A advogada de Víctor Óscar Martínez, desaparecido durante três dias na Argentina, afirmou que seu cliente foi mantido em um quarto, e drogado com uma substância que o impedia de caminhar corretamente. Martínez foi encontrado na madrugada desta quinta-feira (21/04), poucas horas depois de que a presidente Cristina Kirchner acionasse todas as forças de segurança do país para encontrá-lo.
Testemunha-chave no processo de investigação da morte do bispo Carlos Ponce de León, durante a última ditadura militar do país (1976-1983), Martínez, de 52 anos, foi visto pela última vez na tarde de segunda-feira (18/04), quando saiu de casa em direção a um cartório, ao qual nunca chegou.
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Gabriela Scopel, advogada da testemunha, afirmou à Télam, agência oficial de notícias da Argentina, que Martínez “estava muito confuso e balbuciante” ao ser encontrado. Segundo ela, entre as poucas coisas que a vítima pôde relatar sobre o sequestro foi “que o mantiveram em um quarto, que lhe trataram bem, que não bateram nele, que lhe deram comprimidos e que diziam o que ele tinha que dizer”.
Gabriela precisou também que Martínez foi encontrado na noite de ontem no bairro portenho de Caballito, de onde conseguiu chamar sua esposa, quem havia denunciado sua falta. De acordo com ela, “alguém fez a gentileza” de deixá-lo em uma delegacia do bairro, de onde foi encaminhado a um hospital para a realização de exames médicos para identificar a substância ingerida durante os dias de sequestro.
Desaparição
Na tarde desta quarta-feira (20/04), antes de que a testemunha fosse encontrada, o governo argentino anunciou um plano de busca de Martínez e colocou à disposição do público um telefone gratuito do ministério de Segurança, convocando a população a contribuir com qualquer dado sobre seu paradeiro.
“Não temos nenhuma hipótese, mas tampouco descartamos nenhuma”, afirmou Julio Alak, ministro de Justiça e Direitos Humanos, sobre a desaparição, que classificou como “um fato altamente preocupante”.
Aos 52 anos, Martínez é o único sobrevivente que presenciou a morte do bispo Carlos Ponce de León, em julho de 1977, quando o religioso se digiria da localidade de San Nicolas a Buenos Aires para denunciar, ao representante do Vaticano na Argentina, o desaparecimento de cidadãos durante o governo militar, iniciado um ano antes.
As provas do acidente de carro em que ambos viajavam desapareceram durante a investigação do mesmo, Martínez afirmou que o bispo tinha sido ameaçado pelo coronel Fernando Saint Amant, hoje acusado de crimes contra a humanidade durante o período ditatorial.
Antecedentes
A desaparição de testemunhas é motivo de grande preocupação entre as organizações de Direitos Humanos, principalmente após o início, em 2005, dos julgamentos de militares acusados de crimes durante o regime militar. Em 2006, pleno período democrático, o pedreiro Júlio López desapareceu após depor contra Miguel Etchecolatz, primeiro militar acusado de crimes de lesa humanidade e condenado à prisão perpétua.
Já em Córdoba, denúncias de ameaças a testemunhas foram se acumulando ao longo dos meses de audiências do julgamento que levou à condenação do ex-ditador Jorge Rafael Videla e outros 30 militares e policiais, por assassinatos e torturas em um centro clandestino de detenção e extermínio, em 1976.
“Ligaram para um ex-preso político e disseram que iam matar alguns de nós antes do dia do veredicto”, relatou ao Opera Mundi, às vésperas da conclusão do julgamento, Claudio Orosz, advogado que representava os familiares querelantes. Orosz foi diversas vezes ameaçado, assim como outros ativistas.
Como resposta, os ameaçados terminaram criando um sistema próprio de prevenção: “Sempre ligamos uns para os outros para saber se está tudo bem”, afirmou Juan Carlos Álvarez, da Associação de ex-Presos Políticos de Córdoba. “O recurso deles é o uso da violência, como sempre fizeram”, desabafou.
Proteção a testemunhas
Devido às ameaças aos envolvidos nos processos, o ministério de Segurança conta com medidas de proteção às testemunhas. No caso de Córdoba, o Corpo Especial de Proteção à Testemunha aumentou sua equipe nos meses que antecederam o julgamento de Videla para custodiar membros de organizações de Direitos Humanos relacionados ao processo.
“As testemunhas solicitam custódia geralmente porque temem por sua integridade e a de sua família, por possíveis atentados que possam sofrer. Para a prevenção, oferecemos proteção integral, à qual a testemunha pode recorrer voluntariamente”, explicou o major Nicolás Tobares, chefe do organismo de proteção.
Segundo Alak, não houve proteção à testemunha recém-encontrada, Víctor Óscar Martínez, devido à falta de solicitação do mesmo ou de autoridades. “Ele não estava incorporado às medidas de assistência ou segurança do Ministério de Justiça, dado que não houve nenhum requerimento judicial a respeito”, explicou.
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