Nas últimas semanas, o ministro da Corte Suprema da Argentina, Raúl Eugenio Zaffaroni, foi alvo de fortes denúncias sobre o uso de seis de suas propriedades em Buenos Aires para serviços de prostituição. As acusações foram amplamente divulgadas pela imprensa local, levando políticos opositores ao atual governo a pedirem a renúncia do magistrado.
Reconhecido internacionalmente por seu desempenho como criminalista, Zaffaroni não hesitou em nenhum momento em responder às acusações. Desde a primeira linha publicada pelo jornal Perfil, o primeiro a difundir a existência dos prostíbulos, o magistrado afirmou que não tinha conhecimento sobre o que ocorria em suas propriedades, que estavam a cargo de um procurador e foram alugadas através de uma imobiliária.
Apesar da afirmação de desconhecimento sobre a utilização dada às propriedades, o candidato à presidência da Argentina em 2012, Ricardo Alfonsín disse à imprensa que o magistrado deveria renunciar: “Um membro da Suprema Corte deve se afastar quando está submetido a uma situação desta natureza”, defendeu o filho do ex-presidente argentino.
Em entrevista dada na rede de televisão CN23, Zaffaroni afirmou ao jornalista Martín Gravovsky, que, até o momento, nenhuma investigação sobre o caso foi iniciada, e garantiu: “Estou disposto a responder tudo o que me perguntem. Sou autêntico, posso ser desorganizado com a administração dos meus bens ou delegar sem cuidado, admito. Mas isso é motivo de um julgamento político? Acho que não”, concluiu.
Má vizinhança
Segundo o jornal Perfil, um dos apartamentos de Zaffaroni que funcionava como prostíbulo está localizado em frente ao cemitério da Recoleta. No local, duas ou três mulheres cobravam 120 pesos por hora por seus serviços, que eram anunciados em panfletos com a mensagem “docinhos e massagens 24 horas”.
Sem divulgar nomes de vizinhos, a matéria transcreve algumas reclamações de moradores do edifício: “Zaffaroni tem esse apartamento há uns 10 anos, mas não aparece nunca”, disse um deles, contando: “Faz uns quatro anos que trabalham prostitutas no local, mas nos últimos dois meses chegaram essas, que trazem problemas”.
Entre as queixas dos condôminos do juiz, estão a entrada e saída de clientes a qualquer hora, os sons incômodos e a sensação de insegurança no edifício. “Qualquer pessoa pode entrar e às vezes se confundem e querem entrar em outros apartamentos”, manifestou outro vizinho, também em anonimato, à publicação.
“Uma vez ligamos para o 911, mas a polícia veio e nos disse que as meninas tinham autorização do governo portenho. É um absurdo”, disse o morador. De acordo com o jornal, apesar de o juiz não aparecer pessoalmente ao edifício, os vizinhos afirmaram já terem reclamando a uma de seus advogados, que teria prometido desalojar as meninas em várias ocasiões.
Conspiração
Na última sexta-feira, Zaffaroni anunciou, em coletiva de imprensa, ter uma conta bancária na Suíça, com cerca de 70 mil dólares depositados. Durante a declaração, o juiz afirmou que, mesmo antecipando a informação, seria novamente manchete nos jornais por um suposto “tráfico de divisas”.
“Minha existência é completamente transparente. Não queria conectar essa conta com o que está acontecendo, mas agora tenho que fazê-lo”, disse.
O juiz afirmou ainda que os fundos depositados na conta, aberta há 25 anos, são reembolsos de passagens e um Prêmio Mundial recebido em 2009 pela Academia Sueca de Criminologia. Segundo ele, “algo aconteceu, porque agora o banco me diz que sou uma pessoa exposta e que não tem mais interesse em ter minha conta”, disse, anunciando que doará o dinheiro a fundações como a das Mães e a das Avós da Praça de Maio.
“Quero acabar logo com isso. Eu mesmo levarei a documentação ao Congresso”, disse, mencionando o que considera um resultado de seu trabalho como magistrado: “Devo ter prejudicado o caixa e incomodado alguém”, constatou, mencionando possíveis razões que justificariam uma campanha de difamação orquestrada pela imprensa, como os 100 processados por ele por tráfico de “paco”, uma droga gerada com resíduos de cocaína, parecida com o crack.
Outra de suas teorias remete a grupos internacionais: “Talvez porque ande em fóruns internacionais alertando que o combate ao crime organizado é uma máscara. Ou denuncio um organismo de segunda categoria de caráter internacional que afeta nossa soberania, obrigando a sancionar leis estúpidas e inconstitucionais, para manter o apoio à lavagem [de dinheiro] no hemisfério norte”, defende-se Zaffaroni, em referência ao Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional).
