Sexta-feira, 4 de julho de 2025
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Apesar dos territórios zapatistas serem controlados autonomamente, sem intervenção e muitas vezes sem presença do governo oficial, eles não são compostos apenas por apoiadores do movimento.

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Em todas as comunidades, em maior e menor grau de intensidade, integrantes e bases de apoio do EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional) convivem com pessoas que já o abandonaram ou que nunca fizeram parte.

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Em alguns contextos e momentos, essa convivência é bastante tensa, como tem sido recentemente no “caracol” — estrutura de governo local — La Realidad, no qual foi assassinado o zapatista Galeano em 2 de maio.

Neste caso específico, os conflitos aconteciam entre zapatistas e membros da organização Central Independiente de Obreros Agrícolas y Campesinos Histórica (CIOAC-H).

O estopim teria acontecido por conta de discordâncias em relação ao transporte, já que ambos os grupos operavam vans e camionetes pela região. Durante o impasse, o CIOAC-H confiscou veículos zapatistas.

Buscando conciliação, a respeitada organização de direitos humanos Fray Bartolomé de las Casas propôs mediar uma rodada de negociação entre os dois lados, no interior de La Realidad. Segundo o centro e os zapatistas, sem acordo, os representantes do CIOAC-H saíram do local, deixando uma de suas lideranças para trás, como garantia de um prometido retorno.

Em seguida, voltaram armados, acusando os zapatistas de terem mantido o homem sequestrado. Houve confronto. Quinze zapatistas foram feridos, a clínica e a escola mantidas pelo movimento foram destruídas e José Luís Solís foi assassinado com três tiros.

Em 17 de maio, seis pessoas foram detidas e prestaram depoimento em Tuxtla Gutierrez, capital de Chiapas. Porém, para os zapatistas, isso é insuficiente para se garantir justiça, uma vez que outros escalões de poder estariam envolvidos na morte de Galeano.

“A morte do professor Galeano aconteceu em um momento em que o zapatismo havia retomado uma nova iniciativa de luta, uma nova etapa que iniciou em 21 de dezembro de 2012 com o comunicado “Escutaram?” e continuou com a experiência da Escuelita, onde simpatizantes tanto nacionais quanto internacionais presenciaram dentro das comunidades como é o exercício da autonomia rebelde”, avalia o pesquisador Waldo Lao Fuentes.

Ataques de baixa intensidade planejados pelo governo mexicano continuam, geralmente executados por organizações paramilitares no território zapatista

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Passados os dias de embate frontal entre tropas do governo e zapatistas em 1994, e as novas ofensivas federais realizadas em 1995, a guerra entre o EZLN e o poder “dos de cima” passou para uma etapa de baixa intensidade – mantida até hoje. Com o cessar-fogo e o posterior fracasso das negociações, oficialmente o conflito está “suspenso” mas não resolvido, apesar das inúmeras promessas de políticos. Um deles foi o ex-presidente Vincente Fox, que, ao tomar posse em 2000, declarou que acabaria com os problemas com os zapatistas “em 15 minutos”.

Com a eleição de Enrique Peña Nieto, do direitista PRI, as ações de ataque de baixa intensidade, geralmente levadas a cabo por organizações paramilitares, passaram a se combinar com outros tipos de intervenção governamental nos territórios zapatistas. Para Fuentes, a morte de Galeano se insere numa lógica de contra-insurgência que nunca foi abandonada desde 1994. “A isso se somam outros mecanismos que o governo tem utilizado para tentar romper com a autonomia zapatista, seja mediante a aplicação de políticas e projetos assistencialistas, seja pela compra de líderes e organizações”, prossegue.

