Sem um déficit tão descontrolado quanto o da Grécia nem um sistema bancário fragilizado como o da Irlanda, Portugal é mais um membro da União Europeia próximo a receber intervenção externa para sanar sua crise financeira. A principal razão para ter chegado a esse ponto foi a falta de consenso político.
Da queda do governo socialista até o anúncio de novas eleições nesta última quinta-feira (31/03), o país acompanhou cortes sucessivos no rating de sua dívida. A Comissão Europeia, que antes elogiava o modo como o país geria a crise, já avisou que o dinheiro está disponível. Mas a crise política portuguesa fez com que ninguém possa assumir a responsabilidade de fazer o pedido.
O governo do Partido Socialista, minoritário no parlamento, caiu no último dia 23, após não conseguir aprovar o Plano de Estabilidade e Crescimento – um planejamento anual exigido a todos os países da zona euro que, no caso português, previa novas medidas de austeridade. Logo em seguida à decisão legislativa, a Standard & Poor's e a Fitch cortaram o rating da dívida.
Menos de uma semana depois, a S&P fez novo rebaixamento, sem culpar diretamente a crise política. Na sexta-feira (31/03), um dia depois de o presidente Cavaco Silva aceitar o pedido de demissão do premiê José Sócrates e convocar novas eleições, a Fitch rebaixou novamente a avaliação. Agora, em ambas agências os papéis portugueses estão com a cotação BBB-, apenas um nível acima da categoria especulativa – ou lixo – da qual faz parte a Grécia.
O argumento da Fitch é que, como as eleições só ocorrem em 5 de junho, o resgate a Portugal – dado como inevitável – deve demorar. Como o pedido de demissão foi aceito, o governo agora argumenta que não tem legitimidade para pedir a intervenção ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira e ao FMI, como fizeram Grécia e Irlanda.
Falta de comando
Embora as contas portuguesas estejam longe de ser consideradas boas, a situação não é tão ruim quanto nesses outros dois países. O déficit, mesmo com uma derrapagem de 1,8 ponto percentual para cima em comparação com as previsões do governo, fechou em 8,6% no ano passado, em razão da inclusão das dívidas de algumas empresas públicas e de dois bancos.
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Para João Sousa Andrade, professor de Economia da Universidade de Coimbra, a elevação não tem impacto “Quem está informado sobre o mercado da dívida pública já tinha isso em consideração”, diz. Bruxelas, por sua vez, veio a público esclarecer que a alteração decorre do fato de Portugal estar implementando as regras estatísticas comunitárias, assim como todos os países devem fazer.
Por fim, Portugal não teve uma bolha imobiliária como a Espanha, nem desconfia-se que os bancos estejam tomados por ativos podres, como na Irlanda. Assim, apesar da queda no financiamento externo ao sistema financeiro português, há poucas dúvidas sobre a solvência das instituições. Segundo a Associação Portuguesa de Bancos, a inadimplência continua em níveis baixos.
O problema é a falta de comando. “O país pode ser sustentável, desde que haja suporte político. O problema é que não há governo”, diz o húngaro Zsolt Darvas, economista e pesquisador do think tank Bruegel, de Bruxelas. Até que o novo governo tome posse, o país fica impossibilitado de adotar medidas abrangentes para evitar o resgate. “O risco é que o yield (retorno esperado pelo investidor na dívida pública) continue a aumentar, o que cria uma dor de cabeça ainda maior para os bancos portugueses, que são muito mais saudáveis que os gregos e irlandeses”, pondera o inglês Marc Ostwald, estrategista da Monument Securities. Quando os juros exigidos ao governo sobem, os oferecidos aos bancos também.
“Pode haver um resgate ou um calote, mais cedo ou mais tarde. Espero que, se tiverem de escolher, que escolham o programa de resgate”, torce Darvas.
Consequências
Em 11 março, Sócrates havia conseguido aplausos de Bruxelas ao seu Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) 2011. Mas, com a medida barrada internamente, o país perdeu cacife para negociar apoios comunitários que não passassem por um resgate aos moldes aplicados à Grécia e à Irlanda.
A provável entrada do pacote FMI/UE em cena deve tornar o ajuste interno mais intenso. “Qualquer pacote de resgate FMI/UE (como foi feito com os outros dois países) vai demandar tanto quanto, se não mais, em termos de reformas e austeridade”, diz Ostwald.
“Claro que com o FMI vai ser mais duro, porque são eles que vêm aplicar. Vão terminar com todas as obras públicas, inclusive o TGV (trem de grande velocidade), com as Parcerias Público-Privadas”, diz Sousa Andrade. Haverá racionalização na oferta de serviços públicos e extinção de administrações, além de aumento de impostos. O líder dos social-democratas (PSD), Pedro Passos Coelho – que pode assumir a vaga de Sócrates – já afirmou considerar a última hipótese. As más condições das contas das empresas públicas de transporte devem levar a reestruturações que devem ter como consequência aumento nas tarifas para os usuários.
Para Darvas, as condições do pacote de resgate serão semelhantes às aplicadas aos casos anteriores. “O parlamento terá de aprovar algumas condições e haverá um monitoramento bimestral para liberar o dinheiro.” As melhores condições da economia portuguesa, porém, podem levar com que a intervenção resulte em uma maior credibilidade de Portugal, ao contrário do que ocorreu com Grécia e Irlanda.
A expectativa de Sousa Andrade é que o crescimento da economia internacional permita que a situação portuguesa melhore em consequência de maiores exportações, e não só do ajuste. Com isso, objetivos estabelecidos pelo FMI poderiam ser cumpridos mesmo que as regras de ajuste não fossem seguidas à risca. A estratégia funcionou no passado – Portugal já foi alvo de outras duas intervenções do FMI, nos anos 80.
“Com fado, que é mais triste”
Para alguns portugueses, haverá pouca diferença na substituição do PS, outrora de centro-esquerda, pelo PSD, de direita, cenário mais provável segundo as últimas pesquisas de intenção de voto. As semelhanças entre os dois países deve aumentar com a necessidade de o país cumprir imposições decorrentes de um resgate.
Eleitor dos socialistas, o vendedor de seguros Nuno Figueira de 49 anos irá votar no CDS (Centro Democrático Social), o mais à direita do espectro político português. Sem esperança em tempos melhores. “Qualquer que seja a solução política, já estamos em recessão. Vamos nos tornar o Brasil de 30 anos atrás. E com fado, que é mais triste”, diz.
“Nada de bom”, diz a porteira Maria Silva, de 50 anos, que manterá seu voto em Sócrates. “Há muita instabilidade e não acredito que outros façam melhorar.” Para o estudante Rui Figueiredo, de 24 anos, a queda dos socialistas era inevitável. “O povo está descontente. Mas é indiferente. Quem quer que venha, socialistas ou sociais-democratas, Portugal está frito”.
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