O estacionamento da Universidade Iberoamericana de Santa Fé, no noroeste da Cidade do México, está repleto de carros de luxo. São muitas Mercedes Benz, Audi, BMW. É raro encontrar um Tsuru Nissan, o mais usado como táxi no México.
A estrutura da universidade jesuíta é elegante e acolhedora, um espaço concebido para o estudo e a pesquisa, onde os filhos da elite mexicana encontram o lugar perfeito para se formar e tornarem-se, eles mesmos, a classe dominante.
Foi nesse cenário improvável que nasceu, em 11 de maio de 2012, o movimento #YoSoy132, uma resposta tão imediata quanto poderosa à campanha eleitoral do candidato do PRI (Partido Revolucionário Institucional), Enrique Peña Nieto, e dos meios de comunicação mais importantes do país, que, em sua maioria, o apoiam mais ou menos explicitamente.
Rafael Stédile/Opera Mundi
O Movimento #YoSoy132 começou como um protesto na tradicional universidade Iberoamericana; hoje é um movimento organizado e espalhado pelo país
Nesta data, os estudantes da Ibero perseguiram o candidato ‘priista’, que teve de se esconder em um banheiro e sair pela porta dos fundos, cercado de protestantes exaltados, filhos da elite, que ele e seu partido consideravam muito amigáveis. Assim, começou a se organizar um movimento heterogêneo e atípico em todo o país, que surpreendentemente embaralhou as cartas da campanha eleitoral, conseguindo despertar em muitos setores jovens interesse e participação política inesperados.
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“Nós também fomos surpreendidos com o que aconteceu aqui em 11 de maio, ninguém esperava”, diz Rosana Holschneider, que estuda Comunicação na Ibero. “Na verdade, pensei que seríamos os de sempre, um grupinho de poucas pessoas, os mais sensíveis a certas questões, mas não. Foi incrível, ver centenas de companheiros se conscientizando. Àqueles que antes eu parecia um pouco estranha, porque estava sempre envolvida nos movimentos sociais, e do seu ponto de vista de jovens privilegiados não entendiam ou não compartilhavam a minha posição, depois de 11 de maio começaram a se aproximar. Foram tocados pela dúvida, que é um elemento essencial à capacidade crítica.”
Os estudantes privilegiados são filhos de famílias que podem pagar 700 mil pesos (mais de 50 mil dólares) por uma faculdade.
No movimento, há muitos estudantes que se posicionam contra os interesses de suas próprias famílias, para se opor a um sistema político e de informação corrupto e violento. São os mesmos estudantes de universidades como a Ibero que começaram a tomar a palavra para questionar uma classe política que levou o país a uma guerra que provocou 60 mil mortes e milhares de desaparecidos.
“Nós temos uma responsabilidade neste momento”, diz Victor Máximo, sentado em uma sala de reuniões à disposição dos estudantes de Comunicação. “Temos que dar voz aos que não são ouvidos. Aqueles que estudam aqui ou em qualquer universidade como esta são privilegiados. Quando confrontamos o candidato do PRI em nossa universidade para exigir a verdade, estávamos conscientes de que o que estava acontecendo teria consequências importantes. Não é a mesma coisa se isso acontece na UNAM, onde é muito comum haver protestos assim, ou entre os jovens ricos da Ibero.”
Rafael Stédile/Opera Mundi
O movimento é manifestadamente contra a candidatura do candidato do PRI, Enrique Pèña Nieto
Victor se define como um grafiteiro. É bolsista da universidade e não vem de família rica. Há mais de 11 anos colabora como voluntário com os jesuítas em atividades sociais nos bairros mais pobres para a recuperação de jovens por meio das artes. Antes de estudar comunicação, considerou uma carreira em artes visuais no Instituto Nacional de Bellas Artes.
“O que houve aqui não é ocasional, a diferença da Ibero é que seu trabalho é humanista. O que está acontecendo é uma dor que afeta a todos, não podemos ser indiferentes ao que se passa ao nosso redor, e isso os filhos dos ricos também entendem.”
