Roberto Almeida/Opera Mundi
Gregos citam a Argentina como exemplo a ser seguido pelo país neste momento de crise
Iagus Domenicus, médico voluntário, não acredita como ainda consegue ir à Praça Syntagma. Tenso e de fala rápida, ele explica que depois dos protestos de junho deste ano só existe uma única expressão capaz de condensar o que é esse símbolo da democracia grega. “Zona de guerra”, disse, rangendo os dentes, ao Opera Mundi.
Domenicus faz parte de um grupo de 15 a 20 homens e mulheres, médicos e enfermeiras, que atendem tanto policiais quanto manifestantes que entram em choque a menos de 200 metros do Parlamento da Grécia. São considerados heróis pela população, que não aguenta mais a dor e o ódio que rasgam o próprio país.
Na mesa de plástico improvisada estão gaze, máscaras de gás e medicamentos. Quando o conflito se acirra, dois assistentes saem em busca dos feridos e carregam-nos até a base, na parte inferior da praça. Os primeiros-socorros são feitos ali, no mármore pichado com palavras de ordem contra o governo e a troika (grupo formado por Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu).
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Enquanto Domenicus se preparava para mais um dia de sangue e curativos, Rena Maniou, jornalista desempregada, levantava seu cartaz em frente ao Parlamento grego: “Traitor Samara Get Out [Traidor, premiê Antonis Samaras caia fora]”. Quando a reportagem do Opera Mundi chegou, Rena abriu um sorriso. “Falo sim.” E começou a chorar.
“A Grécia não está à venda. A Grécia ensinou o que é a civilização para o mundo todo. O mundo agora precisa nos respeitar. Os traidores querem comprar a Grécia. Todos os gregos sabem disso”, afirmou, entre lágrimas. “A Grécia é o país mais lindo do mundo”, soluçou.
Pouco depois, os gritos de ordem subiram de volume. Eram militantes do Partido Comunista Grego (EKK, na sigla em grego) e membros da Syriza, a coalizão de esquerda anti-austeridade que faz oposição a Samaras. Os cantos, amplificados por megafones, pedem desobediência. Mas também falam da Argentina.
“Nosso sonho é ser como a Argentina e ver vocês fugindo em um helicóptero”, cantam os gregos. A referência é clara à crise de 2001 que abalou o país vizinho ao Brasil, e à fuga do então presidente Fernando de la Rúa pelo terraço da Casa Rosada. A data, de 21 de dezembro de 2001, é considerada histórica para os gregos.
Explosões e dispersão
Já são mais de 30 greves gerais na Grécia desde 2009. Os protestos desta quarta-feira (7/11) na Praça Syntagma duraram pouco mais de 2h30. Assim que os grupos de manifestantes cercaram todo o perímetro da praça – a Syriza, a Adarsia, de extrema-esquerda, o Partido Comunista Grego e a Adedy, dos servidores públicos – explosões tiraram o sorriso dos rostos dos gregos.
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Elas começaram na lateral direita do Parlamento grego e se intensificaram na parte norte da praça. Em pouco tempo era possível ver pessoas com máscaras de gás e correria entre policiais. O avanço das forças do governo pela Syntagma foi rápido. Formou-se um nevoeiro de gás lacrimogêneo. Jovens e idosos começaram a ir embora, apesar do apelo de grupos próximos ao Parlamento.
A característica essencial do protesto grego é que ele é pacífico e barulhento. Cantando sem parar, pedindo desobediência à troika, os grupos de vários matizes políticos esperavam pressionar a votação no Parlamento. Aguardavam, tomando frapês, os cafés gelados tradicionais da Grécia, e fumandos seus cigarros, a votação do pacote do FMI.
Não foi o que aconteceu. A polícia grega, em 40 minutos, expulsou todos os manifestantes – cerca de 200 mil – da região da Syntagma. Coquetéis molotov pintavam de amarelo os prédios vizinhos. De braços dados, os membros do Partido Comunista, que cantavam sem parar, começaram a dispersar. Médicos voluntários, com máscaras de gás, já corriam para recolher os feridos.
Refúgio
Manifestantes correram para a área turística de Plaka, cabisbaixos. As ruas Mitropoleos e Ermou ficaram lotadas até a estação de metrô Monastiraki – umas das poucas que continuaram abertas durante os protestos. Policiais com escudos e máscaras de gás fechavam as ruas transversais e eram vaiados pela população.
Roberto Almeida/Opera Mundi
Na Syntagma, canhões de água empurravam os manifestantes que resistiam ao caos. No Parlamento, a sessão de votação já havia começado. Um temporal começou a cair e a esfriar os ânimos. O protesto, aos poucos, deixou de existir. O que era coro virou grito esparso. Alagadas, as ruas viraram rios, com corredeiras.
[Fim de dia de protesto foi marcado pela chuva em Atenas]
Famílias inteiras tossiam em Plaka, com rostos cobertos com lenços com o azul e branco da bandeira grega. O gás atingia áreas a pelo menos 500 metros da origem da disputa de território policial. Manifestantes tentavam, sem êxito, retornar à Syntagma. Visivelmente cansados, com a autoestima baixa, abriam seus guarda-chuvas.
Era o fim de mais uma noite antiausteridade na Syntagma, que quer dizer “Constituição” em grego. Uma noite que se repete de quando em quando há 4 anos. Até a próxima greve geral, que não demora a vir na queda de braço entre a população grega, empobrecida, e os cortes propostos pela cartilha do FMI.