Passados 35 anos do golpe que deu início a uma sangrenta ditadura civil-militar em seu território (1976-1983), a Argentina já levou ao banco dos réus e condenou 204 repressores envolvidos em crimes contra a humanidade durante o período. Em março deste ano, o número chegava a 196 agentes de repressão condenados pela Justiça.
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O balanço foi divulgado nesta quinta-feira (06/10), em um informe da Unidade Fiscal de Coordenação e Acompanhamento dos casos de violações aos Direitos Humanos.O estudo se refere aos julgamentos iniciados em 2005, quando as leis de perdão aos militares acusados de violações na ditadura foram consideradas inconstitucionais e revogadas pela Corte Suprema.
Em março deste ano, a unidade, dependente do Ministério Público Fiscal argentino, também informou que, somente no transcurso de 2010, a Justiça argentina concluiu 19 julgamentos e condenou 109 pessoas. Entre os condenados, 11 já cumpriam alguma pena por atuação criminosa como agentes de repressão e 98 receberam sua primeira pena judicial.
Efe
Acerto de contas: Videla (ao centro) no banco dos réus em tribunal de Córdoba
Segundo o mais recente informe, 800 agentes acusados de crimes cometidos no período já estão processados e mais da metade destes têm pelo menos um julgamento em andamento nos tribunais. Algumas organizações de Direitos Humanos do país, no entanto, consideram que o número de condenações é insuficiente e se queixam da lentidão da Justiça.
Enrique Fukman, da Associação de ex-Presos Desaparecidos, explicou ao Opera Mundi que, embora a retomada dos julgamentos tenha sido uma “conquista importante para a sociedade argentina”, os condenados até agora representam uma porcentagem mínima dos envolvidos em crimes no período. “Os principais chefes genocidas se tornaram célebres no país, mas eles não foram os únicos responsáveis pelos milhares e milhares de assassinatos”, explica.
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“Na Esma (Escola de Mecânica da Armada), por exemplo, cerca de cinco mil argentinos foram torturados, e a maioria assassinada. Até agora, só 85 destes crimes foram a julgamento e somente 17 repressores estão no banco dos réus. Nenhum foi condenado”, diz ele, que esteve preso neste centro clandestino.
Lamia Oualalou/Opera Mundi
Fachada da Esma, principal centro de detenção e tortura da ditadura argentina
Para ele, apesar da revogação das leis de anistia, existe uma cumplicidade de juízes e de fiscais para evitar que alguns dos acusados sejam investigados e julgados. “Nossa associação se opõe a estes julgamentos parciais e às condenações ditadas pela Justiça, que afirmam que estes foram crimes comuns, quando na verdade foram práticas genocidas”, afirma Fukman.
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Para a organização H.I.J.O.S. da cidade de La Plata, formada por filhos de mortos ou desaparecidos durante a ditadura, o número de condenados é ínfimo quando comparado com a quantidade de repressores impunes: “Com estes julgamentos, só 10% dos repressores processados foram condenados”, afirmaram, em um comunicado, em março deste ano. “Houve absolvições de integrantes das patotas do Terrorismo de Estado. A maioria dos acusados se encontra em liberdade, foragida, ou morreu impune antes de receber uma sentença”, reclamam.
Apesar das críticas, a Justiça argentina é considerada a mais avançada da região em matéria de julgamentos de crimes contra a humanidade. Na semana passada, a Anistia Internacional citou o país como referência ao pedir ao Uruguai que remova as barreiras legais para a investigação e julgamento de crimes cometidos durante a repressão do país (1973-1985).
Fim da impunidade
Em dezembro de 1986, durante o governo de transição para a democracia de Raúl Alfonsín, foi criada a Lei de Ponto Final, que estabelecia a paralisação dos processos judiciários contra os autores das prisões arbitrárias, torturas e assassinatos durante a ditadura militar que não tivessem sido processados até determinado prazo.
No ano seguinte, o mesmo governo decretou a Lei de Obediência Devida, com a qual, militares de patentes inferiores a Brigadeiro não poderiam ser julgados, porque estavam somente cumprindo ordens. Ambas as leis excetuavam somente os responsáveis por “substituição de estado civil e subtração e ocultação de menores”. Estima-se que, com as determinações, ao menos 1,8 mil militares tenham sido anistiados.
As leis de perdão foram a principal trava para a investigação e condenação de responsáveis por prisões clandestinas, assassinatos, tortura e desaparecimento de pessoas durante os anos de chumbo na Argentina. Outro fator que impediu o andamento dos processos foram os decretos de anistia a militares acusados de violações dos Direitos Humanos, sancionados pelo ex-presidente argentino, Carlos Menem, em 1989 e 1990.
Finalmente, em 2005, durante a presidência de Néstor Kirchner, as leis de anistia, que já haviam sido anuladas em 2003 foram consideradas inconstitucionais pela Corte Suprema e revogadas, o que permitiu a retomada dos julgamentos.
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