No esforço de frear o crescente uso da internet para atividades relacionadas ao tráfico humano, duas deputadas norte-americanas, a republicana Marsha Blackburn, do Tennessee, e a democrata Carolyn Maloney, de Nova York, enviaram uma carta bipartidária a Larry Page, presidente do Google Inc., dono do maior portal de buscas da rede.
A carta, endereçada no dia 4 de abril, questiona as práticas e políticas da empresa, em especial da divisão Google Adwords, que administra a publicidade, e pede que a empresa descreva seu processo interno para filtrar e prevenir anúncios ligados a tráfico de pessoas. Até o momento, elas não obtiveram qualquer resposta.
As congressistas perguntam ao Google sobre qual porcentagem do lucro da empresa pode ser proveniente de publicidade ligada a essa atividade ilegal.
O objetivo do Congresso é descobrir mais sobre os problemas internos do Google Adwords que podem contribuir para a venda e exploração sexual de mulheres e meninas por redes online de tráfico humano. Caso não responda as questões de maneira satisfatória, a empresa poderá ser submetida a maiores pressões no futuro.
“Como um líder da área de tecnologia, eu encorajo o Google a também ser o líder na luta contra o tráfico de pessoas online,” disse Maloney na ocasião da entrega da carta. “Muitas pessoas acreditam que o tráfico de pessoas é um problema apenas em países estrangeiros, mas as propagandas online têm aberto novos mercados para aproximadamente 100 mil crianças nos Estados Unidos serem exploradas por meio do comércio sexual todo ano, com uma média de idade de 12 a 13 anos”.
Combate
Os esforços de expor os vendedores globais envolvidos com tráfico humano online aumentam na mesmos medida em que à publicidade no Google também cresce; foram mais de 36,5 bilhões de dólares em 2011. Até dezembro de 2012, de acordo com analistas, o crescimento de receita do grupo será de 25,15%.
“Já é hora de dar uma olhada de perto na maior editora de anúncios do mundo – o Google,” disse Phil Cendella, fundador e diretor da The National Association of Human Trafficking Victim Advocates, grupo que trabalha com mulheres e meninas vítimas de tráfico. “O problema é do mundo todo e está crescendo bem debaixo de nossos pés. Os Estados Unidos são um dos maiores consumidores de escravos modernos e de trabalho escravo ilegal do mundo – e isso inclui tráfico sexual.”
“Publicidade online ilícita ameaça mais do que a liberdade na internet: ela nega a mulheres e crianças o direito fundamental à dignidade humana,” diz Marsha Blackburn.
De acordo com a revista americana PCWorld, o número total de empregados do Google ultrapassa 31 mil. A revista Forbes diz que a fortuna pessoal de Larry Page alcança a marca de 16,7 bilhões de dólares, cifras superiores às de Steve Jobs, falecido criador da Apple, ainda que seu salário voluntário oficialmente seja de um dólar por ano.
Para colocar anúncios na maior plataforma online do mundo, basta ao anunciante assistir um tutorial feito pela própria Google Adwords. O alcance dos anúncios é global. “Alcançar pessoas exatamente quando elas estão buscando na Internet pelo que você oferece,” acrescenta o Google na sua descrição online.
Ferramenta antiga
Desde 1995, defensores de direitos humanos alertam que a internet pode ser usada como um veículo para tráfico humano.
“No começo de 1995, havia 200 empresas na internet vendendo ‘serviços eróticos’ e produtos’”, diz um relatório de 2004 feito por Donna M. Hughes, professora na Universidade de Rhode Island e presidente do Programa de Estudos de Mulheres na Universidade. “Em meados de 1995, os clubes de strip tease montaram sites de propaganda, com fotos pornográficas de strippers e mulheres engajadas em prostituição legal como dança no sofá, na mesa, shows no chuveiro e atos de dominatrix,” diz.
“Em agosto de 1995, uma busca no Yahoo mostrou 391 listas com a legenda de “Negócios e Economia: Empresas: Sexo”, onde se encontrava números de sexo por telefone, CD-ROMs adultos, filmes para maiores de 18 anos, softwares adultos, videoconferência ao vivo, passeios de prostituição, serviços de acompanhantes. Um ano depois, existiam 1676 listas. O número quadruplicou em um ano”, complementa a professora.
