O papa Bento XVI, em visita à Terra Santa, defendeu a criação de um Estado palestino e suplicou a judeus e palestinos para que busquem uma solução justa. Mas essa manifestação terá um efeito meramente simbólico, sem qualquer influência sobre o processo de paz na região, segundo especialistas e uma fonte do governo israelense ouvidos pelo Opera Mundi.
“É a política tradicional do Vaticano, da Europa e dos Estados Unidos, não há nada de novo neste pedido, nem há necessidade de acreditar que isto mudará alguma coisa na política de Israel”, disse o porta-voz do Ministro das Relações Exteriores, Yigel Yadin.
Papa chega para missa no Monte dos Olivos, em Jerusalém – EFE/Atef Safadi
Yvonne Friedman, historiadora da Universidade de Bar-Ilan, no subúrbio de Tel Aviv, e especialista na relação histórica entre cristãos e judeus, acredita que o discurso do pontífice teve certa importância política, mas concorda que em nada alterará o comportamento de Israel. “O papa não é só o chefe da Igreja Católica, mas também o chefe do Estado do Vaticano. [A criação de um Estado palestino] é um pedido natural, mas eu não acho que isso irá afetar nada na política israelense”.
Para o representante da União Nacional das Entidades Islâmicas, com sede em São Paulo, Alli Ahmad Majdoub, a negativa de Israel desrespeita os católicos ao redor do mundo e a continuação das atuais políticas será cada vez pior para os civis palestinos. “O Estado Palestino deixou de existir com a instalação do Estado sionista de Israel, que por sua vez, no decorrer de 61 anos, vem ocupando o território palestino com assentamentos e reprimindo e obrigando civis a deixarem suas casas”.
O presidente do Conselho de Ética da União Islâmica, Jihad Hammadi, acredita que a atitude do papa deveria ser seguida por todos os líderes mundiais, para que os palestinos possam voltar a ter seus direitos garantidos. No entanto, a reação de Israel não o surpreendeu. “Nós sabemos, pelas condutas do governo sionista, que eles não se preocupam nem com a ONU, nem com o papa. Basta ver a quantidade de mortos nos últimos bombardeios a Gaza, no começo do ano. Israel já deveria ter sido denunciado em uma corte internacional para que os direitos dos palestinos sejam devolvidos”.
Homem cola pôster com a imagem do papa Bento 16 em extensão do “muro da vergonha”, que separa Israel dos territórios palestinos, em Belém – EFE/Abed Al Hashlamoun
Descontentamento
Bento 16 foi criticado pela imprensa judaica por não ter usado palavras como “perdão” ou “remorso” em seu discurso sobre o Holocausto, ontem (11). O diário Haaretz disse que o papa “não lembrou a responsabilidade dos nazistas”, o que considera importante, levando em conta a origem alemã do papa e seu passado na Juventude Hitlerista e na Wermacht, as forças armadas do Terceiro Reich.
O jornal Yedioth Ahronoth, de maior tiragem em Israel, comentou que Bento XVI “perdeu uma oportunidade ao não pedir perdão ao povo judeu”. Já o Maariv comentou que “o menino da Juventude Hitlerista e o soldado da Wermacht não lembrou os nazistas nem lamentou (o Holocausto)”.
De acordo com Yigel Yadin, há um debate em Israel sobre o que pensar do discurso do papa. “Algumas pessoas fizeram muitas críticas, outras não se importaram, acharam que o tom do discurso estava bom. Não foi um incidente diplomático. Todo discurso do papa gera essas interpretações diferentes”.
Para Yvonne Friedman, aquilo que Bento 16 deixou de dizer é mais importante. “Ele não fala por acaso, ele escolhe suas palavras com muito cuidado. Quando ele deixa de mencionar o número de judeus assassinados, quando ele não usa a palavra assassinato, quando ele não culpa os nazistas alemães, isto não é suficiente, especialmente se compararmos com o discurso de João Paulo II em 2000”.
João Paulo II foi o primeiro papa a reconhecer o Estado de Israel, o primeiro a reconhecer o direito judaico à soberania desde a vinda de Jesus e o primeiro a dizer que os judeus não devem ser culpados pela crucificação, segundo Friedman. “Bento XVI também é contra o antissemitismo, ele segue essa vertente mesmo sendo mais conservador, mas o fato de ele ser alemão torna isso mais difícil para o lado judeu e para ele”.
Yadin reconhece que as palavras de João Paulo 2º criaram um novo precedente histórico, e não acha que Ratzinger conseguirá inovar tanto, mas acredita que os israelenses não devem esquecer que ele trabalhou junto a João Paulo 2º pela reconciliação. “E agora ele está seguindo os passos do antigo papa”.
Controvérsia
O porta voz do Vaticano, Federico Lombardi , afirmou hoje (12), por três vezes, que o papa nunca pertenceu à Juventude Hitlerista, órgão que chamou de “voluntários fanáticos”.
De acordo com o porta-voz, o papa era um seminarista “que com 16 anos foi alistado à força no corpo dos auxiliares para a defesa aérea, como ocorria naquela época com todos os jovens alemães”. Ele acrescentou que apesar de ter sido chamado pelo Exército, o papa não corroborava com a ideologia nazista.
Em artigo para o National Catholic Reporter, o jornalista John L. Allen, autor de duas biografias sobre Bento XVI, disse que o papa nunca foi nazista. “A evidência histórica é contundente de que a família de Joseph Ratzinger [nome de batismo de Bento XVI] foi ferozmente antinazista, e que o [então] futuro papa ficou horrorizado pela arrogância e destrutividade do nacional-socialismo. Ele nunca foi membro do partido nazista, entrou em uma unidade auxiliar do exército alemão só quando foi forçado, e desertou antes do fim da guerra”.
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