O Alabama é o 37º estado dos EUA a permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Uma decisão da Suprema Corte nesta segunda-feira (09/02) rejeitou um recurso jurídico cujo objetivo era impedir o matrimônio gay no estado sulista. Apesar da chancela do mais alto tribunal dos Estados Unidos, muitos casais continuam sendo impedidos de formalizar a união por conta da insistência de um juiz local, que segue emitindo sentenças contrárias. Dado o histórico conservador do Alabama, o caso vem sendo comparado pela imprensa norte-americana às batalhas contra a segregação de negros vividas dos anos 1960.
Agência Efe
Cerimônia está sendo permitida em alguns condados; Robert Povilat e Milton Persinger comemoram união celebrada em Mobile, Alabama
A Suprema Corte não aceitou o pedido dos juízes do Alabama, que queriam impedir as uniões entre casais homossexuais até que o tribunal julgasse a questão em definitivo. Entre os dias 20 e 29 de abril, a Suprema Corte dos EUA deverá decidir se casais gays de todo o país podem ou não se casar — pela lei norte-americana, o casamento é um instrumento do direito civil que compete aos estados regularem. No Alabama, a legislação local — aprovada por 81% dos cidadãos do estado, e agora contestada na Suprema Corte — estabelece textualmente:
Casamento é inerentemente uma relação unicamente entre um homem e uma mulher. (…) Este estado tem um interesse especial em incentivar, apoiar, e proteger este único tipo de relacionamento para promover, entre outros objetivos, a estabilidade e bem-estar da sociedade e das crianças. Um casamento contraído entre indivíduos do mesmo sexo é inválido neste estado.
A problemática teve início no domingo (08/02), quando o chefe da Justiça do Alabama, eleito por voto direto, Roy Moore, emitiu uma carta aconselhando os juízes a seguir as leis do estado e não emitir licenças a casais homossexuais. De acordo com a advertência, o descumprimento da determinação seria passível de repreensão por parte do governador.
Moore é conhecido por ter feito, em 2003, uma defesa inflamada contra a decisão de remover um monumento aos Dez Mandamentos bíblicos no prédio da Justiça do Alabama.
Por sua vez, o governador do Alabama, Robert Bentley, do partido Republicano, afirmou ontem que não irá punir juízes por conceder ou deixar de conceder as licenças. “Juízes probatórios [responsáveis por emitir certidões de casamento] têm uma única responsabilidade em nosso estado e eu os apoio”, afirmou.
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Cerimônia realizada em Huntsville, nesta segunda-feira (09/02), após a decisão da Suprema Corte
O professor da Universidade de Direito do Alabama Ronald Krotoszynski disse ao jornal Washington Post que Moore “deve acreditar sinceramente que uma lei estadual prevalece sobre uma lei federal. E se é assim, isso é lamentável, porque está completamente errado”.
A discussão levantada a partir deste caso é que, enquanto o país avança no reconhecimento de direitos e garantias fundamentais, algumas regiões se conservam com as “janelas fechadas” ante as mudanças, como é o caso do Alabama, onde a Emenda 774 de 2006 proíbe a união de pessoas do mesmo sexo. Mas a proibição foi derrubada pela corte federal por violar a 14ª emenda da Constituição dos Estados Unidos, que garante a igualdade de direitos.
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Em um artigo publicado pelo jornal Washington Post, o jornalista Philip Bump disse não ser uma surpresa que o Alabama “ofereça um solo fértil para este tipo de política”, mas adverte que trata-se de uma disputa nacional entre duas forças e adverte que o ocorrido no Alabama no final de semana pode encontrar eco “em outros estados republicanos. Não há razão para pensar que nos próximos dois anos (no mínimo) nós não vejamos mais apelações intransigentes em nome da opinião pública, com ‘popular’ sendo definido como o ator quiser”.
Um estado atrás de seu tempo
O Alabama tem um amplo histórico de defesa de posições conservadoras, adoção de posturas racistas e de preferência por candidatos do partido conservador. Nas eleições de 2012, o presidente Barack Obama perdeu para Mitt Romney de 60,55% a 38,36.
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Foi no Alabama, em 1955, que uma costureira negra, de 42 anos se recusou a dar o lugar que ocupava em um ônibus para um homem branco. Pela atitude, Rosa Parks foi presa e multada, mas entrou para a história do país como símbolo da resistência negra contra o regime de apartheid vigente até então no país. A revolta de Rosa desencadeou um boicote liderado por Martin Luther King Jr de 381 dias contra o sistema de ônibus, dando início às ações não violentas que o consagraram como defensor histórico dos direitos civis nos Estados Unidos.
Flickr/ Shannon
Ativistas decoraram corte do condado de Madison com as bandeiras do movimento LGBT
Também nas décadas de 1950 e 1960, o grupo racista Ku Kux Klan atuou livremente no estado. Muitos dos agentes de segurança eram parte da organização — ou ignoravam a violência praticada por eles de maneira proposital, permitindo que agissem sem temor ou perseguição. Neste período, a KKK também teve grande influência política na região, com papel fundamental na eleição de John Patterson ao governo do estado em 1958, quando venceu o democrata George Wallace, que chegou a se pronunciar contra as ações do grupo.
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Em busca de apoio para vencer o pleito e conqusitar a cadeira governamental, Wallace aceitou contratar Asa Carter, um integrante da Ku Kux Klan para escrever seus discursos e supervisionar a campanha. Como governador do estado, cargo que exerceu a partir de 1962, não avançou na aplicação da política antissegregacionistas de universalização dos direitos civis.
Em uma das atitudes mais emblemáticas contra a campanha de direitos civis no país, Wallace se prostrou diante do auditório da Universidade do Alabama para impedir que os jovens negros Vivian Malone e John Hood ingressassem na faculdade — mantendo a promessa de “segregação agora, segregação amanhã, segregação para sempre”, como afirmou em uma de suas mais famosas frases. Ele também foi à imprensa se posicionar contra as medidas antissegregacionistas, opondo-se ao então presidente John Kennedy. A contenda é relatada no documentário Crisis: Behind a Presidential Commitment.
Wikicommons
Wallace diante do auditório da Universidade de Alabama
Deixou o partido Democrata e concorreu à presidência em 1968 pelo Partido Independente Americano, ficando em terceiro lugar. Wallace foi eleito governador do Alabama novamente em 1970 e 1982. Em 1979 se arrependeu publicamente das atitudes racistas.