A investigação dos fatos que resultaram no desaparecimento dos 43 estudantes de Ayotzinapa no estado de Guerrero, no México, deve ser realizada sob a modalidade de “desaparecimento forçado”, já que há “elementos suficientes para supor que foi isso que ocorreu”. Essa foi a recomendação feita pelo grupo interdisciplinar de especialistas independentes da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), que assessora o Estado mexicano na investigação sobre o caso dos jovens desaparecidos desde 26 de setembro do ano passado, conforme divulgado pela imprensa mexicana nesta sexta-feira (20/03).
De acordo com Ángela Buitrago, que integra a equipe, “falar em homicídio, sequestro ou outro tipo penal não envolve bens jurídicos internacionais”, já classificá-lo como desaparecimento forçado faz com que o delito seja reconhecido como um “crime de lesa humanidade” e isso faz com que tenha mais relevância e não possa ser prescrito.
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Carlos Latuff
México diz ter provas de que estudantes foram carbonizados
Após tomar conhecimento do informe, os pais saudaram o trabalho e destacaram a “relevância” das recomendações. Nesta sexta (20/03), um grupo de pais e familiares chegou à capital mexicana para realizar a tomada simbólica da embaixada de alguns países para pedir visibilidade para o caso.
Informe
O informe é resultado das atividades realizadas durante a primeira visita do grupo ao México, entre 1º e 19 de março, e visa contribuir nas investigações em torno do paradeiro dos jovens, o que até hoje gera controversas, uma vez que, de acordo com a versão oficial, eles foram queimados no lixão de Cocula e os restos mortais foram posteriormente jogados no rio. Os pais, além de não concordarem com esta versão, pedem que o Exército seja investigado no caso.
Sapdiel Gómez Gutiérrez
Imagens da manifestação realizada no dia 8 de outubro na Cidade do México pelos estudantes normalistas desaparecidos
De acordo com Ángela Buitrago, Carlos Beristáin e Francisco Cox, a equipe trabalha sobre quatro linhas básicas de recomendações: o processo de busca dos estudantes, o atendimento às vítimas, políticas públicas diante do desaparecimento forçado e investigação criminal.
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Ainda no âmbito das recomendações, o grupo pediu que o Senado crie uma lei contra o crime de desaparecimento forçado tendo como base os estandartes internacionais na matéria.
O grupo também solicitou que o governo continue as buscas aos estudantes que foram agredidos e dê atendimento médico e social aos familiares das vítimas. Eles pedem ainda uma cópia digitalizada de todo o expediente, já que até o momento só receberam trechos do resultado da investigação.
Familiares
Os pais comemoraram a divulgação do informe e disseram ter “esperança” de que possam ter acesso à Justiça e à verdade sobre o que aconteceu com os jovens e destacaram a “relevância” das recomendações.
Sapdiel Gómez Gutiérrez
Desde que estudantes desapareceram, uma série de manifestações estão sendo realizadas no México
Melitón Ortega, porta-voz dos pais, disse, em entrevista ao jornal La Jornada, que as recomendações da equipe da CIDH “permite que a investigação seja aprofundada e o trabalho [de buscas que seguem realizando] seja fortalecido”.
“Até agora, o governo apontou outros crimes, mas não este de desaparecimento forçado, que foi uma exigência nossa desde o começo. Que os especialistas a retomem significa que vão fortalecer nossas petições e comentários”, ressaltou Ortega.
Tortura e violência sexual
Nesta sexta (20/03), a CIDH realiza audiências temáticas sobre a situação das garantias básicas no estado de Guerrero, onde ocorreu o desparecimento dos jovens e onde são relatados diversos casos de violação dos direitos humanos no México.
Serão analisados os desaparecimentos forçados em todo o país, a tortura sexual, os direitos dos migrantes e as possíveis consequências negativas da reforma energética, o que significa uma nova oportunidade para colocar em evidência a grave situação que vive o México neste sentido.
jazbeck
“Quiseram nos enterrar, mas não sabiam que somos sementes”
O objetivo é evitar que tais situações voltem a se repetir. A advogada do Centro pela Justiça e Direito Internacional Paola Limón considerou “lamentável” que o Estado siga negando os fatos “evidentes”.
“A tortura sexual é um tema central, sobretudo depois que o relator especial das Nações Unidas, Juan Méndez, disse que a tortura é prática generalizada no México. Sobre a reforma energética, é um assunto muito atual pelo panorama terrível que enfrentam muitas comunidades indígenas e camponesas com a realização da prática do fracking [modo de extração de petróleo obtida pela quebra de rocha e que causa sérios danos ambientais]”, ressaltou Limón.
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