Os discursos de vitória no bunker da coalizão peronista União pela Pátria, nesta eleição argentina, exaltaram, sobretudo, a vitória da democracia e superação dos discursos de ódio, em um pleito marcado pela disputa contra a ascensão da extrema-direita.
“A democracia sai mais robusta, e isso tem que nos encher de orgulho”, comemorou o candidato pelo peronismo Sergio Massa, mais votado na eleição presidencial da Argentina, neste domingo (22/10), com 36,6% dos votos.
Sozinho em um palco ilustrado com o lema de campanha “temos com quem, temos com o quê” no telão de fundo, Sergio Massa escutou os cânticos da militância com os olhos embargados. “Agradeço aos mais de 25 milhões de argentinos, votem por quem votem, porque há 40 anos da nossa era democrática, os argentinos manifestam e abraçam esse sistema”, iniciou Massa seu discurso que durou cerca de meia hora.
O candidato, atual ministro da Economia do país, atribuiu ao trabalho da militância o crescimento de quase 15 pontos desde a eleição primária – de 21,4% naquele 13 de agosto para 36,6% nesta jornada, dois meses depois.
Com um semblante de seriedade, ele decidiu apropriar-se do contundente resultado em sua enunciação. “A partir de 10 de dezembro (dia em que tomará posse o presidente que for eleito nestas eleições), vamos começar uma nova etapa para a história política argentina. Muitos desses que votaram em nós são os que mais estão sofrendo. Saibam que como presidente, a partir do dia 10 de dezembro, não falharei com vocês”, enfatizou. Da plateia, no bunker instalado no bairro portenho de Chacarita, ecoava o tradicional cântico peronista adaptado ao candidato: “se siente, se siente, Massa presidente!”.
Enquanto Javier Milei apontou, em um discurso breve, dirigido ao eleitorado da coalizão Juntos pela Mudança (setor conservador que ficou em terceiro lugar), Sergio Massa, mencionou os que decidiram votar em branco, os que ficaram em casa por “desesperança e raiva”, mas também falou aos eleitores de Myriam Bregman – da força Frente de Esquerda e Trabalhadores (FIT), que ficou em quinto lugar – e ao candidato de direita Juan Schiaretti – quarto colocado.
Aos votantes de Patricia Bullrich (Juntos pela Mudança) e de Milei, alegou: “farei o maior dos esforços nos próximos 30 dias para ganhar sua confiança”.
O presidenciável mais votado na Argentina apresentou sua leitura sobre o cenário eleitoral, que parece ter rompido o equilíbrio de terços que se apresentou na eleição primária. “Temos que pôr um ponto final nessa ideia de destruição do outro. Se algo ficou claro nesta eleição é que a polarização morreu”, disse.
“Queremos convocar um governo de unidade nacional, convocando os melhores, sem importar sua força política, para construir uma indústria forte contra os que defendem a abertura indiscriminada das exportações”, disse.
Ele também respondeu às propostas de Milei: “quero convocar aos que querem mais educação pública e inclusiva, contra os que defendem um sistema de vouchers. Quero convocar para a construção de um regime trabalhista moderno, que abrace a tecnologia, a capacitação, sem renunciar a direitos conquistados pelos trabalhadores. Quero convocar uma Argentina que defenda seus recursos naturais com valor agregado, e que não entregue seus recursos primarizados”.
Massa contou ter recebido ligações de diversos presidentes, que estavam acompanhando a eleição argentina. “Sabem que acreditamos numa Argentina integrada, no multilateralismo, que somos garantidores da estabilidade e segurança em relação com o mundo e de seriedade na hora de estabelecer relações”, contou o candidato.
“Transmiti minha convicção de que esse país ao que já muitos anos chegaram meus pais, escapando da guerra, é o país que vamos construir a partir de 10 de dezembro no meu governo”.
União pela Pátria
Sergio Massa discursou horas depois do anúncio dos resultados, que o mostraram como o candidato mais votado no primeiro turno da Argentina
Em dado momento de seu discurso, sua esposa e filhos subiram ao palco e acompanharam o restante de sua intervenção como candidato presidencial mais votado.
“Entendo que a Argentina é uma grande família, e o que precisa é alguém que trabalhe 24 por 7”, disse. “Quero que cada argentino vá dormir com a tranquilidade de que, com essa paixão pela pátria, vou cuidar desde o dia 10 de dezembro a cada argentino”.
No palco ao lado de fora do bunker, e acompanhado dos outros dirigentes e candidatos da União pela Pátria, Massa enfatizou a proposta de governo federal e de unidade, incluindo outras forças políticas, e lemas nacionalistas: no palco externo, enfatizou que as Ilhas Malvinas são argentinas.
“Em resposta aos que defendem o ‘salve-se quem puder’, vamos construir um Estado protetor e presente. Acreditamos no Estado cuidando e curando aos nossos doentes, protegendo nossos aposentados, abraçando as pessoas com deficiência, fazendo-se presente. Se o Estado não chega, ninguém chega”, concluiu Massa.
Axel Kicillof reeleito: ‘vencemos o rancor e a violência’
Em meio a cânticos da militância e em clima de festa, o governador reeleito pela Província de Buenos Aires, Axel Kicillof, foi o primeiro a discursar no bunker da coalizão peronista União pela Pátria. Ele foi reeleito com 44,9% dos votos, uma vitória com folga em relação ao segundo candidato, Néstor Grindetti (Juntos pela Mudança), com 26,4%, no colégio eleitoral mais populoso da Argentina.
Kicillof iniciou sua intervenção lembrando que, neste ano, a Argentina cumpre 40 anos de democracia. “Esta democracia se baseia na memória de uma noite genocida, e este voto significa: ditadura nunca mais”, disse, seguido de fortes aplausos e sorrisos na plateia.
Em seu discurso, o governador reeleito agradeceu aos eleitores, aos trabalhadores do governo provincial, aos sindicalistas e à militância. Dedicou uma menção especial a Cristina Kirchner, momento em que foi interrompido por aplausos e cânticos em homenagem à vice-presidente – que, ademais, foi presidente da Argentina entre 2007 e 2015.
“Neste tempo, Cristina atravessou um atentado contra sua vida, atravessou a proscrição e, no entanto, segue liderando e nunca convocou ao rancor nem à revanche”, destacou, fazendo um contraste com a campanha dos espaços opositores que descreveu como “setores que usam o ódio e violência” como motor eleitoral.
Dizendo estar emocionado com o resultado da eleição, Kicillof destacou que “os moradores da Província sabem que há problemas, mas que se resolvem com mais Estado, não com menos Estado; não com egoísmo, mas pensando nos outros; se resolvem estendo a mão a quem precisa”, disse. “Somos um povo solidário ,sempre fomos e a província de Buenos Aires segue crescendo com mais Estado”.
Em resposta ao lema de campanha da coalizão de extrema-direita A Liberdade Avança, que enfatiza a liberdade, Kicillof alegou que “a liberdade só pode ser alcançada quando há igualdade de oportunidades”.
“A vida não é um mercado, e a pátria não se vende. Temos uma Província que é o coração produtivo da República Argentina, de produção e trabalho, onde não sobra, mas falta saúde pública, educação pública, avançar em segurança”, disse, sendo aplaudido ao enfatizar a palavra “públicas”.
“Que a mensagem das urnas seja mais válida do que as exigências do Fundo Monetário Internacional (FMI). Por isso, precisamos que o próximo presidente da Argentina seja Sergio Massa”, concluiu.