A justiça belga considerou “infundado” nesta sexta-feira (10/02) o pedido de proibição do livro em quadrinhos “Tintin au Congo” (foto abaixo), ou “Tintim na África”, na versão brasileira. O imigrante congolês Bienvenu Mbutu Mondondo havia entrado com uma ação em uma corte de Bruxelas contra a circulação da obra do falecido escritor belga Hergé, alegando que ela possui conteúdo racista. A decisão é de primeira instância e haverá apelação.
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“O tribunal de Bruxelas considerou que a lei belga contra o racismo não pode ser aplicada caso não exista uma intenção discriminatória”, afirmou Ahmed L’Hedim, advogado de Mondondo. Segundo o tribunal, “visto o contexto da época, Hergé não poderia ter sido acusado de tal intenção”, acrescentou ele.
Mondondo considera a história ofensiva aos congoleses, afirmando que seu conteúdo faz “apologia da colonização e da supremacia da raça branca sobre a negra”. Como alternativa à proibição, ele havia proposto que cada revista tivesse um aviso ou uma explicação no prefácio sobre o contexto da época, como é o caso da edição britânica.
Em sua argumentação, os advogados pediam que os editores “se colocassem no lugar de uma menina negra de sete anos que fosse descobrir esse livro ao lado de seus colegas na escola” e lesse alguns trechos no álbum que descreviam os negos congoleses como “preguiçosos, dóceis ou idiotas” e “incapazes de falarem francês corretamente”.
Por outro lado, o advogado Alain Berenboom, representantes das editoras Casterman e Moulinsart, detentoras do direitos da obra, afirmou que a ação era uma tentativa de ataque à liberdade de expressão e se disse satisfeito com a decisão judicial. “Foi uma decisão sã e plena de bom senso, que se baseia no princípio que uma obra deve ser interpretada segundo seu contexto e comparada com as informações e clichês de sua época”.
Contexto
Georges Prosper Rémi, mais conhecido como Hergé, escreveu “Tintim no Congo” em 1930. A história foi publicada em preto-e branco no ano seguinte por uma pequena editora. Posteriormente é reeditado pela Casterman como mais um capítulo da série “As Aventuras de Tintim”.
Na história, o célebre jornalista Tintim viaja com seu cão Milu à República Democrática do Congo, na época, uma colônia belga. Ele enfrentou gângsters subordinados a Al Capone que tinham como objetivo roubar os minérios do país (no caso, da Bélgica). A história sofreu uma série de modificações em 1946, já no pós-guerra. Além de ser encurtada em até quase a metade por razões editoriais, o autor tratou de retirar uma série de estereótipos comuns à colonização.
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Em um livro-entrevista publicado pela Casterman em 1989, Hergé admitiu que, na época da história original, desenhou os congoleses com o espírito e os preconceitos da época, refletidos como “pensamento católico e burguês”. No entanto, defendeu que o livro fosse lido e interpretado em seu devido contexto histórico. Segundo o advogado das editoras, o autor também reconheceu que, ao escrever o livro, nunca havia saído da Bélgica e conhecia o Congo através de informações de uma imprensa “burguesa e conservadora”, além das histórias contadas por missionários religiosos.
Por sua vez, a editora Casterman e os responsáveis pelos direitos das histórias do personagem argumentaram que a história aborda uma ficção, escrita há mais de 70 anos, e deve ser interpretada como um registro daquela época.
Além da Bélgica, a obra já despertou polêmica em países como Reino Unido, França, Suécia, Dinamarca e Estados Unidos, onde diversos órgãos e autoridades públicas solicitaram sua retirada do mercado ou uma recontextualização.
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