Apesar do prejuízo político contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu e o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, o mandado de prisão apresentado na segunda-feira (20/05) pelo procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI) das Nações Unidas, Karim Khan, isenta o Estado de Israel dos crimes de guerra contra a população palestina.
A avaliação é de Hassan Ben Imran, integrante da diretoria da organização Law For Palestine, organização especializada em direitos humanos e direito internacional em relação à questão da Palestina.
Ele explica que, da perspectiva legal, as acusações não devem resultar em sanções contra o Estado de Israel, por tratarem de responsabilidade criminal individual.
“É muito complicado porque agora o Ocidente, os Estados Unidos em particular, querem fazer parecer que Netanyahu é o problema, porque estamos falando de responsabilidade individual”, disse ao Brasil de Fato.
“Isso os encurrala. Coloca-os sob enorme pressão internacional e faz com que [Israel] pareça um Estado pária. Não estamos falando de dois indivíduos aleatórios em Israel, mas sobre os principais líderes do estado, que moldam as políticas estatais. Netanyahu não caiu de paraquedas ou por meio de golpe militar, ele venceu eleições e se houver novas eleições, ele poderá vencer novamente.”
O Tribunal Penal Internacional (TPI) é a corte permanente de justiça global. Sua missão é “julgar pessoas acusadas de cometer crimes de genocídio, guerra, agressão e crimes contra a humanidade”. O TPI não julga ações cometidas por Estados, mas por indivíduos.
Por outro lado, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) é o principal órgão judicial das Nações Unidas. Sua principal função é resolver disputas entre Estados. Desde janeiro, devido a uma queixa apresentada pela África do Sul, a CIJ está investigando o Estado de Israel por cometer “crimes de genocídio” contra o povo palestino na Faixa de Gaza.
Segundo Imran, o fato de o ministro Benny Gantz, que atua no gabinete de guerra desde o início do conflito com o Hamas, não ter sido acusado pelo promotor, corrobora com a ideia de isentar o Estado israelense das acusações.
“Gantz é um criminoso de guerra e tão culpado quanto Netanyahu ou Gallant, contra os quais foram pedidos mandados de prisão. Ele fez declarações genocidas, mas seu nome não consta nas ordens de prisão. Muitos observadores indicaram que isso poderia estar relacionado ao fato de os Estados Unidos o verem como substituto de Natanyahu e quererem seu nome ‘limpo’. Mas a Corte reitera que age independentemente dos Estados, então isso demanda uma explicação da Escritório do Procurador (OTP – Office of the Prosecutor) para o fato de Gantz não ter sido incluído”
Em declarações no sábado (18/05), o ministro do gabinete de guerra ameaçou abandonar a coalização do governo, caso um plano pós-guerra para a Faixa de Gaza não seja aprovado até 8 de junho. “Se escolhermos o caminho dos fanáticos e levarmos toda a nação ao abismo, seremos forçados a renunciar ao governo”, declarou Gantz.
Entenda o caso
Após mais de 200 dias de guerra entre Israel e Hamas, o procurador do tribunal com sede em Haia informou em um comunicado que apresentou pedidos para ordens de prisão contra Netanyahu e seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, por crimes como “matar deliberadamente os civis de fome”, “homicídio doloso” e “extermínio e/ou assassinato” na Faixa de Gaza.
“Afirmamos que as acusações de crimes contra a humanidade foram parte de um ataque generalizado e sistemático contra a população civil palestina, para cumprir uma política de Estado. Segundo as nossas conclusões, alguns destes crimes continuam sendo cometidos”, declarou Khan, em referência aos líderes israelenses Netanyahu e Gallant.
Se o tribunal emitir a ordem, qualquer um dos 124 Estados-membros do TPI deveria deter Netanyahu caso ele entrasse em seu território. Isto poderia impedir algumas viagens de Netanyahu, mas o tribunal internacional não tem força para garantir o cumprimento das suas ordens, o que significa que a aplicação da medida depende dos países-membros.
O governo de Israel, que não faz parte do TPI, chamou o pedido de “vergonha histórica”.
O Estado de Israel não faz parte do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional e não reconhece sua jurisdição. No entanto, em seu relatório, os juristas do painel de especialistas no qual a Promotoria do TPI se baseou para emitir seu relatório observam que “O TPI tem jurisdição sobre cidadãos israelenses, palestinos ou outros que cometeram crimes em Gaza ou na Cisjordânia. Ele também tem jurisdição sobre cidadãos palestinos que cometeram crimes no território de Israel, embora Israel não seja um Estado Parte do TPI”.
Isso se deve ao fato de o tribunal ter jurisdição em relação aos crimes cometidos no território da Palestina, incluindo Gaza, desde 13 de junho de 2014.
“A base para a jurisdição do Tribunal é que a Palestina, incluindo Gaza, é um Estado para os fins do Estatuto do TPI. A Câmara de Pré-Julgamento do TPI já decidiu que a jurisdição do Tribunal se estende à Palestina, como um Estado Parte do Estatuto do TPI, com base nisso” aponta o relatório do painel de especialistas convocado pelo Tribunal Penal Internacional.
Os pedidos de prisão de Netanyahu têm se intensificado no momento em que o número de vítimas fatais palestinas ultrapassou a marca de 35 mil pessoas e o governo israelense insiste na operação militar em Rafah, que já causou o deslocamento de mais de 600 mil palestinos.
Na última quarta-feira (15/05), o pedido de prisão do primeiro-ministro de Israel esteve entre as principais reivindicações nos protestos pró-Palestina que percorreram o mundo, no dia em que completaram 76 anos da Nakba, episódio conhecido como “catástrofe” palestina, com o deslocamento de centenas de milhares de palestinos após a criação do Estado de Israel em 1948.
A prisão de Netanyahu também tem sido demandada por líderes políticos, como o presidente colombiano Gustavo Petro.