Agência Efe
“Não em nosso nome”: Sul-africanos em marcha contra a violência xenófoba em Johannesburgo nesta quinta-feira (23 de abril)
A cada explosão de violência xenófoba na África do Sul, o refrão é sempre o mesmo: “Os kwerekwere [estrangeiros negros que vivem no país] estão roubando nossos empregos”.
Lojas são incendiadas, ruas são bloqueadas, barricadas são formadas. Pessoas são atacadas e assassinadas. Multidões cercam somalis, moçambicanos, zimbabuanos, paquistaneses e bangladeshis, suas casas e seus meios de sustento.
A alegação de que “estrangeiros” estão roubando o emprego de sul-africanos “é um argumento recorrente”, diz o professor Loren Landau, diretor do Centro Africano sobre Migração e Sociedade (ACMS, na sigla em inglês), na Universidade de Witwatersrand, em Johannesburgo. “Como se isso justificasse a violência e os assassinatos.”
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Declarações de autoridades governamentais pouco fizeram para acalmar as tensões.
Nas semanas que precederam a última onda de violência xenófoba no país, o ministro de Águas e Saneamento, Nomvula Mokonyane, comentou em sua página no Facebook que em Kagiso, uma favela em Johannesburgo, “quase todas as lojas e mercearias pertencem a pessoas de origem somali ou paquistanesa. Não sou xenófobo, amigos, mas essa é uma receita para o desastre.”
No fim de janeiro, a ministra de Desenvolvimento de Pequenas Empresas, Lindiwe Zulu, declarou a um jornal sul-africano que “estrangeiros têm que entender que estão aqui de favor, e que nossa prioridade são as pessoas da África do Sul. Eles não podem forçar a entrada e compartilhar o mercado com pequenos empresários locais.”
“A ideia que as pessoas estão ‘roubando’ empregos e que não têm direito de estar aqui deve ser corrigida”, diz Zaheera Jinnah, antropóloga e pesquisadora na ACMS.
Mitos e mal-entendidos se espalham com rapidez. Mas os dados apresentam um panorama muito mais complexo sobre o que significa ser migrante originário da África e da Ásia e tentar criar uma nova vida na África do Sul.
O Consórcio de Pesquisa Migrando por Trabalho (MiWORC, na sigla em inglês), organização que analisa as migrações e seu impacto no mercado de trabalho da África do Sul, divulgou no ano passado dois estudos que examinam dados coletados pelo centro de estatísticas sul-africano em 2012.
Eles concluíram que 82% da população trabalhadora entre 15 e 64 anos na África do Sul são “não-migrantes”, 14% são “migrantes domésticos” que se deslocaram entre províncias nos últimos cinco anos e apenas 4% podem ser classificados como “migrantes internacionais”. Com uma população trabalhadora oficial de pouco mais de 33 milhões de pessoas, apenas 1,2 milhão delas são migrantes internacionais.
Uma análise racial das estatísticas revela que 79% dos migrantes internacionais são negros africanos, 17% são brancos e cerca de 3% são asiáticos.
Jinnah diz que há mal-entendidos sobre o tamanho da comunidade de trabalhadores estrangeiros na África do Sul. “Há um abismo entre a percepção e a realidade, principalmente porque não havia dados disponíveis até pouco tempo atrás sobre isso. Então muito do que tem sido dito e reproduzido se baseia em mitos.”
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Agência Efe
“A diversidade nos torna mais fortes; abaixo a discriminação”: Sul-africanos em marcha contra a violência xenófoba em Johannesburgo nesta quinta-feira (23 de abril)
O MiWORC concluiu que a província de Gauteng, onde se situa Johannesburgo, tem a maior proporção de trabalhadores estrangeiros: 8%. Limpopo e Mpumalanga vêm em seguida, com 4% de estrangeiros, seguidas pelo Nordeste (3%), Cabo Ocidental (3%), Free State (2%), Cabo do Norte (1%), Cabo Oriental (1%) e KwaZulu-Natal (1%).
Trabalhadores estrangeiros têm mais chances de estarem empregados do que trabalhadores sul-africanos. Segundo os dados do MiWORC, a taxa de desemprego entre migrantes internacionais no país é menor do que entre outros migrantes e população local. Algo insólito, visto que, na maioria dos outros países, a taxa de desemprego tende a ser maior entre migrantes internacionais do que entre locais.
Os dados sobre o desemprego na África do Sul mostram que 26,16% de não-migrantes estão desempregados e 32,51% entre os migrantes domésticos estão sem trabalho. Entre os migrantes internacionais, apenas 14,68% estão desempregados.
No entanto, a maioria deles se encontra em posições instáveis e em condições de emprego precárias. Eles não têm acesso a benefícios trabalhistas ou acordos de trabalho formal.
Migrantes internacionais na África do Sul são mais propensos a aceitar empregos que os locais não estão dispostos a aceitar, ou a buscar emprego no setor informal.
De acordo com a pesquisa MiWORC, 32,65% de migrantes internacionais estão empregados no setor informal na África do Sul, comparados a 16,57% de não-migrantes e 17,97% de migrantes domésticos.
Os estudos sugerem que isso se dá porque o setor informal oferece o menor custo de entrada no mercado de trabalho. A maioria dos migrantes internacionais também vem de países africanos com robusto setor informal.
Ainda de acordo com a pesquisa, trabalhadores estrangeiros são mais propensos a ter seu próprio negócio. Entre eles, 11% empregam mais de uma pessoa e 21% são classificados como autônomos. Entre os não-migrantes e migrantes domésticos, apenas 5% empregam mais de uma pessoa, e 9% dos não-migrantes e 7% dos migrantes domésticos são autônomos.
No fim de 2014, o Observatório da Região e da Cidade de Gauteng – projeto colaborativo entre a Universidade de Witwatersrand, a universidade de Johannesburgo e o governo da província – conduziu uma pesquisa sobre o setor informal em Johannesburgo.
Sallly Peberdy, pesquisadora do Observatório, diz que a crença de que trabalhadores estrangeiros dominam o setor informal é falsa. “Vimos que menos de duas em cada dez pessoas que chefiavam seu próprio negócio no setor informal eram estrangeiras.”
Ela argumenta que trabalhadores estrangeiros têm um papel positivo na África do Sul. “Evidências mostram que eles contribuem para o país e para sul-africanos através da geração de empregos, do pagamento de alugueis e de impostos e ao prover itens úteis para a população, em geral a bom preço.”
O estudo do Observatório concluiu que 31% dos 618 trabalhadores estrangeiros entrevistados alugam propriedades de sul-africanos. Coletivamente, eles empregam 1.223 pessoas, das quais 503 eram sul-africanas.
Matéria originalmente publicada no site da Africa Check, organização que se dedica a prover dados para o debate público sobre questões pertinentes ao continente africano.