Com uma declaração pública à imprensa, realizada no dia 14 de fevereiro, Sebastián Dávalos apresentou sua renúncia ao cargo de diretor sociocultural da Presidência da República, tentando colocar fim a uma série de questionamentos sobre supostos conflitos de interesse.
Filho mais velho da presidente Michelle Bachelet, Dávalos ocupava o cargo tradicionalmente exercido pelas primeiras-damas – e no qual ele já havia trabalhado durante o primeiro mandato da mãe, entre 2006 e 2010. No final de janeiro, a imprensa chilena divulgou um empréstimo entregue pelo Banco do Chile, no valor de 2,5 bilhões de pesos (R$ 11,5 milhões), para a empresa da esposa, a empresária Natalia Compagnon, dias depois da vitória de Bachelet no segundo turno.
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Bachelet e Dávalos, em evento de setembro de 2014: filho de presidente é questionado possível conflito de interesses
Antes de confirmar a renúncia, Dávalos se defendeu da denúncia do caso, conhecido no país como “Noragate”. Disse que não cometeu nenhum ilícito, já que o Banco do Chile é um banco privado e que o negócio não envolveu dinheiro público, mas que entendia “o mal-estar da opinião pública, e que a situação causa dano à imagem da presidente da República”.
Nesta segunda-feira (23/02), Bachelet retomou as atividades depois de três semanas de férias na Patagônia e se referiu ao tema em uma rápida entrevista coletiva, afirmando que “esses últimos dias foram dolorosos para mim, como mãe e como presidente, mas este governo mantém sua postura de colaborar sempre com o trabalho do Ministério Público e da Justiça, e os envolvidos em denúncias têm o dever de esclarecer suas atividades e responder pelas responsabilidades, se existem”.
Contudo, outro caso difundido recentemente pode trazer novos problemas para os governistas, pois envolve diretamente a campanha presidencial de Michelle Bachelet. Um dos eventos realizados pela campanha foi um jantar em Nova York, financiado e organizado por Heraldo Muñoz (atual chanceler do Chile), quem assegurou que o encontro pretendia apenas “apresentar a candidatura a figuras internacionais que viam com bons olhos o retorno dela à política”. Porém, a oposição protocolou um pedido ao Ministério Público para que se investigue se houve, a partir desse encontro, doações de estrangeiros à campanha, o que é proibido segundo a lei chilena.
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Caso Penta
O caso de Dávalos foi apenas o mais recente de uma série de denúncias que vem surgindo no Chile desde outubro de 2014. O primeiro escândalo conhecido foi o chamado Caso Penta, um esquema de sonegação de impostos criado pelo Grupo Penta, um dos grupos econômicos mais poderosos do país, através do financiamento de campanhas políticas com recibos falsos, e divulgados através de reportagens publicadas pelo portal Ciper Chile, especializado em jornalismo de investigação – primeiro com uma reportagem sobre o esquema, depois com uma lista de políticos envolvidos nele.
Entre as campanhas supostamente favorecidas pelo esquema, estão as da senadora Ena von Baer, ex-porta-voz do governo de Sebastián Piñera (2010-2014) e uma das mais ativas opositoras da reforma educacional, e a do deputado Ernesto Silva, presidente do partido conservador UDI (União Democrata Independente) e de onde provêm quase todas as campanhas envolvidas. Além de Silva e von Baer, o esquema também teria financiado outras quatro candidaturas ligadas ao partido, num esquema em que, segundo números do SII (Serviço de Impostos Internos), teria sonegado mais de 400 milhões de pesos (cerca de R$ 2,3 milhões) somente em 2013, e que poderia ser ainda maior se a investigação puder investigar números de eleições anteriores.
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Ena von Baer teria supostamente se beneficiado do esquema com o Grupo Penta
A onda de denúncias também respingou em Piñera, pois um o sócio majoritário do Grupo Penta é Carlos Alberto Délano, um amigo pessoal e ex-sócio do antecessor da atual presidente em outros investimentos. Além disso, Hugo Bravo, ex-gerente geral da holding, declarou que a Fundação Futuro, criada por Piñera depois de deixar La Moneda, recebeu doações ilegais dentro do esquema em 2014, no valor de 50 milhões de pesos (cerca de 230 mil reais).
Defesa
Pouco depois da renúncia de Dávalos ao cargo de diretor sociocultural da Presidência, presidentes de partidos da Nova Maioria (coalizão governista) saíram em sua defesa, e acusaram a oposição de “criar um falso escândalo para afetar o governo tanto quanto a direita foi afetada pelo Caso Penta”, segundo palavras do senador Jaime Quintana, líder do PPD (Partido Pela Democracia).
Segundo a jornalista Mónica González, diretora do portal Ciper, os casos de Dávalos e da UDI são diferentes no aspecto legal, mas se igualam no contexto que incomoda a cidadania. “Dávalos tem razão quando diz que, pelo menos até agora, não foi descoberto nada de ilegal na sua operação, e no Caso Penta estamos falando de sonegação fiscal, entre outros delitos, mas na cabeça do cidadão comum eles passam pelo mesmo problema, que é o financiamento da política e a dúvida sobre para quem as nossas autoridades trabalham, se para quem vota ou para quem investe nelas”, comenta, lembrando que o Banco do Chile pertence ao Grupo Luksic, que também está entre os mais poderosos grupos econômicos chilenos.