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Memória

‘Estava na cadeira do dragão quando o torturador se masturbou e jogou esperma em mim’, relata ex-presa política da ditadura

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Amelinha Teles, militante comunista torturada no DOI-Codi de São Paulo, conta como mulheres sofriam violência sexual por agentes da repressão e afirma que estupro era política de Estado no regime militar brasileiro

Igor Truz
Dodô Calixto

São Paulo (Brasil)
2014-12-22T13:24:00.000Z

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Atualizada dia 31/12/2014, às 19h

“Eu passei por várias situações. Eu nem gosto muito de falar, porque...eu não sei porque. Eu não gosto muito de falar”. Militante comunista presa pelo regime militar em 1972 com 28 anos, Maria Amélia de Almeida Teles, conhecida como Amelinha, relata em entrevista exclusiva como sofreu violência sexual nas celas do DOI-Codi de São Paulo e garante que estupros eram mais uma das armas utilizadas pela ditadura para torturar as mulheres consideradas inimigas do Estado.

“Eu estava sentada em uma cadeira do dragão, nua, amarrada, levando choque no corpo inteiro, ânus, vagina. Enquanto isso, o Gaeta, que era um torturador, estava se masturbando e jogando esperma em cima de mim”, relata Amelinha. “A hora que eu caio no chão, ele me põe em uma cama de lona que tinha ali do lado e começa a esfregar meus seios, apertar minha bunda. Isso é uma violência. E assim foram várias vezes, com vários outros torturadores. Mas existem os casos de ter penetração vaginal que as mulheres contam. E são muitos casos, não um ou dois”, completa a militante.

Utilizada por agentes do DOI-Codi contra os presos políticos, a ‘cadeira do dragão’ era um tipo de cadeira elétrica, na qual o torturado tinha os pulsos amarrados por cintas de couro. Além de orelhas e língua, fios eram fixados em seus órgãos genitais. Mecanismos faziam com que os espasmos promovidos pelos choques gerassem outros ferimentos. Após sessões neste aparelho, era comum que os torturados ficassem extremamente debilitados.

Lourival Gaeta, delegado do DOPS de SP durante a ditadura (Foto: Portal Memórias da Ditadura)


De acordo com o depoimento de Amelinha, seu violentador foi Lourival Gaeta, delegado do Dops de São Paulo durante a ditadura militar e membro atuante na Oban (Operação Bandeirante). O ex-delegado também é apontado pela CNV (Comissão Nacional da Verdade) como um dos 377 responsáveis por violações aos direitos humanos perpetrados pelo Estado brasileiro. Entrou para a Polícia em 1960 e, em apenas cinco anos, foi recrutado para o gabinete do secretário de Segurança Pública. Em 1983, a pedido do Exército, Gaeta começou a trabalhar na Polícia Federal. Aposentou-se em 1992 e morreu em 1997.

Estupro: política de Estado na ditadura

Amelinha, no entanto, faz questão de ressaltar que violências sexuais e estupros não eram desvios de condutas de determinados agentes da repressão. A ex-presa política rebate inclusive recente depoimento publicado no livro Casa da Vovó, do jornalista Marcelo Godoy.

Em sua obra, Godoy reuniu confissões de ex-agentes do DOI-Codi, nas quais diversos métodos utilizados pela repressão são relatados em detalhes. Uma das fontes, tenente Chico (nome fictício), afirmou que o estupro era uma prática proibida nos corredores da Oban desde que o então coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra assumiu a chefia do órgão.


LEIA TAMBÉM: Ex-presa política lamenta postura de Dilma: ‘ninguém fez pacto político com torturador’


“Havia muito mito quanto ao que se fazia com o preso. Não tinha estupro. Punha-se a mulher nua, dava choque, mas estuprar jamais. Se o Ustra soubesse de algo semelhante, ele ferrava bem”, afirmou tenente Chico, segundo o livro.

Para Amelinha, o depoimento do ex-militar está equivocado. “Ele deve estar equivocado. O estupro era uma política de Estado. Era uma prática, não eram exceções. O estupro tem sido usado no mundo inteiro como uma arma de guerra. Aquilo foi uma guerra contra o povo e eles usaram o estupro também. Era uma forma de dominação: eu controlo suas ideias, eu controlo seu corpo”.

A ex-militante destaca também que muitos estupros eram cometidos contra mulheres que foram assassinadas. “Como elas iriam morrer mesmo, elas não iam contar essa história nunca, jamais iriam denunciá-los”, afirma.

Segundo o jornalista, "o estupro e as violências sexuais, pelos relatos de presas, foram largamente usadas durante o regime, e mesmo os agentes confirmam isso". "O relato do Chico é um apenas dos relatos, cuja importância não está no fato de ele negar o estupro, mas de mostrar que os militares procuravam impor ordem, disciplina e racionalidade às suas ações, mesmos as mais cruéis e perversas", explicou Godoy a Samuel. "Não é sobre estupro o relato dele, mas sobre organização do órgão, o caráter burocrático do mal."

