À frente dos protestos pró-Palestina que tomaram diversas universidades europeias nas últimas semanas está a jurista Rima Hassan, conhecida por atuar em seu país onde mora, a França, em favor dos direitos humanos para o povo da Palestina, país de origem dos seus pais e avós.
Em meio a uma onda de protestos universitários que teve início nos Estados Unidos e que se propagou por vários países do mundo, Rima questiona a idealização do Ocidente como “terra da democracia e das liberdades” e diz que, no caso da Palestina, são os países do Sul Global que lideram a defesa ao povo que enfrenta, há oito meses, com a ofensiva militar impulsionada pelo Exército de Israel.
“É o Sul Global que hoje luta pela causa palestina. E, mais interessante, se apropriando dos instrumentos jurídicos criados pelo Ocidente”, afirmou a jurista franco-palestina, em entrevista exclusiva a Opera Mundi.
Rima conta como ela mesma é vítima da contradição ocidental ao enfrentar uma denúncia na Justiça francesa, movida pela Organização Judaica Europeia (OJE), por suposta “apologia ao terrorismo” após ter afirmado em entrevista que era “verdade” que o grupo de resistência palestina Hamas agia de forma legítima.
Tal situação fez com que ela fosse proibida de participar de uma conferência na Universidade Paris-Dauphine, por decisão da reitoria da faculdade. A medida, porém, acabou sendo revertida na Justiça.
A história de Rima Hassan e sua família diz muito sobre as bandeiras que ela decidiu defender levantar. Seu avô viveu a Nakba (catástrofe, em árabe), o êxodo forçado de quase um milhão de palestinos após a criação do Estado de Israel, em 15 maio de 1948.
Mais nova entre os cinco irmãos, todos nascidos no campo de refugiados de Neyrab, no norte da Síria, ela chegou à França aos 10 anos e se nacionalizou aos 18. “O deslocamento e o desenraizamento foram determinantes na minha história de vida e nas minhas escolhas profissionais”, relata.
Foi assim que Hassan formou-se em Direito Internacional e fundou o Observatório dos Campos de Refugiados (O-CR). Atualmente, ela é candidata ao Parlamento Europeu pelo partido esquerdista França Insubmissa – o mesmo liderado pelo progressista Jean-Luc Mélenchon e aplaudida nos protestos estudantis.
A jurista de 32 anos, eleita em 2023 pela revista Forbes uma das 40 mulheres que dão mais prestígio internacional à França, elogiou a posição do Brasil e de outros países do Sul Global (como Argélia e Jordânia) pela coragem de denunciar o risco de genocídio em Gaza e de apoiar o reconhecimento da Palestina como Estado soberano.
Leia a entrevista de Opera Mundi com Rima Hassan na íntegra:
Opera Mundi: o que você defende junto aos protestos estudantis que tomaram várias das mais reputadas universidades francesas?
Rima Hassan: desde outubro tenho dito que os massacres em Gaza tinham o risco de se tornarem um genocídio. Eu faço um paralelo com a Nakba de 1948, quando o Estado de Israel foi criado e, para isso, realizou-se uma limpeza étnica na Palestina, destruindo centenas de vilas. Meu avô foi expulso e levado para campos de refugiados. Os estudantes denunciam a violência contra Gaza e a inação da França a esse respeito. Há centenas de advogados que, hoje, estão do nosso lado. Queremos sobretudo prevenir o genocídio, e não apenas fazer essa classificação a posteriori, quando já nada poderá ser feito para salvar as vidas das pessoas.
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Manifestação a favor da Palestina de estudantes da Universidade da Cidade de Nova York
Os protestos podem derivar para o antissemitismo?
A questão palestina e do massacre em Gaza não é uma questão religiosa, mas de desrespeito ao Direito Internacional. É uma questão, sobretudo, de injustiça. Criticamos o governo de Israel pelo que ele tem feito com a Palestina.
Qual a importância dos protestos?
Quando a mobilização chega aos estudantes, e inclusive àqueles que formarão a elite intelectual de um país, isso quer dizer que toda uma geração se estrutura sob bases diferentes, começa a colocar um novo debate político na agenda. É a primeira vez em 20 anos que a questão palestina pode voltar à tona na França. Jacques Chirac (cujo mandato foi de 1995 a 2007) foi o último presidente a ter um posicionamento claro no plano diplomático sobre a questão israel-palestina. Faz 20 anos.
