Após uma série de ameaças do governo saudita, ativistas cancelaram o dia de protestos pelo direito de mulheres dirigirem no país, marcado para este sábado (26/10), informou a agência internacional AFP.
Carlos Latuff
Carlos Latuff: cartunista do Opera Mundi retratou em 2011 o nascimento do movimento #women2drive
“Por cautela e em respeito aos alertas do Ministério do Interior, nós estamos pedindo às mulheres não dirigirem amanhã”, disse uma das organizadoras da campanha, Najla al Hariri, nesta sexta (25/10). O movimento havia chamado mulheres com licenças emitidas em outros países para assumirem o volante e saírem às ruas sauditas neste sábado (26/10).
As ativistas não desistiram, no entanto, por completo da iniciativa: em vez de um dia inteiro de manifestações, propuseram protestos diários e sem data marcada – provavelmente para driblar a repressão.
Ao longo dos últimos dias, as autoridades sauditas fizeram de tudo para impedir o protesto, que rodou os noticiários de todo o mundo e as redes sociais, conquistando o apoio de milhares de internautas e diversas organizações de direitos humanos. Até mesmo as leis de crime cibernético contra dissidência política foram evocadas pelo governo árabe, que subiu o tom nesta sexta (25/10).
O Ministério do Interior do país iniciou as ameaças nesta quarta (23/10), depois de diversos clérigos sauditas reclamarem sobre a falta de atitude do governo em relação ao protesto. O governo afirmou que iria reprimir qualquer um envolvido em tentativas de “deturpar a ordem e a paz pública sob o pretexto de um suposto dia de condução feminina”.
O porta-voz do órgão, o general Turki al Faisal, confirmou o comunicado no dia seguinte em declaração a agências internacionais: “é conhecido que mulheres na Arábia Saudita estão banidas de dirigir e leis serão aplicadas às violadoras e àqueles que demonstrarem apoio a sua causa”. O oficial também enfatizou que “todas as reuniões estão proibidas” na data.
Frente à “insistência” das ativistas em manter o chamado para o dia de manifestação, al Faisal estendeu as ameaças de repressão aos internautas sauditas que apoiarem a campanha. Evocando a lei cibernética contra dissidentes políticos, o porta-voz afirmou nesta sexta (25/10), em entrevista ao jornal local Al Hayat, que o apoio online à luta poderá ser motivo para processo criminal e prisão.
Assista abaixo o vídeo de Aziza, uma das militantes que decidiram dirigir pelas ruas da Arábia Saudita em protesto contra a proibição de mulheres ao volante:
O Ministério também realizou ligações aos telefones pessoais das ativistas, lhes alertando dos riscos em ir adiante com seus planos de protesto.
Nesta sexta (25/10), o site oficial da campanha foi hackeado e, em substituição às páginas originais, apareceram mensagens ameaçadoras e imagens das ativistas à frente da campanha.
#women2drive: fruto da Primavera Árabe
O movimento #women2drive teve início em meio aos levantes populares da Primavera Árabe e tem como objetivo levantar o veto a mulheres dirigirem na Arábia Saudita. Faz parte das atividades do movimento a divulgação de fotos e vídeos de mulheres no volante em redes sociais, como também uma petição online contra o veto.
Ao redor do mundo, o grupo conta com o apoio de mais de 20 mil pessoas, que também compartilham imagens de mulheres ao volante.
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Segundo a organização Anistia Internacional, que apoia a campanha, diversas militantes já foram presas e obrigadas a assinar compromissos de que não iriam dirigir nunca mais. Algumas chegaram a ser denunciadas judicialmente.
Isso não impediu que as motoristas continuassem a desafiar as regras sauditas. No final de 2011, o grupo entrou com pedido judicial contra a decisão da Direção Geral de Trânsito de não providenciar uma carteira de motorista à líder Manal al Sharif.
A proibição, que completa 22 anos em 2012, foi uma iniciativa do Ministério do Interior saudita em reação a um protesto de dezenas de mulheres que dirigiam em comboio na capital Riade em 1990. Desde então, os órgãos que controlam o trânsito não providenciam as licenças necessárias para as mulheres.
Veto é apenas ponta do iceberg
Apesar disso, não existe nenhuma lei no país que impeça as mulheres de dirigirem. A partir desta brecha legal, a campanha Women2Drive pede a mulheres que possuem habilitações internacionais que tomem as ruas do país com seus carros.
“Se eles perderem o poder de controlar as mulheres, eles perdem o poder de controlar toda a sociedade. Nós acreditamos que estes pequenos temas são utilizados para as pessoas não discutirem a principal questão, que é o sistema de tutela masculina sob as mulheres”, explicou Sharif. “Tudo isso é apenas a ponta do iceberg”.
A campanha Women2Drive faz parte da iniciativa Right2Dignity que luta pelos direitos das mulheres e pela igualdade de gênero na Arábia Saudita.