13 de fevereiro de 1970, 15 horas

Amelinha Teles foi uma das idealizadoras do livro Infância Roubada, recém-publicado pela Comissão da Verdade de São Paulo. A obra traz 44 depoimentos nos quais crianças da época dos anos de chumbo, hoje adultos com 50 a 60 anos de idade, contam detalhes de sequestros, prisões e torturas sofridas por intermédio dos militares.

“As crianças são sequestradas ou sofrem essas intimidações e torturas porque elas são filhas de militantes”. Para Amelinha, as crianças eram usadas para atacar as mulheres opositoras ao regime. “Os torturadores usam as crianças, de modo geral, para atingir as mulheres. Eles usam a questão da maternidade contra as mulheres”.

 

Uma das histórias mais chocantes envolvendo os filhos dos militantes, no entanto, não está nas páginas de Infância Roubada. No dia 13 de fevereiro de 1970, a advogada Eugênia Zerbini, então com 16 anos, foi estuprada dentro do DOI-Codi quando foi fazer uma visita à sua mãe, que lá estava presa.

“Uma das meninas, hoje uma senhora de 60 anos, contou que ela foi até o DOI-Codi para deixar uma roupa para a mãe dela. Eugênia Zerbini, filha do general Zerbini, foi lá seguindo a orientação do pai, pedindo para falar com o oficial do dia. O soldado que a recebeu a entregou para o oficial do dia. O oficial caminhou por um corredor, entrou dentro de uma sala e fechou a porta quando ela entrou. Então ele a estuprou”, conta Amelinha.

Doutora em Direito Internacional, Eugenia Zerbini, filha de Therezinha Zerbini, fundadora do Movimento Feminino pela Anistia, e do general Euryale de Jesus Zerbini, cassado no início do regime militar após se opor ao golpe contra João Goulart, já foi uma das vice-presidentes do banco Citibank em Nova York. Durante 43 anos, manteve a história de seu estupro em segredo, até que, em setembro de 2013, a revelou em entrevista à revista Brasileiros.

“Por que não gritei? Gritar na Operação Bandeirantes? E o medo que ele me desse um murro e me arrebentasse os dentes? Eu fiquei paralisada. Tinha me preparado para ver sangue, ouvir gritos, mas isso eu nunca imaginei. Quando acabou, ele abriu a porta. De repente, vi que estava na porta para a rua. Eu nem olhei para trás. Nem queria saber como cheguei naquela porta. Queria ir embora, ficar longe daquilo”, disse Eugênia para a Brasileiros.

Eugênia também relatou seu caso na sessão da Comissão da Verdade de São Paulo, que reuniu os depoimentos do livro Infância Roubada. A advogada, no entanto, pediu para que sua história não fosse publicada.

Amelinha Teles afirma que a Comissão está ‘em dívida’ com Eugênia. “Ela veio até aqui e pediu quem nós identificássemos quem era o oficial do dia, e nós ainda não conseguimos fazer isso. Era o dia 13 de fevereiro de 1970, às 15 horas. Quem era esse homem?”, pergunta a ex-presa política.

História

Maria Amélia de Almeida Teles e seu marido, César Augusto Teles, foram presos no dia 28 de dezembro de 1972, quando então foram encaminhados ao DOI-Codi. No dia seguinte, seus filhos, Janaína e Edson, também foram presos e, por aproximadamente uma semana, eram encaminhados à Oban, onde chegaram a ver os pais nas salas de tortura. Ambos ficaram sequestrados por aproximadamente seis meses.

Amelinha hoje é diretora da União de Mulheres de São Paulo, coordenadora do ‘Projeto Promotoras Legais Populares’, e assessora da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”.

Publicado no dia 10 de dezembro de 2014, o relatório final da CNV (Comissão Nacional da Verdade) traz um capítulo exclusivo sobre casos de violência sexual e estupros cometidos por agentes do Estado durante a ditadura.

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Análise

Patentes na OMC é uma derrota para os países do Sul Global

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Pandemia de covid-19 reativou a debate sobre a quebra de patentes para medicamentos e vacinas. Apesar de sua união em torno do tema, países subdesenvolvidos sofreram uma derrota

Alessandra Monterastelli

Outras Palavras Outras Palavras

2022-07-06T22:35:00.000Z

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No dia 17 de junho, saiu fumaça branca das chaminés da Organização Mundial do Comércio (OMC). A entidade, responsável pela regulação de patentes internacionais, anunciou que chegara a uma conclusão sobre as vacinas contra o coronavírus. Tratava-se do pedido de isenção do acordo TRIPS – sigla em inglês para Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Firmado na virada do século, tal compromisso obriga os países-membros da OMC a adotar padrões mais rigorosos de proteção patentária. Consequentemente, encarece o acesso às inovações tecnológicas, inclusive no setor farmacêutico. Mas a decisão final foi amplamente criticada por ativistas da saúde e movimentos populares em todo o mundo, já que a OMC rejeitou a isenção total do TRIPS. 