Agressão premeditada

Criadas em 2003, as Juntas de Bom Governo (também conhecidas como caracóis), que organizam a estrutura de poder rotativo, voluntário e exercido desde baixo nas comunidades chiapanecas, estão localizadas em cinco regiões do território controlado pelo EZLN. A primeira delas é também a de mais difícil acesso: denominada La Realidad “Mãe dos caracóis, mar dos nossos sonhos”, é retratada no filme Corazón Del Tiempo, e está a cerca de 10 horas de serpenteante viagem a partir de San Cristobal de las Casas.

Reprodução/Twitter

“Galeano Vive! Viva a luta zapatista!”, diz pixação em muro de Atenas, Grécia. Houve uma mobilização mundial após morte do insurgente

Fuentes, que destaca que La Realidad é um dos “bastiões do coração zapatista”, tendo inclusive refugiado o Subcomandante Marcos durante o período de clandestinidade do movimento, avalia que a “emboscada na qual Galeano foi assassinado foi planejada e não produto de um conflito intercomunitário, como foi divulgado por alguns meios e pelo governo”.

Essa é a versão também da Comandância Geral do EZLN. Em um discurso de quase 50 minutos durante as cerimônias do dia 24 de maio, o Subcomandante Moisés acusou o governo estadual, encabeçado por Manuel Velasco, e o governo federal, de envolvimento na morte. Em comunicado publicado em 9 de maio, Marcos já havia apontado que se tratava de uma “agressão planejada com antecipação, organizada militarmente e levada a cabo de forma torpe e premeditada. E é uma agressão inscrita em uma clima criado e estimulado desde cima”, acusou, apontando a implicação das “direções da chamada CIAOC histórica, o Partido Verde Ecologista (nome com o qual o PRI governa em Chiapas), o PAN e o PRI”.

José Luís Solís Lopez, o Galeano, havia entrado no EZLN antes de 1994, e esteve entre os organizadores da Escuelita zapatista. Segundo o jornal El Universal, esteve nos combates no município Las Margaritas no primeiro dia de levante, onde morreram seu irmão, Mariano Jorge Solís, e mais dois insurgentes, sendo um deles o Subcomandante Pedro, figura sempre lembrada pelas cerimônias e memoriais zapatistas. 

Também de acordo com o jornal, já havia um histórico de atritos entre Galeano e membros da CIOAC. Marcos expressou no comunicado de 9 de maio que “uma mulher dos contras chegou a contar que tudo foi planejado e o que plano era atacar Galeano”.

Solidariedade internacional

Conhecido por suas fortes conexões internacionais, reforçadas com o projeto da Escuelita, o movimento zapatista recebeu uma série de manifestações de solidariedade e apoio vindas do mundo inteiro de parte de intelectuais, artistas e movimentos sociais.  O dia 24 de maio foi convocado como momento internacional de ações de apoio, que foram realizadas em países como Alemanha, Argentina, Austrália, Estados Unidos, Espanha, Grécia e Itália, entre outros.

No Brasil, participantes da Escuelita se uniram a movimentos sociais e lançaram o comunicado “Galeano vive!”, que foi acompanhado de três ações realizadas na cidade de São Paulo entre 22 e 31 de maio. Entre os signatários do texto estão movimentos como o Centro de Mídia Independente (CMI), o Comitê Popular da Copa SP, o Movimento Mães de Maio e o Movimento Passe Livre (MPL) de São Paulo. Em Porto Alegre também foram realizadas atividades.

Autor de Veias abertas da América Latina e inspirador do codinome adotado por José Luis Solís, o escritor uruguaio Eduardo Galeano declarou ao site Desinformémonos: “tomara que esse outro Galeano não tenha morrido em vão. De todas as formas, eu o continuarei”.

Segundo Marcos, em seu último pronunciamento, o anúncio do desaparecimento de seu “personagem” já vinha sendo pensado e planejado há algum tempo pelos zapatistas, que “esperavam o momento indicado: o calendário e a geografia precisos”. “Então chegou Galeano com sua morte a nos marcar a geografia e o calendário: aqui em La Realidad; agora: na dor e na raiva”.