Em 2005 o número de homens com menos de 20 anos superou o de mulheres em mais de 32 milhões na China e, desde então, mais de 1,1 milhão de meninos nasceram. Um estudo recentemente publicado no British Medical Journal (Jornal de Medicina Britânico) revela a dimensão do desequilíbrio entre os sexos na China, e fornece uma explicação terrível para esse fenômeno. “O aborto seletivo, por conta do sexo da criança, é o maior culpado pelo excesso de homens”, concluiu a pesquisa realizada por dois estudiosos chineses e um britânico. Na China existe uma média de 124 meninos nascidos para cada 100 garotas, enquanto a média de natalidade mundial está calculada em torno de 105 meninos para cada 100 meninas.
A sociedade chinesa, especialmente em áreas rurais, continua a ser construída a partir de influências patriarcais e de uma preferência confuciana (a principal religião na China é o confucionismo) por meninos. Herdeiros homens perpetuam a linhagem da família e são os encarregados de cuidar de seus pais quando estes envelhecem, enquanto as meninas deixam a família quando se casam. Desde 1978, com a implementação da “política de uma criança” – destinada a travar o crescimento demográfico – a preferência por meninos tornou as meninas ainda menos desejáveis: caso tenham uma menina, os pais não têm mais a oportunidade de ter outro filho.
Aborto seletivo
“Os pais consideram que têm o direito de escolher o sexo de seu filho, ainda mais porque ter um filho equivale à compra de um seguro de vida”, explica Hinano Guérin, professor doutorando especializado na estrutura familiar chinesa. “Não é que eles não gostam de meninas, seu modelo ideal de uma família é ter um menino e uma menina. Mas devido à política de uma criança, eles não podem ter ambos”.
Desde a década de 1990, exames de ultra-sonografia estão disponíveis em todo o país para as grávidas, e como o aborto é relativamente barato e fácil na China, as famílias têm recorrido ao aborto seletivo. Esta prática é estritamente proibida, e os médicos não estão autorizados a revelar o sexo do feto. “Aborto seletivo é ilegal, mas não é considerado um crime”, detalha Hinano Guérin. “Especialistas chineses pensaram que o tornando ilegal, reforçaria as práticas clandestinas e isto poderia se tornar uma grande ameaça sanitária para as mulheres”.
Campanha pró-meninas
A China ainda tenta combater o tradicional preconceito contra as meninas. Na área rural, slogans dizendo que “uma menina também é descendente” podem ser vistos pintados em vermelho nas paredes das aldeias. Várias campanhas apelando aos “cuidados com as meninas” foram lançadas ao longo dos anos, incluindo o ensino diferenciado nas escolas e incentivos financeiros para as famílias que tenham uma menina.
O governo está ciente de que este desequilíbrio entre os sexos é uma fonte de tensões sociais em potencial, quando milhões de jovens do sexo masculino não serão capazes de encontrar noivas. O tráfico de mulheres na China e do Sudeste Asiático já é um problema bem conhecido que poderá se agravar nos próximos anos.
O desequilíbrio entre os sexos está diminuindo nas áreas urbanas, onde padrões de vida mais elevados, melhor segurança social, e a menor influência da tradição, desintegraram a preferência por meninos. Mas, para toda uma geração de jovens chineses com menos de 20 anos, o desequilíbrio já é irreversível.
Hinano Guérin ainda vê alguma razão para estar otimista. “Pode ser que esta situação também leve a uma revalorização das garotas. As pessoas vão perceber que todos têm o seu próprio papel a desempenhar, e talvez reconsiderem as suas crenças tradicionais”.
NULL
NULL
NULL