Em 2020, diante da disseminação do novo coronavírus, África do Sul e Índia protocolaram a proposta de isenção do Acordo, que obteve amplo apoio dos países em desenvolvimento e de baixa renda – com exceção do Brasil. A nova decisão foi saudada pelo Secretariado da OMC e por representantes de países ricos como um resultado sem precedentes, mas ativistas condenam que, na prática, a decisão não atende as necessidades mínimas da maior fatia do mundo. “Houve um esvaziamento da proposta pelos países mais ricos. O texto perdeu totalmente sua força, não trouxe nada novo”, explica Felipe Carvalho, Coordenador Regional da Campanha de Acesso do Médicos Sem Fronteiras ao Outra Saúde.

A conclusão do órgão concedeu uma exceção temporária à restrição das quantidades de vacinas que podem ser exportadas sob licença compulsória; diagnósticos e tratamentos não estão incluídos e devem obedecer ao limite de exportação durante o tempo de licença compulsória – decretada durante emergências sanitárias, como é o caso da pandemia. Além disso, a concessão vale apenas para responder à covid-19 e não tem validade diante de outras crises de saúde. O acordo final não inclui o compartilhamento de segredos comerciais e know-how de fabricação, o que prejudicará a produção de vacinas com tecnologia avançada por países de baixa renda – como é o caso dos imunizantes de RNA.

Carvalho conta que o problema é abordado com frequência em reuniões escpecais da OMS e da ONU.  “Existe um consenso entre especialistas e órgãos multilaterais de que as patentes causam constantes crises de acesso e inovação na saúde”. Em maio, o The Guardian divulgou que a Pfizer lucrou 25,7 bilhões de dólares só no início de 2022 – mais da metade do valor está relacionado à venda de vacinas contra a covid-19. Tim Bierley, ativista do Global Justice Now, denunciou ao jornal britânico que apesar do apelo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outras organizações, a farmacêutica seguia se recusando a compartilhar a tecnologia de produção do imunizante. O diretor da OMS, Tedros Adhanon, afirmou em 2021 que a pandemia estava sendo prolongada por uma “escandalosa desigualdade” diante do acúmulo de doses de imunizantes por países ricos enquanto países pobres não conseguiam avançar em sua meta de vacinação em massa. 

“Desde a criação do acordo TRIPs nós temos um cenário de constantes crises de acesso a medicamentos essenciais”, conta Felipe. Ele relembra o caso emblemático da epidemia de HIV/AIDS, na década de 1990. “Em 1996 surgiu a primeira terapia para a doença. As pessoas pararam de morrer e passaram a conviver com o vírus. Mas essa terapia não chegou nos países onde o cenário era mais grave”, explica. O ano de 1996 foi também quando o acordo TRIPS entrou em vigor, após sua criação em 1994 e preparação em 1995. “A partir daí se criou uma coalizão na sociedade civil, da qual fazemos parte, chamada Movimento de Luta pelo Acesso a Medicamentos. A pergunta era: por que os preços eram tão altos e o tratamento se tornava inacessível para milhões de pessoas? Nos aprofundamos no sistema de patentes e entendemos que o monopólio era a causa”, relembra.

Apesar do TRIPS possuir cláusulas que permitem flexibilizações, elas são de difícil utilização devido a dois fatores principais: sua não-incorporação completa em leis de países-membros e a pressão que as farmacêuticas exercem sobre as decisões da OMC. Na década de 1990, diante da grave situação vivida na África do Sul – país com maior número de mortes pela AIDS na época – o governo então liderado por Nelson Mandela aprovou uma das medidas previstas no TRIPS para importar genéricos. Na ocasião, Mandela sofreu o processo de 39 farmacêuticas que se opuseram à decisão tomada para conter a crise de saúde pública. Apesar da derrota das corporações na justiça, “esse é um exemplo de como essas empresas e seus países-sede tentam barrar as normas legítimas existentes no TRIPS”, exemplifica Carvalho.

A OMC é uma instituição formada por 164 membros e opera com base na tomada de decisões por consenso. “A OMC falhou em fornecer uma isenção. O acordo coloca os lucros à frente das vidas e mostra que o atual regime de propriedade intelectual falha em proteger a saúde e promover a transferência de tecnologia. Essa não-renúncia estabelece um mau precedente para futuras pandemias e continuará a colocar vidas em risco” declarou Lauren Paremoer, médica e integrante do Peoples’ Health Movement na África do Sul. 

A Health Action International, referência no trabalho para expandir o acesso a medicamentos essenciais, argumentou em nota que a decisão da OMC impõe obstáculos ao licenciamento compulsório, uma das poucas flexibilidades existentes no TRIPS, em troca de uma abertura tímida para a facilitação da exportação de vacinas. Outras entidades representantes da sociedade civil já denunciaram a atuação dos países ricos e vêm aumentando a pressão sobre os governos. O objetivo, segundo seus porta-vozes, é que sejam tomadas medidas concretas para desafiar as regras de monopólio farmacêutico da OMC e garantir mais acesso a medicamentos e tecnologias. 

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