a Faixa de Gaza há 144 dias, matando até o momento cerca de 30 mil palestinas e palestinos, incluindo mais de 12 mil crianças. Há dez dias, o presidente Lula, em Adis Abeba, capital da Etiópia, disse a verdade que o mundo precisava ouvir: na Faixa de Gaza não está acontecendo uma guerra, mas um genocídio. Lula tem razão.
Vemos diariamente as Forças Armadas mais bem equipadas e treinadas do Oriente Médio atacando crianças e mulheres numa ação explícita de extermínio do povo palestino. Os jornalistas, no exercício da sua atividade profissional, têm sido alvos específicos da máquina de guerra. A atividade jornalística de simplesmente documentar e reportar fatos mostra-se intolerável para o Estado de Israel.
Segundo a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), nestes 144 dias de ataques contra Gaza, mais de cem jornalistas foram assassinados e assassinadas. No Estado de Israel, nos territórios palestinos ocupados, há dezenas de jornalistas na prisão, na maior parte dos casos sem qualquer acusação. É uma situação sem precedentes de ataque à atividade jornalística, atestada tanto pela FIJ como pelo Comitê de Proteção a Jornalistas e outras organizações de defesa da liberdade de imprensa.
Ao longo da Segunda Guerra Mundial, pelos dados disponíveis, foram mortos 69 jornalistas.
No Brasil, entidades vinculadas ao Estado de Israel tentam censurar vozes contra o genocídio em curso, como se vê nos ataques ao jornalista Breno Altman, diretor do site noticioso Opera Mundi. É caso também das ameaças à vida do jornalista Andrew Fishman, editor do site noticioso Intercept Brasil. Ambos merecem solidariedade, apoio e defesa das entidades democráticas e das que representam os jornalistas.
Nós, jornalistas e entidades de jornalistas brasileiros, nos manifestamos pelo cessar-fogo imediato na Palestina e pelo fim do bloqueio à Faixa de Gaza. Apoiamos a decisão do governo brasileiro de convocar o embaixador brasileiro em Tel Aviv, Frederico Meyer. Repudiamos os ataques do governo israelense ao Brasil e ao presidente Lula, cujas declarações foram não só corretas como imprescindíveis.
O Estado de Israel é estruturado por um complexo industrial-militar conectado aos interesses dos Estados Unidos e da União Europeia no Oriente Médio. O Estado brasileiro destina volumosos recursos financeiros para acordos militares de cooperação das Forças Armadas, modernização de equipamentos bélicos e aquisição de insumos de guerra e segurança pública, incluindo treinamento e capacitação da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e polícias estaduais.
Os métodos israelenses de repressão a protestos populares ensinados nas academias policiais no Brasil, bem como seus respectivos equipamentos, colaboram para que os jornalistas sejam alvo de violência policial quando realizam seu trabalho na cobertura de manifestações.
Conclamamos o governo brasileiro a aderir à campanha de boicote e desinvestimentos a ações de Israel e assim romper todos os acordos e convênios da indústria militar de Israel.
A situação exige que o Brasil rompa relações diplomáticas com o Estado de Israel até o cessar-fogo definitivo na Palestina. É necessário barrar o genocídio imediatamente.