Dois terços dos 21 grupos de comunicação que teriam que se adequar à Lei de Meios já entregaram planos voluntários para o cumprimento da nova normativa ao governo argentino. Os planos entregues ainda estão sujeitos à aprovação da Afsca (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina), que terá 120 dias para analisar as propostas.
O presidente do organismo, Martín Sabbatella, afirmou nesta segunda-feira (03/12) que a entrega dos 14 planos voluntários “demonstra a vontade da maioria dos grupos de cumprir a lei”. Segundo ele, o governo esperará até a meia-noite da próxima sexta-feira (07/12), apelidada de “7D”, pelas propostas restantes. Este é o dia em que expira a medida judicial a favor do Grupo Clarín, que questionou a constitucionalidade de dois artigos da lei.
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Presidente da Afsca, Sabbatella afirmou que os grupos podem se dividir para continuar com todas as suas licenças
Sabbatella ressaltou que caso algum grupo não apresente voluntariamente um plano até essa data, a Afsca iniciará a “transferência de ofício”, que compreende a taxação das licenças e dos bens dos grupos, a seleção das licenças que irão à licitação e a transferência das mesmas a novos titulares. O processo deve ser realizado em até 100 dias úteis.
“As empresas de comunicação áudio-visual precisam ter o tamanho determinado pela lei para garantir que exista o conjunto das vozes, olhares e opiniões com as quais, concordemos ou não, diferentes tradições, culturas e sotaques de nossa pátria”, afirmou Sabbatella. “Acreditamos que é disso que a democracia e nosso país precisam. Uma lei da democracia, votada pela ampla maioria, debatida historicamente e reconhecida nacional e internacionalmente”, completou.
Aprovada em 2009, a Lei de Serviços de Comunicação Áudio-Visual, conhecida como “Lei de Meios”, limita a quantidade de licenças dos conglomerados de mídia. Cada grupo pode ter até 10 licenças de rádio e televisão aberta e 24 de televisão a cabo. Além disso, nenhum canal de TV pode chegar a mais de 35% dos telespectadores do país.
Caso Clarín
O Grupo Clarín possui, segundo o governo, 240 licenças de TV a cabo, 10 estações de rádio e 4 de televisão. Para cumprir a legislação, o grupo teria que transferir ou vender 90% de suas licenças a cabo e 4 sinais de rádio ou televisão aberta. O grupo, no entanto, batalha judicialmente contra dois artigos da lei, referentes à desconcentração, que considera inconstitucionais.
Como a justiça ainda não expediu um parecer relativo à apelação, o grupo pediu a prorrogação da medida cautelar que suspende a aplicação da lei até 7 de dezembro. A Suprema Corte da Argentina, no entanto, negou o pedido, dando margem a um dos principais debates atuais: o governo pode licitar as licenças do grupo, mesmo sem um posicionamento judicial sobre a constitucionalidade dos artigos questionados?
Para Sabbatella, a resposta é sim. Segundo ele, a negação da extensão da medida judicial solicitada pelo Clarín, com o argumento de “denegação de justiça”, permite a aplicação integral da lei. “Claro que é sempre melhor resolver a questão de fundo. Estamos interessados em que isso aconteça, porque somos absolutamente conscientes de que a lei é totalmente constitucional”, afirmou.
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Segundo ele, a preocupação da Afsca é justamente o atraso da aplicação da lei, após três anos de sua promulgação. “Se houve denegação de justiça foi à sociedade argentina, que não pôde desfrutar da aplicação da lei da democracia, que garante as palavras, as vozes e dá mais possibilidades de expressão ao nosso povo”, garantiu. “As medidas cautelares terminam resolvendo a questão de fundo a favor de quem a apresenta. E isso é injusto”, completou.
Em comunicado difundido na própria segunda-feira (03/12), o Grupo Clarín questionou as declarações de Sabbatella, alegando que a decisão de licitar as licenças antes de uma decisão judicial sobre a inconstitucionalidade dos artigos “afeta os direitos adquiridos, o direito à defesa”. Segundo o grupo, a intenção da Afsca é evitar que a sentença judicial saia antes do “avanço” do governo sobre suas propriedades.
Uma das hipóteses consideradas no caso de a justiça considerar os artigos questionados como inconstitucionais é uma indenização. Quanto à possibilidade, o comunicado do Grupo Clarín expressa ser “um desafio às garantias constitucionais”. Segundo o grupo, uma indenização implicaria em “uma violação de todos os precedentes jurídicos, inclusive os da Corte Interamericana de Direitos Humanos”.
Entre família e sócios
Entre os planos apresentados à Afsca, que ainda dependem da aprovação do organismo, está o do Grupo Uno, dos empresários Daniel Vila e José Luis Manzano, dono de diversas emissoras de rádio e TV, como o canal aberto América TV, além da empresa de TV a cabo Supercanal.
A proposta do conglomerado prevê a divisão dos meios da empresa entre seus sócios e familiares para a conformação de unidades produtivas independentes entre si, e a venda de algumas licenças. A empresa original, Supercanal, ficaria com 18 licenças de TV a cabo, na qual José Luis Manzano teria 7,5% das ações. Outras 15 licenças da empresa ficariam a cargo de Alfredo Vila Santander, irmão de Daniel Vila, que também teria 7 estações de rádio.
O presidente do Supercanal, Daniel Vila, administraria dois canais de televisão e uma emissora de rádio. Em uma nova sociedade com Manzano, ficaria com a América TV, que também tem o político Francisco De Narváez como sócio, e a estação de rádio La Red. Dois filhos de Vila, Barbarita e Agustín, se encarregariam da administração de uma estação FM cada um. O grupo transferiria algumas licenças de satélite, TV a cabo e rádio a ex-sócios minoritários e venderia 16 licenças.
Quando questionado sobre a real eficácia da lei nesse caso, Sabbatella afirmou que é possível a divisão dos grupos entre empresas desassociadas. “É uma lei anti-monopólica que permite que os grupos de dividam, que funcionem como empresas diferentes, sem vinculação econômica”, afirmou.
Sabbatella esclareceu, no entanto, que as propostas apresentadas ainda serão analisadas tanto pela Afsca, como pela secretaria de Defesa da Concorrência da Nação. “Se funcionarem como empresas diferentes, com administrações, diretórios, unidades produtivas de comunicação diferentes, podem ser dividas”. Segundo ele, o objetivo da lei não é que os grupos deixem de existir, mas sim que “tenham o tamanho que a lei prevê para que não gere tendências monopólicas no mercado”.
“O que gera concorrência desleal é o tamanho, as vantagens comparativas no custo, e tudo isso não acontece ao criar empresas não associadas. O objetivo da lei anti-monopólica, que não haja posições predominantes sobre outros”, explicou Sabbatella, afirmando que “os que vão perder, e a lei busca que percam, são os gigantes, para que não sejam um grupo econômico que gere concorrência desleal. Uma coisa é ter um estúdio e outra é ter cinco”.