Na França, após a represália de Israel ao ataque de Hamas, passeatas pró-Palestina chegaram a ser interditas. Como vê a repressão aos protestos estudantis por parte da polícia e da administração das universidades?
A repressão contra os estudantes, historicamente mobilizados, sempre foi dura. Quando os estudantes saíram às ruas para se rebelarem contra a Guerra do Vietnã também foi assim. Os protestos nas ruas em maio de 1968 foram duramente reprimidos. Mas o que estamos assistindo agora é um medo de parte da população de simplesmente expressar solidariedade aos palestinos.
Há alguma diferença entre os protestos na França e nos Estados Unidos?
Na França há um outro fator que conta: o peso da memória. É esse peso que alimenta a repressão policial e judicial. O Ministério do Interior tentou proibir as manifestações pró-Palestina. O passado da França (como o “caso Dreyfus”, a ocupação nazista e o colaboracionismo do marechal Pétain) a diferencia dos Estados Unidos. Em nome de não repetir os erros [antissemitas] do passado, vemos uma instrumentalização da memória em benefício dos interesses da extrema-direita israelense.
Considera que a sociedade francesa, berço do conceito de Direitos Humanos, está suficientemente mobilizada contra os massacres em Gaza?
Essa pressão do passado histórico da França e a repressão policial e judicial dissuadem muitos cidadãos de se solidarizarem publicamente com Gaza. Têm medo de perderem seus empregos, de serem expostos, perseguidos, de se tornarem alvo de organizações alinhadas ao governo de Netanyahu. De serem denunciadas por terrorismo ou antissemitismo. Isso tem acontecido comigo, mas eu tenho a sorte de ter cobertura mediática e o apoio de um partido político. Esta não é a realidade da maioria das pessoas.
Você foi denunciada por apologia ao terrorismo. Considera que exagerou em suas colocações ou que está sendo perseguida?
Quem me denunciou por apologia ao terrorismo foi a Organização Judaica Europeia (OJE). A mesma que denunciou o humorista Guillaume Meurice, da Radio France, por antissemitismo. Meurice passou anos fazendo brincadeiras com diferentes personagens políticas e da sociedade. A única vez em que isso foi problemático, em que ele teve de depor à polícia e foi reprimido no trabalho foi ao brincar com a figura de Netanyahu (após depor à polícia, o caso de Meurice foi arquivado, mas o humorista está agora suspenso de suas funções na Radio France, um canal público, por “falta grave”). É o lobby israelense da extrema-direita que tem perseguido e denunciado estudantes, pesquisadores e ativistas. Fui ouvida pela polícia e agora aguardo para saber se meu caso será ou não arquivado.
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Rima Hassan elogiou a posição do Brasil diante da guerra de Israel em Gaza
Você é candidata do partido França Insubmissa ao Parlamento Europeu, nas eleições de junho. Qual é o projeto da sua candidatura?
Em primeiro lugar, levarei a cabo uma batalha narrativa: quero mostrar que a Palestina é um assunto, sim, europeu. Se Israel se permite fazer o que faz é porque tem aliados europeus, não apenas os Estados Unidos. A própria criação do Estado de Israel sem consultar o povo palestino que já vivia no território foi uma ideia europeia. Além disso, pretendo levar a cabo medidas para prevenir a violência contra a Palestina: no plano militar, o embargo à exportação de armas para Israel; no plano político, o reconhecimento da Palestina como um Estado soberano; no plano econômico, atrelar o comércio com Israel à condição de respeito aos Direitos Humanos.
Como avalia as declarações do presidente Lula contra o genocídio em Gaza? Ele foi declarado “persona non grata” por Israel.
Eu ouvi o que ele disse, e fico muito contente de ver que é o Sul Global que hoje luta pela causa palestina. E, o mais interessante, se apropriando dos instrumentos jurídicos criados pelo Ocidente. É o sul que tem feito a agenda de liberdade da Palestina avançar. Argélia, Jordânia, Brasil, África do Sul… Aliás, foram somente os países do Sul Global que romperam as relações diplomáticas com Israel (entre eles, Bolívia e Colômbia). Isso diz muito sobre a solidariedade entre os povos reprimidos. O Sul Global ainda traz a memória de dominação perpretada pelos países imperialistas ocidentais, e isso o torna solidário à Palestina, também ela um território que foi ocupado e colonizado por um país que ainda se enxerga como um império, Israel.