Atualizado às 19h48
Representantes de 80 ONGs pacifistas israelenses e palestinas se reuniram na Cisjordânia para discutir os possíveis desfechos das negociações de paz, mediadas pelos Estados Unidos e cujo prazo deve expirar no fim de abril. Ao final, a conclusão da maioria dos participantes é a de que o processo tem poucas chances de ser bem sucedido.
A Conferência Bilateral do Fórum Palestino-Israelense de ONGs pela Paz foi realizada em um hotel na cidade de Beit Sahour, na Cisjordânia, em um dos raros lugares onde israelenses e palestinos podem se encontrar nesta região.
Guila Flint/Opera Mundi
Ilan Baruch: “Negociações bilaterais entre um lado muito forte e outro muito fraco não podem conduzir a uma solução”
O hotel Murad fica na área C dos territórios ocupados, na qual Israel mantém tanto o controle civil como o domínio militar. Nesta área, os israelenses podem circular sem violar a proibição militar à entrada nos territórios sob controle da ANP (Autoridade Nacional Palestina), e onde os palestinos de outras partes da Cisjordânia também podem entrar sem ser obrigados a pedir a autorização do exército israelense.
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“Não é nada trivial conseguir reunir centenas de israelenses e palestinos para falar sobre a paz nos dias de hoje”, disse o co-presidente do Forum, Ron Pundak, a Opera Mundi.
Além da dificuldade física de se encontrar um lugar onde pessoas dos dois povos possam se reunir, também existe um “clima de desconfiança” depois de 20 anos de negociações fracassadas, segundo Pundak – um dos arquitetos do acordo de Oslo.
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O título da conferência expressava bem a atmosfera de incerteza sobre o possível desfecho das negociações de paz mediadas pelo secretário de Estado norte-americano John Kerry: “Colapso ou Avanço – Estado Palestino agora”.
Pouco otimismo
A maioria dos oradores manifestou pouco otimismo sobre a possibilidade de um desfecho positivo das negociações. Muitos falaram sobre o que, neste momento, parece mais provável, que é o fracasso.
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Os mais otimistas, como o ex-ministro da Justiça de Israel, Yossi Beilin, mencionaram a possibilidade de um “acordo defeituoso”. “Devemos nos perguntar o que faremos se o acordo for imperfeito”, afirmou. “É melhor um acordo defeituoso do que a ausência de qualquer acordo”, defendeu.
“É importante que pessoas como nós, que somos referência para muitos na nossa região e no mundo, possamos contribuir para evitar o pior cenário, que seria nenhum acordo e uma nova escalada da violência”, disse Beilin, também uma das figuras-chave na elaboração do acordo em 1993.
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O denominador comum de todos os participantes da conferência é o apoio à solução de dois Estados nas fronteiras anteriores à guerra de 1967, quando Israel ocupou a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental.
Para Ziad Abu Ziad, líder palestino de Jerusalém Oriental, “o tempo está acabando”. “Se perdermos esta oportunidade de implementar a solução dos dois Estados, o dois povos estarão condenados a um longo período de sofrimento”, expressou.
Apoio da União Europeia
David Geer, representante da União Europeia em Jerusalém, foi um dos principais oradores da conferência. “Já deixamos bem clara a nossa posição: não reconheceremos alteração alguma nas fronteiras de 1967, exceto se isso ocorrer com a concordância dos dois lados”, salientou Geer.
A UE é a principal financiadora das atividades do fórum organizador da conferência e também anunciou um programa detalhado de “incentivos” econômicos para Israel e a Palestina caso seja alcançado um acordo entre as partes.
Reconciliação
Para vários dos participantes, um acordo formal não é suficiente para construir a paz entre os povos. “Um acordo, sem que haja uma reconciliação verdadeira entre os povos, será apenas mais um cessar-fogo”, disse a israelense Robi Damelin, representante do grupo de Famílias Enlutadas pela Paz.
Guila Flint/Opera Mundi
Damelin: “Hoje em dia é difícil imaginar Netanyahu lavando os pés de um palestino de Gaza, mas eu vi isso acontecer na África do Sul”
Damelin lembrou o exemplo da África do Sul, onde as Comissões de Verdade e Reconciliação fizeram um trabalho de aproximação entre brancos e negros, no qual as vítimas puderam perdoar os responsáveis pelas injustiças cometidas durante o apartheid, o que impediu que o país afundasse em um derramamento de sangue.
“Hoje em dia é difícil imaginar [Benjamin] Netanyahu lavando os pés de um palestino de Gaza, mas eu vi isso acontecer na África do Sul: um dos chefes da polícia do apartheid lavando os pés de uma mulher negra, em um gesto de reconciliação”, contou Damelin, que perdeu seu filho no conflito israelense-palestino.
Robi Damelin também anunciou que finalmente conseguiu a permissão do Serviço Penitenciário para visitar, na cadeia, o palestino que matou seu filho.
Apelo à comunidade internacional
Para Dan Jacobson, do grupo Peace Now (Paz Agora, em português), se as negociações de paz fracassarem, o fórum das ONGs deve elaborar um apelo exigindo uma intervenção mais enérgica da comunidade internacional para pôr um fim à ocupação israelense.
O ex-embaixador de Israel na África do Sul, Ilan Baruch, defendeu uma nova iniciativa de paz liderada pela União Europeia em conjunto com a Liga Árabe, caso a iniciativa norte-americana fracassar. “Negociações bilaterais entre um lado muito forte, que é Israel e outro muito fraco, os palestinos, não podem conduzir a uma solução”, opinou Baruch, que se demitiu do cargo de diplomata em um ato de protesto contra o governo de direita, liderado por Netanyahu e pelo ministro das Relações Exteriores, Avigdor Lieberman.
“É necessária uma intervenção enérgica da comunidade internacional. Nunca conseguiremos pôr um fim à ocupação se as duas partes ficarem negociando sozinhas. A comunidade internacional tem a obrigação moral de trabalhar para que os palestinos tenham finalmente a liberdade”, afirmou o ex-diplomata.
Para o co-presidente do fórum, do lado palestino, Saman Khoury, os participantes da conferência deixaram bem claro que “não pretendem ficar em casa e esperar que os lideres políticos tragam a paz”. “A questão da paz é preciosa demais para deixá-la nas mãos dos lideres políticos. É importante que a sociedade civil dos dois lados se manifeste e pressione seus lideres para fazer a paz”, declarou Khoury a Opera Mundi.