Nesta quinta-feira (07/05) os eleitores vão às urnas no Reino Unido para decidir a formação do próximo Parlamento britânico e, consequentemente, quem será o novo primeiro-ministro. Com uma corrida eleitoral apertada, ainda é cedo para dizer se David Cameron (Partido Conservador) seguirá no cargo ou se será substituído por Ed Miliband (Partido Trabalhista). Independentemente de quem ganhe, porém, uma vitória já é certa: a do Partido Nacional Escocês (SNP, em sua sigla em inglês), que estará mais forte do que nunca no parlamento.
Leia também:
Ultradireita aposta em líder carismático para alterar jogo político em eleições do Reino Unido
Agência Efe
Com máscaras do rosto da líder escocesa Nicola Sturgeon, conservadores fazem ato insinuando que votar no SNP seria apoiar trabalhistas
A previsão é de que o partido, que tem a independência da Escócia como principal bandeira, conquiste pelo menos 50 dos 59 assentos escoceses no parlamento — a última pesquisa de opinião divulgada ontem pelo diário The Guardian, aponta 54 vagas para a legenda. Com esse desempenho, o SNP — liderado por Nicola Sturgeon, a atual premiê da Escócia — seria o terceiro partido com maior número de cadeiras, atrás apenas dos trabalhistas e dos conservadores. Para ter em vista o crescimento da legenda, nas últimas eleições gerais, em 2010, o SNP ocupou apenas seis assentos.
NULL
NULL
Essa conquista é constantemente comparada àquela que originou a independência da Irlanda, no início do século passado. “No fim do século 19 e no início do 20, se formou um grande bloco de parlamentares separatistas irlandeses, fazendo com que questões relacionadas à Irlanda, especialmente ao aumento dos poderes locais, ganhassem muita importância”, resume Charles Pattie, pesquisador da área de política na Universidade de Sheffield, na Inglaterra.
É certo que a independência irlandesa só foi obtida após um sangrento conflito, iniciado após a incapacidade de negociação pelas vias políticas. No cenário contemporâneo, onde um conflito armado é improvável, resta uma certeza: seja quem for o próximo premiê,terá diante de si o desafio de lidar com o crescimento das demandas escocesas dentro do parlamento.
Cavalo de Troia para os trabalhistas
Com o mote “mais cadeiras para o SNP, mais poder para a Escócia”, o partido faz oposição declarada aos conservadores britânicos do atual primeiro-ministro, David Cameron. Em seu site, o SNP deixa claras as metas: “Nunca colocararemos os Tories (Partido Conservador) no poder. Após as eleições, caso haja uma maioria anti-Tories, nós estamos dispostos a trabalhar junto dos outros partidos para manter os Tories fora do poder”, declaram.
Agência Efe
Unionista e líder dos trabalhistas, Ed Miliband teve que vir a público mais de uma vez negar que faria acordo com o independentista SNP
Isso poderia ser uma vantagem para o Partido Trabalhista, maior adversário político dos conservadores e em busca de alianças que lhe valham a indicação do premiê após as eleições. Há, porém, um empecilho: como partido unionista, os trabalhistas não parecem dispostos a se aliar a um partido declaradamente separatista. A possível aliança tem sido constantemente usada como munição pelos conservadores, levando Ed Miliband a, mais de uma vez, negar um possível acordo com os escoceses.
Quanto vale o apoio
Mas qual exatamente seria o preço desse apoio? Com um referendo realizado no último ano em que, por uma margem apertada, se decidiu pela permanência da Escócia no Reino Unido, não se espera que o SNP proponha outra consulta popular durante o próximo mandato. Porém, o partido tem interesse em, gradualmente, reduzir a influência de Westminster nas decisões escocesas.
Autonomia fiscal e maior poder de decisão sobre o controle de impostos são algumas das questões em jogo. O fim da política de austeridade do governo atual é outra exigência. Um último ponto de debate é a oposição declarada do SNP ao projeto nuclear britânico. Diante dessas demandas, o que se diz é que o SNP está em uma posição de conforto: caso consiga negociá-las com o governo central, poderá dizer a seus eleitores que cumpriu o prometido. Do contrário, pode tirar vantagem política da situação reforçando o sentimento escocês de inadequação dentro do Reino Unido.
“O SNP está recebendo um forte apoio do eleitorado e tem crescido rapidamente. Lidar com essa situação será um grande desafio para o próximo primeiro-ministro. Por mais que eles não proponham um novo referendo em breve, um governo central impopular favorecerá as ideias separatistas”, diz o professor de política Stuart McAnulla, da Universidade de Leeds.
Referendos à vista?
Embora seja improvável que os escoceses peçam um novo referendo sobre a independência durante o próximo mandato, há uma situação em que se acredita que isso seja possível: diante da realização de um outro referendo, este sobre a saída do Reino Unido da UE (União Europeia). A consulta popular sobre a UE é uma das promessas de campanha do atual premiê, David Cameron.
“Diante dessa situação, o SNP pode argumentar que houve uma mudança fundamental na natureza do 'acordo' e que quem votou pela permanência no Reino Unido no último referendo escocês pensava que isso incluía a permanência da Escócia na União Europeia”, diz Pattie. Por isso, caso Cameron se reeleja e anuncie o referendo europeu, o SNP pode incluir uma nova consulta popular sobre a independência em seu manifesto para as eleições do parlamento escocês, no próximo ano.
Uma mudança a longo prazo
Mais que um desafio para o próximo chefe de governo, a consolidação do SNP na Escócia é um fenômeno que, ao que tudo indica, veio pra ficar. E que pode abalar as estruturas que hoje dão forma ao Reino Unido como o conhecemos. Em 2011, pela primeira vez, o partido independentista superou os trabalhistas (tradicionalmente a maior força política na Escócia) no número de partidários.
De lá pra cá, essa situação se manteve, com destaque para a grande atração da juventude escocesa pelo SNP. Uma pesquisa da Universidade de Edimburgo de fevereiro, mostrou que 28% dos jovens entre 18 e 24 anos se sentiam representados pelo partido — em segundo lugar, 21% dos entrevistados declararam não se sentir representados por nenhum partido.
“Normalmente os jovens tendem a não participar das eleições, mas o comparecimento às urnas aumentou substancialmente na Escócia desde o referendo sobre a independência”, diz Jan Eichhorn, um dos responsáveis pela pesquisa. Politicamente mais ativa que seus pares ingleses e alinhada com os ideias independentistas do SNP, essa nova geração de eleitores mostra que a questão escocesa veio para ficar.