Previsto para ter sido realizado nesta segunda-feira (17/11), foi adiado para junho de 2015 o julgamento dos 16 camponeses acusados de ter responsabilidade pela morte de seis policiais no chamado massacre de Curuguaty.
Na data da nova audiência, serão completados três anos da episódio que resultou na morte de 17 pessoas, sendo 11 camponeses e seis policiais. O fato foi utilizado pela oposição paraguaia para justificar o julgamento político, ou impeachment, do então presidente Fernando Lugo, em 22 de junho de 2012.
Agência Efe
Camponeses fazem ato para pedir que presidente Horacio Cartes entregue terras em litígio em Curuguaty
Para justificar o adiamento, o presidente do Tribunal de Sentença de Salto del Guairá, Ramón Trinidad Zelaya, disse que faltaram veículos, combustível e pessoal suficiente para entregar as mais de 50 notificações para as testemunhas do julgamento.
Esta é a segunda vez que o julgamento é adiado. A primeira ocorreu em junho deste ano. A justificativa utilizada pelo tribunal foi de que, antes do procedimento, seria necessário esclarecer algumas contradições relativas à propriedade da terra, reivindicada tanto pelo Estado, como pelo empresário Blas Riquelme.
Em junho de 2015, os camponeses completarão três anos de prisão preventiva. Entre os 16 detidos, apenas um não cumpre a pena em regime domiciliar. Rubén Villalba, líder dos Carperos, organização de camponeses sem terra do Paraguai, está em reclusão na prisão de Tacumbú, Assunção.
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Os acusados pelo massacre ocorrido durante a reintegração de posse são todos camponeses sem terra. Contra eles, pesam acusações de homicídio doloso, homicídio em grau de tentativa, atentado contra a integridade física, lesão grave, associação criminosa, coação, coação grave e invasão de imóvel alheio.
“Essa suspensão não nos beneficia em absoluto. Os acusados têm filhos, esposas, mães e pais que convivem com isso todos os dias e estão em uma situação realmente difícil porque não podem dispor de recursos para sustentar suas famílias e, agora, deverão esperar mais oito meses. A situação, agora, é caótica, diria calamitosa”, afirmou o advogado dos camponeses, Vicente Morales, à agência Miradas al Sur.
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O caso foi instruído pelo promotor Jalid Rachid, filho de Blader Rachid Lichi, ex-presidente do Partido Colorado, assim como Blas Riquelme, dono da empresa Campos de Morombí, que solicitou o despejo das terras onde estavam os sem-terras. Para formular as imputações, Rachid se baseou no testemunho de 84 policiais e nenhum camponês, como explica Federico Larsen em artigo na agência Miradas Sur. A morte dos trabalhadores também não está sendo investigada, apenas a dos policiais.
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“Nós não somos contra a investigação das mortes dos policiais, mas pensamos que também precisam ser apuradas as mortes dos camponeses”. Até o momento, somente os trabalhadores rurais foram condenados pelo massacre. “Tem que investigar quem matou quem. Nós camponeses, temos poucos recursos e somente nós fomos presos e processados”. “No total, 43 pessoas estão sendo processadas por algum envolvimento na morte dos policiais”, disse Martina Paredes, em entrevista a Opera Mundi.
Contradições
A reconstrução dos fatos apresenta algumas contradições. Segundo o promotor, os 50 camponeses teriam feito uma armadilha para mais de 300 policiais armados, com a finalidade de assassinar seis integrantes da força pública. “Isso é absolutamente absurdo”, assegurou Morales a respeito.
Ele acrescenta ainda que “os policiais eram mais de 300, com metralhadoras, helicópteros, escopetas e granadas. E os camponeses não eram mais do que 50”. E ressaltou que “nós queremos um julgamento justo, mas sabemos que vai ser uma sentença marcada. Os camponeses têm uma condenação prévia”.
“Qué pasó em Curuguaty?“
A pergunta sobre o que aconteceu em Curuguaty segue pertinente no Paraguai. Até o momento, não há respostas sobre os responsáveis pelo massacre e diversas denúncias sugerem que os camponeses não foram cumpados pelas mortes dos policiais.
Hugo Valiente/ Qué Pasó En Curuguaty
Manifestação durante primeiro aniversário do massacre, nas terras reapropriadas
Os 2 mil hectares da terra foram doados em 1967 para a Armada do Paraguai pela empresa Industrial Paraguaya. Em 2004, a terra foi transferida oficialmente ao Indert (Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural e da Terra). “É quando o Poder Executivo, através de um decreto, declara o terreno de interesse social, e se destina para reforma agrária”, como explicou Ignácio Vera, ex-diretor regional do organismo à agência Pública.
Pouco depois a empresa Campos Morumbi entrou com um pedido de usucapião – e o pedido foi acatado na Justiça. De acordo com livro publicado pela agência Pública, Blas Riquelme entrou com outro pedido na Justiça, para transformar o terreno – totalmente desmatado e com plantações de soja – em uma reserva natural. Este pedido também foi acatado, e o terreno foi registrado como “Reserva Natural Campos Morumbi”.
“Agora, as famílias não conseguem [que esta terra seja destinada à reforma agrária] porque está em uma reserva natural. Mas sabemos que ali se planta soja”, disse Martina.