Rosana fala apaixonadamente de seus companheiros. “Peña Nieto pensou que encontraria aqui pessoas quietas, desinformadas. Ao contrário. Sabíamos tudo sobre Atenco, onde, por responsabilidade dele, houve uma repressão tremenda em 2006. Sabemos o que fez o PRI em sua história de 70 anos de repressão, e estávamos cansados. Ele não só não esperava o que aconteceu aqui, como não consegue entender. Não tem as ferramentas para entender, assim como nossos pais. Nós vivemos em um contexto mais horizontal, no qual as informações não chegam somente pela Televisa. As redes sociais nos ajudam a ter uma visão mais crítica, a cultivar a dúvida.”
O pai de Rosana considera que o movimento terá pouca importância, que não vale a pena comentar, enquanto a sua mãe tenta compreender algo que está fora do alcance das gerações anteriores. “É que eles não conseguem entender como você pode sair de certos padrões de conforto, que já estão tatuados na pele deles. Não podem ser removidos.”
Intimidação e agressões
O abalo provocado pelos participantes do movimento #YoSoy132 e a dúvida que se difundiu são tão grandes que os partidos tomaram a iniciativa para combater o movimento. Vários estudantes foram ameaçados, intimidados, não somente da Ibero, mas também de outras universidades. “Alguns companheiros nem sequer denunciaram, mas foram ameaçados dentro desta universidade”, afirma Victor. “Quando veio a candidata do PAN, Josefina Vazquez Mota, pessoas de sua campanha ameaçaram os estudantes que protestavam, dizendo que se continuassem tumultuando haveriam consequências, porque estavam tirando fotos de todos.”
Em outros estados, onde há menos atenção por parte dos meios de comunicação, jovens universitários foram agredidos por membros do PRI, e no estado de Veracruz, durante manifestações nos últimos dias, alguns estudantes foram detidos. Dois deles estão desaparecidos.
Rafael Stédile/Opera Mundi
“Sabemos o que estamos fazendo”, diz Rosana, tranquila. “Não é um jogo, é uma luta pela democracia. E não é apenas para que os meios de comunicação sejam mais transparentes e honestos, como sustenta uma ala do movimento, mais conservadora. Sobre a mesa, está também o direito ao acesso à educação, a avaliação do sistema político e eleitoral, dar voz e garantir proteção aos movimentos sociais. Vai muito além das opções políticas. Queremos uma mudança na mentalidade e na estrutura da população.”
Uma mudança que a classe política parece não compreender. Durante a visita à Ibero, os homens do Peña Nieto ofereciam 250 pesos (em torno de 20 dólares) aos estudantes para não fazerem perguntas “incômodas” ao candidato, em uma universidade em que o estacionamento custa 50 pesos por dia. Também tiravam os cartazes dos estudantes para que não se manifestassem.
“Nossa intenção é mudar o país, mas mudá-lo para o bem”, afirma Rosana. “As eleições são um passo, mas o ponto é fazer o possível para que as vozes que não são ouvidas encontrem seu espaço. Não queremos aqui dizer às pessoas para falarem sim ou não ao Peña Nieto. Isto é justamente o que criticamos na classe política e nos meios de comunicação de massa. Não podemos assumir a postura de um partido político e manipular as pessoas para votar em quem quer que seja. Tem pessoas que me perguntam em que vou votar e ‘por que quis fazer isso?’, vai contra tudo o que acredito. Me dizem, agora têm influência sobre as pessoas, e eu digo, sim, tanto compreendo isso que não vou dizer em quem vou votar. Nós estamos lutando pelo voto informado. Esta é a única semente de democracia que nos entregam e querem que façamos do seu jeito!”.
Ao sair da Ibero, é preciso passar por Santa Fé, uma das regiões mais ricas da cidade, cercada de bairros pobres, distantes anos-luz do que se estuda nessa universidade. Talvez o movimento #YoSoy132 não consiga transformar o país, mas com certeza representa o que há de mais interessante nesta disputa eleitoral sem novidades.