A caminho da escravidão
Quando Alissa, uma jovem de 16 anos, conheceu seu namorado, muito mais velho, em uma loja de conveniências em Dallas, no Texas, não sabia que sua vida estava a caminho da escravidão.
Anos depois, sua história seria uma das destacadas pelo Relatório de Tráfico de Pessoas de 2011 do Departamento de Estado dos EUA.
“Logo o novo namorado convenceu Alissa a trabalhar como acompanhante, indo com ele a encontros de homens e fazendo sexo por dinheiro. Ele a levou a uma área conhecida por prostituição e depois a forçou a entregar a ele todo o dinheiro que ganhou. Também a obrigou a tatuar seu nome pelo corpo, marcando-a como sua propriedade. Além disso, postou propagandas com fotos dela na internet. Ele alugou quartos de hotel nos arredores de Dallas e forçou-a a fazer sexo com os homens que responderam aos anúncios. Ele mantinha um rifle no armário de seu apartamento. Ameaçou-a e agrediu-a fisicamente em várias ocasiões. Mais tarde, ele se declarou culpado de traficar Alissa,” consta no relatório.
Em 14 de dezembro de 2011, o Google anunciou uma doação de 11,5 milhões de dólares para dez organizações que lutam para “acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas”. Porém, nenhuma delas incluiu em seus esforços qualquer menção sobre as propagandas online do Google e os perigos de sua possível ligação com o tráfico humano.
Uma das dez organizações é o The Polaris Project, cujo diretor executivo é Brad Myles. Myles tem “fornecido consultorias, treinamento e assistência técnica em estratégias anti-tráfico para centenas de públicos”.
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O Slavery Footprint, criado pelo músico Justin Dillon, fundador do grupo abolicionista Call+RESPONSE, também é um dos destinatários da doação. Assim como o The International Justice Mission, fundado em 1997 por Gary Haugen. Haugen trabalha como advogado de direitos humanos para o Departamento de Justiça dos EUA e também coordena a Unidade de Investigação das Nações Unidas em Ruanda, na África.
Comércio legal e ilegal
O Google oferece a várias empresas legítimas um caminho viável para alcançar consumidores globais. Mas também fornece uma plataforma que pode facilmente permitir o sucesso de empresas ilegais. Um vídeo do Google Ads Global Adviser destaca como é fácil “fazer negócio em qualquer lugar”.
Exploração sexual infantil: novos mercados nos EUA
O tráfico de pessoas, em especial o tráfico sexual, não é uma operação de um nível apenas. Traficantes que buscam burlar o sistema podem ter diferentes pessoas trabalhando para eles em vários níveis, e uma rede intricada que posta os anúncios online.
“Entre 2004 e 2008, as queixas de tráfico sexual de crianças originário da internet aumentaram em 1000%. E isso é apenas o número de queixas, não o volume total. Estima-se que, apenas no site Craiglist existam mais de 3,2 milhões de publicações sobre serviços adultos todo ano. Essa seção acabou sendo retirada do ar. Os sites fogem da responsabilidade quando um anúncio em suas páginas resulta em prostituição infantil, estupro e até morte,” continua o documento da audiência no congresso norte-americano.
Depois do Craiglist, o site Backapage.com também veio à tona como uma publicação que tem exposto anúncios relacionados a tráfico sexual.
Em 8 de março de 2012, um processo judicial revelou que o Backpage.com publicou anúncios que mostravam fotografias de uma garota de 15 anos nua; ela havia sido sequestrada, drogada, estuprada por uma gangue e sodomizada antes de ser forçada a prestar serviços de prostituição oferecidos através de anúncios postados no Backpage.com por celular. “O maior fórum de tráfico sexual de meninas menores de idade nos Estados Unidos parece ser um site chamado Backpage.com”, afirmou na época o comentarista do New York Times Nicholas Kristof.
“Com o site Craiglist, e agora com o Backpage.com sob escrutínio público, faz sentido que o Google Adwords esteja com grande visibilidade” afirmou Phil Cenedella, da National Association of Human Trafficking Victim Advocates, em entrevista à Women News Network, parceira da Pública. “É só uma questão de tempo antes que alguma jovem mulher, garota ou garoto que foi traficado online revele publicamente que o anúncio que a vendeu, ou o vendeu, para serviços sexuais estava em uma propaganda paga no Google Adwords”.