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O raciocínio israelense foi simples. Com a criação do Sudão do Sul, a comunidade de sudaneses dessa região, anteriormente controlada pelo governo do Sudão, e que imigraram para Israel fugindo da violência – especialmente em Darfur –, estaria automaticamente pronta para voltar. Com isso, Israel repatriou essa semana mais de 100 sul-sudaneses em situação irregular, ação autorizada na semana passada por um tribunal. As críticas de organizações de direitos humanos e de imigrantes não demoraram a chegar.
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Efe
Sul-sudaneses são retidos em escritório de imigração em Holon, perto de Tel Aviv, Israel. Próximo passo é a deportação
A “operação volta para casa”, como foi chamada a apreensão dos imigrantes, antes considerados refugiados, teria sido realizada com violência policial e irregularidades. Mais de 200 estrangeiros foram presos, sendo 115 clandestinos. Sul-sudaneses abrigados na organização para refugiados ASSAF, no sul de Tel Aviv, se queixaram que, apesar de as autoridades terem prometido uma semana de prazo para a partida, a polícia de imigração os surpreendeu antes.
De acordo com Orit Ruvin, coordenadora da ASSAF, muitas prisões foram feitas no meio da madrugada, como se os sul-sudaneses fossem criminosos. “Eles chegam às 05h, forçam a porta e dão sustos nos refugiados”, contou Orit ao Opera Mundi. “Eles então são obrigados a empacotar tudo em malas, a sacar em caixas 24 horas todo o dinheiro em contas israelenses, antes de embarcar”, disse.
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Enquanto Orit falava, uma sul-sudanesa não continha as lágrimas enquanto os voluntários da ASSAF a ajudavam a preencher os papeis da imigração. “Victoria está em Israel há vários anos,” comenta outra voluntária do centro. “E apesar de ter emprego, não receberá indenização do trabalho, pois o processo leva tempo e ela não estará mais aqui”, explica.
Para Orit, a pressa do governo é uma estratégia puramente política e que agrada parte da opinião pública, que vê com maus olhos a imigração de determinadas nacionalidades. Há várias semanas uma manifestação xenófoba resultou em uma batalha campal em um bairro de Tel Aviv com numerosa comunidade africana. Israelenses dizem que o alto índice de criminalidade no local se deve aos estrangeiros. “É como dizer ‘vejam como nos preocupamos com vocês. Estamos expulsando essas pessoas’”, comenta Orit.
A pressão também vem de cima. No último dia 31 de maio, o ministro do Interior de Israel, Eli Yishiai, deu declarações assustadoras. Em entrevista ao jornal Maariv, afirmou que a forma de resolver o problema da imigração é criar “mais prisões e campos de detenção para imigrantes e preparar mais bases militares onde eles possam ficar presos”. Segundo Yishai, o sul de Tel Aviv (onde muitos imigrantes se concentram) virou “a lata de lixo do país” e Israel já tem problemas suficientes de saúde e bem-estar social para “importar mais problemas da África”.
“Animais”
“Eu não tenho medo, não me escondo. Que venham atrás de mim”, disse o sul-sudanês John, que não quis divulgar o sobrenome. “O que me abala não é que sejamos expulsos, mas a forma como isso está sendo feito. Eu tenho um negócio, em Tel Aviv, e me deram somente seis dias para encerrar tudo. Como irei vender minha loja? Se me dessem mais tempo, iríamos em melhores condições, mas agora precisarei partir praticamente com a roupa do corpo, que foi como cheguei a Israel. Estão nos tratando como animais”, desabafou John.
Outros, como A. S., que também preferiu preservar a identidade, asseguram que voltarão ao Sudão do Sul voluntariamente com a indenização prometida por Israel, mas lamentam o prazo para a partida. “Estou aqui há quatro anos, fiz amizades, tinha trabalho. Querem que eu encerre a minha vida em questão de dias. Apesar de dizerem que o Sudão do Sul está estável, ainda há muita miséria. Parte da minha família que ficou por lá disse que não há emprego, infraestrutura. Partimos com um sabor amargo na boca e muita pena de Israel”, comentou a jovem, enquanto conversava com amigos em Neve Sha'anan, uma das ruas com mais africanos em Tel Aviv.
Porém, mesmo com as prisões e futuras deportações em massa, muitos israelenses apoiam a expulsão de mais de 30 mil africanos que vivem no sul de Tel Aviv. “Fora todos! Voltem! O que fazem além de roubar e assediar as mulheres? Desde que chegaram essa parte da cidade parece um lixão a céu aberto. Olhe ao redor e me diga se não dá nojo”, gritou um morador para a reportagem do Opera Mundi, enquanto vendia refrescos na Neve Sha'anan. No país formado a partir de ondas de imigração de todas as partes do planeta, e que incentiva o “retorno” dos judeus, alguns estrangeiros têm mais direitos do que outros.