A Líbia encara neste momento um importante período de transição. Após a captura e morte do ex-líder do país, Muamar Kadafi, no último dia 20 de outubro, o CNT (Conselho Nacional de Transição) já afirmou que o país terá eleições e uma Constituição será formada, em um período total de 20 meses. Segundo o professor líbio Ali Abdullatif Ahmida, chefe de Departamento de Ciência Política na Universidade de New England, nos Estados Unidos, o país tem apenas dois caminhos daqui em diante: ou a Líbia “avança e se estabelece como um modelo de nação civilizada ou acabará ainda mais fragmentada, gerando mais tensão, abusos e conflitos”. “É uma encruzilhada”, completa.
Apesar do discurso oficial de união e reconciliação, Ahmida alerta que a consolidação de um novo regime democrático no país não será nada fácil, por conta dos ressentimentos contra os ex-apoiadores de Kadafi e da relação que o pais manterá com as potências que derrubaram o coronel. “A transição será muito longa e não tão pacífica quanto os demais países imaginam”, garante.
O acadêmico está nos Estados Unidos desde 1980, mas anualmente visita o país de origem. Segundo ele, era possível imaginar que uma revolta ocorreria cedo ou tarde na Líbia. No entanto, Ahmida não esperava que este momento chegaria “tão cedo”.
Nesta entrevista por telefone ao Opera Mundi, o professor analisou as consequências da morte de Kadafi para o futuro recente do país. Além disso, afirmou o que considera ser essencial para que a Líbia se torne uma nação estável nos próximos anos. “Mais do que qualquer outra coisa, o país precisa de reconciliação. Precisa curar suas feridas e unir a população”, disse.
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Como o Sr. analisa a situação do povo líbio após a morte de Kadafi? A população do país está unida?
Sim e não. Mesmo com a morte de Kadafi, ainda há um embate intenso na Líbia. Escrevi em alguns artigos, como para o The New York Times, que muitos líbios são totalmente contra a representação do CNT (Conselho Nacional de Transição).
Três coisas ainda precisam ser resolvidas em meu país antes que se possa pensar em um futuro: posicionar na nova Constituição o papel da religião e os direitos das mulher e estabelecer os limites das relações com os países que empreenderam a intervenção militar estrangeira por meio da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e os Estados Unidos. Esses assuntos devem ser debatidos a partir de agora.
Como se configuram as divisões entre os líbios?
A população líbia está unida, mas há grupos internos que questionam a estrutura do novo governo e como serão as relações da Líbia com os outros países. A morte de Kadafi deve ser analisada de uma forma ampla. Grande parte dos líbios ficou aliviada com a morte dele. São locais onde muitas pessoas foram mortas, mulheres foram estupradas. Essas pessoas acreditam que sua morte representa uma certeza de que uma nova ordem será estabelecida.
No entanto, há uma corrente, e nela estão incluídos professores e pesquisadores líbios vivendo fora do país, como eu, que pensam de outra forma. Kadafi não poderia ter sido morto, e muito menos daquela forma. Mais do que tudo, a Líbia precisa de reconciliação. Tem que curar suas feridas e unir as pessoas. As chances de as coisas piorarem são enormes. Será necessário muito cuidado para unir a população, pois, caso contrário, esse processo será ainda mais longo e poderá ter péssimos resultados.
Em que situação ficam os antigos apoiadores de Kadafi?
Acredito que haverá uma reconciliação e perdão entre esses apoiadores e os membros do CNT. No entanto, há outros grupos que não aceitarão essa trégua. Esses não estão dispostos a conversar, principalmente após a morte de Kadafi. A união desse povo não será possível sem uma reconciliação verdadeira e a habilidade para se perdoar ao invés de punir.
É necessário que haja um verdadeiro comprometimento de ambas as partes para que esse perdão e essa união sejam verdadeiros. Eu acredito que isso pode acontecer até o final de 2012. Neste momento, a Líbia está numa encruzilhada. Ou avança e se estabelece como um modelo de nação civilizada ou acabará ainda mais fragmentada, gerando mais tensão, abusos e conflitos. Isso pode ser evitado, mas as pessoas precisam conduzir o país para este caminho. A transição será muito longa e não tão pacífica quanto os demais países imaginam.
O que a saída das tropas do OTAN representa para a Líbia?
É positiva. O problema é que o país não tem exército nacional. É uma nação muito grande e possui importantes fronteiras, no sul principalmente. Há um problema sério de segurança. Além disso, é gigantesca a quantidade de pessoas com armas fazendo Justiça com as próprias mãos.
Como era a Líbia com Kadafi no poder?
Uma ditadura, claro. Caso alguém não concordasse com ele, era imediatamente considerado suspeito. As instituições oficiais eram fracas e não havia partidos políticos ou associações.
As pessoas que viveram sob essa ditadura estavam frustradas, humilhadas e hoje precisam de um líder que possa organizar todo esse processo. Será complicado, mas não impossível. Eu acredito que a Líbia poderá se tornar um país estável se as lideranças na sociedade civil (intelectuais, advogados, escritores, associação de mulheres) trabalharem duro para estabelecer essas instituições públicas. O problema é que muitas nações agora irão tentar tirar vantagem da ajuda que foi dada ao CNT para derrubar o governo de Kadafi.
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