Há algo que não se pode negar a Alexis Tsipras: o cara é corajoso. Depois de aceitar o que para muita gente de fora da Grécia foi uma rendição perante à troika, não tentou resistir em seu cargo com o argumento de que ainda restam mais de três anos de mandato. Em seu discurso de renúncia na noite de quinta-feira (20/08), disse que sente que tem “uma obrigação moral de colocar o que fez para o julgamento dos gregos” para que deem seu veredito sobre “o que consegui e meus erros”. E, a partir disso, a convocatória das segundas eleições neste ano.
Não é isso o que fizeram os governos anteriores da Grécia quando aceitaram os programas de resgaste anteriores impostos pelas instituições europeias. Tampouco foi essa a decisão do [ex-primeiro-ministro espanhol José Luis Rodriguez] Zapatero depois de colocar em marcha um plano de austeridade em maio de 2010 que feria suas promessas eleitorais. Em teoria, depois de uma derrota política de tais dimensões nenhum governante tem cacife para enfrentar um destino incerto nas urnas.
Agência Efe
Tsipras renunciou no último dia 20 de agosto
Dito isso, é necessário recordar que Tsipras não tinha muito mais opções por causa da divisão interna do partido. Os dirigentes da ala mais esquerdistas do Syriza prometeram, depois da primeira votação sobre o acordo com a troika, que continuariam apoiando o governo. Não foi isso que aconteceu. Desde então, e até certo ponto isso era inevitável, continuaram com sua rebelião contra todas as novas medidas. Há uma semana Panayiotis Lafazanis – ex-ministro de Energia e líder da atual Plataforma de Esquerda – anunciou a formação de um movimento contra o resgate, isto é, em colisão direta contra Tsipras. Pouco depois, deixou claro que não tinha a intenção de votar a favor de uma moção de confiança ao governo, que era uma das alternativas que o primeiro-ministro estava considerando.
O Syriza já não era um partido, senão no mínimo dois, e essa era uma realidade que não poderia ser ignorada por mais tempo. Tsipras sabia que tinha contra ele metade dos membros do Comitê Central de Syriza e tinha não menos de 30 deputados que o apoiavam. Com menos de 120 deputados sob seu comando em uma câmara de 300, não podia garantir a estabilidade de seu governo, que dependia para as votações relacionadas à política econômica do apoio dos partidos Nova Democracia, Potami e do Pasok. A legislatura tinha chegado ao fim.
Esperar até outubro, quando a União Europeia fará a primeira revisão do terceiro resgate, era um risco excessivo. Ninguém sabe como a Alemanha, o BCE e a Comissão Europeia reagirão. Cara parte da ajuda concedida – não o esqueçamos, para que a Grécia pague suas dívidas, não para sair da crise – está condicionada a que sejam executadas as medidas acordadas. Em tal momento, um não da troika cairia sobre um governo muito mais debilitado que agora.
Com a sua decisão de quinta-feira, Tsipras lança o desafio definitivo contra a Plataforma de Esquerda. Se querem guerra, terão de formar um novo partido ou tentar expulsar o primeiro-ministro do Syriza. As pesquisas – que devem ser consideradas com bastante cuidado por causa do cenário tão variável da política grega – indicam que o Syriza de Tsipras mantém um alto grau de apoio, de mais de 40%, que inclusive poderia conceder-lhe a maioria absoluta. O Syriza de Tsipras, não o de Lafazanis. Se existe o Syriza de [Yanis] Varufakis, se o ex-ministro de Finanças decide se transformar no líder dos rebeldes, talvez seja necessário mudar o prognóstico. Mas ainda não seria absurdo pensar que Varufakis é mais popular entre a esquerda europeia que na grega.
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O resultado eleitoral depende de saber quem fará o relato definitivo dos acontecimentos dos seis últimos meses, um que convença a opinião pública grega. Tsipras conta com algumas cartas sólidas em seu poder – as que contei no primeiro parágrafo – e outras muito mais inconsciententes, como sua ideia de que o terceiro resgate era o “melhor acordo que poderia ser obtido”, mais favorável dentro do que oferecia a troika antes do referendo.
Agora tem um aliado improvável na diretoria do FMI. Lagarde já não se esconde. Sem uma redução significativa do peso da dívida, esse último acordo fracassará, já disse. Essa é uma virada na trama da crise grega que não esperávamos que acontecesse tão rapidamente: Tsipras e Largarde no mesmo barco. É bem provável que o líder do Syriza usará isso como oferta ao eleitorado pensando no futuro.
Há um fato que se ignora seguidamente fora da Grécia. Tsipras não pode criar sua própria realidade e tem de respeitar os sentimentos da opinião pública grega. Nunca teve um mandato, nem sequer depois do referendo, porque os gregos se opõem a esse salto em direção ao desconhecido. Economistas muito inteligentes podem dizer que é muito possível que a Grécia tivesse tido um desempenho melhor, ou no mínimo semelhante, se tivesse abandonado a zona do euro em 2010 com o apoio necessário da UE.
Mas esses economistas não têm de ganhar eleições na Grécia. Nem eles, nem os dirigentes e eleitores dos partidos espanhóis, nem nenhum de nós que não sofremos as consequências do naufrágio brutal da economia desse pais nos últimos cinco anos.
Publicado originalmente em Guerra Eterna