O partido de extrema-direita Habayit Hayehudi (Lar Judaico) adotou o lema “não me desculpo” como conteúdo central de sua campanha para as eleições previstas no dia 17 de março.
Liderado pelo atual ministro de Indústria e Comércio, Naftali Bennett, o partido tem sua base eleitoral nos assentamentos nos territórios palestinos ocupados e segue a linha religiosa-nacionalista.
A campanha do Lar Judaico enaltece o que chama de “orgulho nacional e firmeza” em contraposição a sentimentos de culpa e remorso em relação aos palestinos, que supostamente caracterizam o campo da esquerda.
Naftali Bennett, principal parceiro de Benjamin Netanyahu na coalizão governamental, aparece em um vídeo oficial da campanha, que se tornou viral nas redes sociais, fantasiado de “esquerdista”.
O esquerdista caricatural protagonizado por Bennett é uma figura ridícula e patética, um “molenga” que vive se desculpando por atos dos quais ele é vítima. No vídeo, uma garçonete derruba café em suas roupas e ele pede desculpas. Em seguida, um motorista bate em seu carro e ele novamente se desculpa. Vale notar que o tal esquerdista também aparece lendo o jornal Haaretz, identificado com a esquerda e odiado pela direita.
Ao final do vídeo, Bennett tira a fantasia e afirma: “eu não me desculpo”.
“Chega de se desculpar. Nós amamos Israel. Registre-se agora no Habayit Hayehudi”, acrescenta.
Aumento do apoio
Parece que a campanha, que isenta os israelenses de qualquer culpa ou responsabilidade pela tragédia palestina, está funcionando, pois as pesquisas indicam um aumento do apoio ao partido – de 12 para 13 ou 14 cadeiras no Parlamento (entre 120).
“Paramos de nos desculpar. Amamos Israel”, dizem os cartazes da campanha de Bennett.
“A opção é entre aqueles que se desculpam e aqueles que andam de cabeça erguida e apoiam o Estado de Israel. Não nos desculpamos por amarmos o povo de Israel, a Terra de Israel e a Torah [livro sagrado] de Israel”, declarou.
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O programa do partido inclui a anexação de 60% da Cisjordânia a Israel e a oposição explícita à ideia de um Estado Palestino soberano, deixando para os palestinos alguns enclaves desconectados entre si, nos quais eles teriam “autonomia”.
Do outro lado
Do outro lado do mapa politico, o jornalista Gideon Levy, do Haaretz, afirma: “eu peço desculpas”. Ele menciona a expulsão em massa dos palestinos durante a guerra de 1948, a ocupação de 1967, o nacionalismo e o racismo na sociedade israelense.
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Bennett, caracterizado como figura “molenga”, “pede desculpas” em vídeo: culpa e remorso caracterizam esquerda, diz partido dele
“Tomara Israel já tivesse pedido desculpas faz tempo. Tomara tivesse reconhecido as injustiças que cometeu, tomara tivesse assumido a responsabilidade moral por elas”, escreve Levy. “Eu gostaria de pedir desculpas a todas as gerações do povo palestino, por 1948, por 1967 e por todas as consequências”.
“Hoje, Israel, que já se tornou uma potência regional, deveria pedir desculpas pelas incontáveis vítimas que morreram em vão… pela tirania que exerce nos territórios ocupados e pelo apartheid”, diz.
De acordo com Levy, o pedido de desculpas poderia sinalizar uma intenção genuína de abrir um novo capítulo na história dos dois povos e assim possibilitar uma reconciliação, “se não for tarde demais”.
As pesquisas de opinião indicam que, se as eleições fossem hoje, o atual primeiro ministro, Benjamin Netanyahu, teria muito mais chances de liderar uma coalizão governamental com seu parceiro Naftali Bennett do que o lider da oposição, Itzhak Hertzog, do Partido Trabalhista.
Nessas circunstâncias, parece que a perspectiva de reconciliação entre israelenses e palestinos continua distante.
(*) Guila Flint cobre o Oriente Médio para a imprensa brasileira há 20 anos e é autora do livro 'Miragem de Paz', da editora Civilização Brasileira.