Às vésperas de outra investidura fracassada, Pedro Sánchez se viu obrigado a sair do Congresso mais uma vez derrotado pelo desentendimento com Pablo Iglesias. A poucas horas da votação definitiva que colocará em marcha o relógio da repetição eleitoral no dia 10 de novembro se Sánchez não conseguir articular uma maioria nos próximos dois meses, as negociações que começaram no último sábado (20/07) foram rompidas nesta quarta-feira (24/07), dias antes do início do processo de investidura e quase três meses depois das eleições de 28 de abril.
O PSOE havia apresentado uma proposta pouco antes, quando as duas partes, Carmen Calvo e Pablo Echenique, se levantaram da mesa. Essa abordagem que Sánchez planejou com sua equipe após o fracasso na primeira votação da investidura incluía uma vice-presidência, a dos Assuntos Sociais, que seria ocupado por Irene Montero, e os Ministérios da Habitação e Economia Social, Igualdade e Saúde e Consumo, assim como confirmado pelo jornal El Diário.
Os socialistas anunciavam que esta era a última oferta e pressionavam o Unidas Podemos a dar uma resposta. Cinco horas depois, os representantes de Pablo Iglesias respondiam o ultimato do PSOE: “Pedro Sánchez chamou Iglesias para dizer que não irá ceder as competências dos Ministérios de Transição Ecológica, Igualdade, Trabalho e Fazenda”.
As negociações estavam empatadas. O PSOE distribuiu então, às 8h30 da noite, o documento do Unidas Podemos, “uma proposta para debater e negociar, uma lista de competências sociais que o Unidas Podemos queria que formassem parte de sua ação dentro do Governo”.
O documento consiste em duas páginas detalhadas com competências de diferentes áreas que se agrupariam nesses cinco ministérios relacionados com uma vice-presidência de direitos sociais e do meio ambiente. Incluía uma vice-presidência social da qual dependiam cinco ministérios: Direitos Sociais, Trabalho Autônomo e Previdência Social; Igualdade; Transição Energética, Meio Ambiente e direitos dos animais; Justiça Fiscal e Luta contra corrupção; Ciência e Tecnologia, Universidades e Economia Digital.
Fontes do grupo de deputados confederal garantiram que, no entanto, o documento era apenas um ponto de partida para a negociação, “uma proposta inicial que enviamos para poder debater”. Entretanto, o Executivo destacou que os representantes de Iglesias não cederam “nenhum milimetro” desde a primeira proposta. “Pedimos que nos mandassem mais opções e se negaram”, garantem as fontes.
“Eles nos deixaram trabalhando nas delegacias de polícia, enquanto as tropas permanecem aquarteladas, nomeamos os embaixadores”, ironizam fontes governamentais sobre as aspirações do Unidas Podemos. Segundo o governo, a proposta do Unidas Podemos gastava “todos os rendimentos e mais da metade do gasto público que depende da política”.
Esse foi o texto que chegou ao PSOE no fim de semana e, a partir daí, o esforço se concentrava principalmente nesse temas. Para o Unidas Podemos, as competências em emprego eram chaves, algo que o PSOE nunca chegou a oferecer. “Não podem ter o [Ministério do] Trabalho, são perturbadores para a CEOE”, dizem fontes do Unidas Podemos sobre os que aconselharam os socialistas.
Segundo fontes do partido socialista, o que realmente foi oferecido pelo PSOE foi a vice-presidência de Assuntos Sociais, e os Ministérios da Habitação e Economia Social; Igualdade e Saúde e Consumo, mas sem as competências que pediam os representantes de Iglesias e que detalhavam em seu documento. “O PSOE oferece a caixa de ferramentas, mas vazia”, disseram fontes do Unidas Podemos.
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Premiê eleito negociava com legenda de esquerda para conseguir formar governo
“Unidas Podemos não quer entrar no governo a qualquer custo, queremos competências para desenvolver políticas sociais de Igualdade, Trabalho, Fazenda e Transição Ecológica: aumentar o salário mínimo, baixar a conta de luz e estender a educação pública a crianças de 0 a 3 anos e as licenças maternidades e paternidades iguais e intransferíveis”, disseram o grupo confederal.
“Não queriam nada a não ser um governo duplo, que deixava o PSOE sem espaço”, dizem, por sua vez, fontes governamentais, que destacam que a abordagem do Unidas Podemos supunha que o partido ficasse com todos os rendimentos e a metade dos gastos públicos. “Nunca alteraram sua abordagem inicial, nunca, nada”, garantem as mesmas fontes sobre a proposta enviada pelo Unidas Podemos.
Em Moncloa, os socialistas acreditam que a razão de ocorrer esta “negociação de extremos” é que, uma vez que Iglesias renunciou estar no Conselho de Ministros, ele queria “reinventar o acordo”. No entanto, os representantes de Iglesias acreditam que Sánchez nunca quis uma coalizão, mas sim novas eleições.
Essas negociações, que se encaminham de novo para uma investidura fracassada, começaram no sábado depois da renúncia de Iglesias ao Conselho de Ministros, como Sánchez lhe havia prometido publicamente. O primeiro encontro aconteceu em um hotel em Madri no sábado e, segundo fontes socialistas, o Unidas Podemos exigiu a entrega de uma vice-presidência a Irene Montero como primeiro passo para iniciar as conversas. A espera para começar o diálogo foi de uma hora e meia, segundo as fontes. No domingo, a primeira oferta concreta do PSOE chegou e foi rechaçada à meia note, doze horas antes de começar o debate no Parlamento.
Nesta segunda-feira, a tensão entre Sánchez e Iglesias chegou a níveis máximos, mas o fracasso na votação, na qual o candidato socialista apenas conseguiu angariar um deputado do Partido Regionalista da Cantabria aos seus 123 assentos, fez com que o PSOE apresentasse uma nova oferta que se rompeu nesta quarta-feira.
O bloqueio total das negociações entre PSOE e Unidas Podemos está a ponto de ativar o relógio da repetição eleitoral. Sánchez se encaminha, se não houver uma mudança total nas negociações, a uma nova investidura fracassada. Depois disso, o premiê eleito ainda tem dois meses para tentar novamente. Se não tiver sucesso, ocorrerão eleições no dia 10 de novembro.