Além de escolher um novo presidente, neste domingo (26/10) os uruguaios vão decidir se o país deve realizar uma reforma constitucional para que adolescentes maiores de 16 anos respondam criminalmente com as mesmas penas e sentenças que os adultos. O Uruguai é o país com a maior população carcerária na América do Sul em termos proporcionais, de acordo com um estudo da Unicef.
Apesar de os índices de violência serem os mais baixos da América Latina, como indica o levantamento do instituto Latinobarómetro de 2012, o número de crimes cresceu no Uruguai nos últimos anos, sobretudo de roubos violentos. “Uma sociedade se comparara consigo mesma e não com a região e, de fato, houve um aumento no número de delitos recentemente”, afirma o sociólogo e assessor do Ministério do Interior do Uruguai Gustavo Leal, em entrevista a Opera Mundi. Por isso, diz, a “sociedade colocou esse tema como prioridade”.
A discussão da redução da maioridade penal tem como base o aumento da insegurança no país e foi o principal tema da campanha dos sete candidatos que disputam a presidência.
Após aumento da mobilização popular, opinião publica mudou de rumo e diminuiu apoio à redução da maioridade penal
No centro do debate está como reabilitar esses adolescentes que cometem infração, pontua Leal. Ele conta que a questão ganhou notoriedade social com o destaque que alguns homicídios tiveram ao serem filmados por câmeras de segurança, convertendo-se em um emblema dos defensores da redução. Os dois principais candidatos, que deverão disputar o segundo turno das eleições em 30 de novembro, têm visões distintas sobre o tema.
Plebiscito
O plebiscito foi viabilizado após a coleta de mais de 300 mil assinaturas e foi impulsionado pelos partidos tradicionais Nacional e Colorado em 2011. Pesquisa recente da empresa Radar indica que 48% dos uruguaios são favoráveis à redução e 40%, contrários, enquanto 12% não souberam ou não quiseram responder. Em junho de 2011, 65% eram favoráveis à redução. De acordo com Leal, o apoio decresceu nos últimos dias após a ampliação do debate em torno do tema.
Com relação à violência praticada especificamente por adolescentes, Leal diz que os índices não são alarmantes a ponto de sustentar a reforma constitucional. “Dados do poder judicial dos últimos 10 anos revelam que o índice de crimes cometidos por adolescentes oscila entre 6 e 8% do total”, exemplifica. “Nos países em que ocorreu a redução da maioridade penal, e o Uruguai não seria exceção, os cartéis do crime começam a recrutar jovens de idade ainda menor. Além disso, processar jovens com o mesmo rigor dos adultos não reduz a espiral de delitos, só os faz mais violentos”, diz.
NULL
NULL
De acordo com o advogado uruguaio Luís Pedernera, do Ielsur (Instituto de Estudos Legais e Sociais), a medida é um “populismo penal”, utilizado por partidos conservadores para aumentar a exposição durante o período eleitoral. “O sistema já endureceu com relação aos menores de 18 anos, mas essa é a cereja do bolo para castigar a população jovem. E isso se torna um problema especial no Uruguai, que tem uma população envelhecida. Os jovens são poucos e estão sendo cada vez mais criminalizados”, aponta.
Segundo ele, as pessoas têm uma ideia “equivocada” de que não há punição a jovens e adolescentes. No entanto, diz, desde 2004 o Código da Criança e do Adolescente do país estabelece que eles respondam a um processo na Justiça e abre uma possibilidade da aplicação de um procedimento penal.
Agência Efe
Lacalle e Tabaré: posições opostas sobre a maioridade penal no Uruguai
Criminalização de jovens
O primeiro ponto da reforma proposta diz que será prioridade “proteger as vítimas do delito”, mas não especifica como isso poderá ser feito, avalia o advogado. O texto também define maior punição para adultos que utilizem ou incentivem menores a praticar crimes. No entanto, Pederneiras aponta uma contradição. “O Código Penal uruguaio já prevê o agravante para adultos que utilizam crianças para promover crimes desde 1934”, lembra.
O ponto mais problemático do texto, afirma, é o que define que os antecedentes criminais não serão retirados com o passar do tempo. “Hoje, eles são mantidos por dois anos no caso de adolescentes. Essa norma não se aplica sequer para adultos que, depois de certo tempo do cumprimento da pena, sem reincidência, têm os antecedentes retirados. Marcar um adolescente para sempre reduz, e muito, as possibilidades que ele terá na vida”, observa o integrante do Ielsur.
Essa discussão está sendo travada também em países como a Inglaterra, onde a lei permite responsabilizar como adultos meninos e meninas desde os dez anos. Como no projeto uruguaio, os antecedentes criminais não prescrevem e o crime fica registrado por toda a vida. A norma está sendo discutida e questionada por movimentos sociais que apontam os efeitos negativos e os prejuízos de as pessoas serem marcadas por delitos (muitas vezes leves) que cometeram na infância ou adolescência.
A questão, de acordo com Leal, “vai contra a corrente de opinião geral sobre o Uruguai por ter aberto uma nova agenda de direitos”, já que, nos últimos anos, o país aprovou a interrupção voluntária da gravidez e a regularização da maconha. Para o sociólogo, “essa é uma proposta que [partidos de] direita latino-americanos e de todo o mundo apoiam porque defendem uma mão dura com relação a essas questões. E aqui temos também essa reação de setores conservadores”. Ele avalia, no entanto que a redução da maioridade penal “seria um retrocesso grave na questão dos direitos humanos, inclusive em termos regionais, nos colocando como exemplo negativo para nossos vizinhos”.