Oposição
O juiz, que admitiu não saber a origem das recentes acusações, pensou inicialmente estar envolvido em “escândalo de caráter político”, devido à sua proximidade com Cristina Kirchner. Zaffaroni foi nomeado como ministro da Corte Suprema pelo ex-marido da presidente argentina e ex-presidente do país, Néstor Kirchner. O ex-chefe de Estado renovou a instituição judicial, antes comandada por muitos juízes remanescentes da ditadura do país (1976-1983).
Em entrevista a uma rádio local, o juiz afirmou ter 15 propriedades, e que não chegou a conhecer algumas delas, tampouco seus inquilinos. “Alguns acham que temos que estar preocupados e viver como paranoicos, preocupados com tudo. Sou uma pessoa normal, caminho pelas ruas sem custódia. Se minha função me obriga a viver nestas condições pela minha função, desculpem, não sirvo para isso, vou pra casa”, disse à CN23.
Sobre as denúncias, entregues pela ONG La Alameda ao jornal Perfil e posteriormente amplamente ecoada na imprensa, ele afirmou ser contra qualquer tipo de censura para impedir a difusão das mesmas. O juiz afirmou, no entanto, sofrer uma campanha de desprestígio: “Isso é uma tentativa de gerar danos sucessivos, com o objetivo de destruir uma pessoa, insistindo com uma noticia de forma permanente”.
Na entrevista à TV, o juiz afirmou ainda que não pensa em renunciar: “Tenho muito respeito a ele [Alfonsín], mas acho que se nos ativéssemos a isso, todos os funcionários [públicos] estariam nas mãos da imprensa marrom, que acusaria qualquer despropósito e todos teriam que renunciar por serem considerados sujos. Acho que ele está exagerando um pouco”, explicou.
Sobre o sensacionalismo da imprensa, o magistrado lembrou de uma notícia baseada em “fontes”, publicada pelo jornal La Nación. Ela menciona uma reunião dele com o ministro de Justiça, Julio Alak, na Casa Rosada. Segundo Zaffaroni, o encontro foi inventado para denotar um problema político. “Inventar isso em um momento tão delicado é uma intriga perigosa que, a meu ver, rompe com todas as regras da ética jornalística. Esta reunião não existiu”, afirmou.
Apoio além das fronteiras
A Rede Latino-Americana de Juízes divulgou nesta terça-feira (09/08) uma nota em repúdio às denúncias, as quais considera uma “incessante e sistemática campanha de desprestígio” contra Zaffaroni. “Contar com sua presença na Corte Suprema de Justiça da Argentina, há relativamente poucos anos, constitui um valor de qualidade institucional de enorme transcendência”, diz o texto.
Presidida pelo brasileiro José Eduardo de Resende Chaves Junior, a entidade registra na nota o descontentamento com a “exacerbada quantidade de ofensas contra o magistrado, amparada em uma suposta 'pretensão de moralidade', sem respeito de sua investidura e sem interesse por escutar as explicações que possa dar no âmbito institucional”.
As denúncias contra o ministro foram recebidas com gestos de apoio por outros membros da Corte Suprema do país. “Não existem questionamentos quanto à sua atuação judicial”, enfatizou o presidente da instituição, Ricardo Lorenzetti, quem disse ter falado pessoalmente com Zaffaroni sobre o assunto: “Ele me disse que é uma situação pessoal e que está disposto a dar explicações”, garantiu.
No manifesto em apoio ao ministro figuram instituições como a AAPDP (Associação Argentina de Professores de Direito Penal), a Secretaria de Direitos Humanos da Nação Argentina e a Assembléia Permanente pelos Direitos Humanos no país. Também estão incluídas a Daia (Delegação de Associações Israelitas Argentinas), a Associação de Magistrados e Funcionários da Justiça Nacional, a Associação das Mães da Praça de Maio e cerca de 30 deputados da cidade de Buenos Aires.
Um grupo criado na rede social Facebook, em apoio ao magistrado, já conta com mais de 15.500 seguidores. Nesta quinta-feira (11/08), às 18h, será realizado um ato de apoio ao ministro, na aula magna da Faculdade de Direito da UBA (Universidade de Buenos Aires).
Entre as entidades que convocaram o ato estão associações e juristas que se pronunciaram em defesa do magistrado estão a Associação de Advogados de Buenos Aires, a própria Faculdade de Direito, a Associação Americana de Juristas, a Associação de Advogados Trabalhistas e o Observatório da Justiça Argentina.
Na ocasião, será lido um abaixo-assinado com um desagravo de criminalistas brasileiros, assinado por centenas de signatários. Entre eles, segundo o site Consultor Jurídico, estão o IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros) e desembargadores que julgam em câmaras criminais, como Geraldo Prado, Sérgio Verani e Nildson Araújo. O manifesto pode ser assinado neste link.
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