O cenário no qual a primeira mulher presidente do Chile buscará voltar à Presidência tem semelhanças com o que a primeira mulher presidente do Brasil terá pela frente na tentativa de se reeleger. Dilma Rousseff pretende se postular em outubro de 2014, enquanto Michelle Bachelet enfrenta as urnas ainda esse ano.
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr (21/06/2012)
Dilma Rousseff e a diretora executiva da ONU Mulheres, Michelle Bachelet, participam do fórum O Que as Mulheres Querem, na Rio+20
As conjunturas políticas são similares. Ambas lideram coalizões de centro-esquerda e as demandas dos respectivos eleitorados, principalmente pelas características de seus adversários, são parecidas. A cientista política María Francisca Quiroga, do Instituto de Assuntos Públicos da Universidade do Chile, analisou o quanto o desafio eleitoral de Bachelet poderia servir como um simulacro para Dilma.
Para ela, a chilena tem uma vantagem sobre sua colega brasileira, pelo fato de não concorrer como atual mandatária e por ter ficado longe da política chilena nos últimos anos — entre setembro de 2010 e março de 2013, Bachelet viveu em Nova York, onde exerceu o cargo de Secretária-Geral da Agência ONU Mulheres. “Essa distância ajudou a consolidar uma imagem sem compromisso com os partidos, e assim, ser menos visada pelo descrédito geral com a política, sentimento presente tanto na sociedade chilena quanto na brasileira atualmente”, comentou a Opera Mundi.
Com as manifestações nas principais cidades do país, o Brasil experimentou, em junho passado, o mesmo cenário político convulsionado que se instalou no Chile em 2011, com as marchas do movimento estudantil. Diante desse quadro, Dilma e Bachelet passaram a representar, para parte da cidadania, a esperança por reformas que os movimentos sociais exigem, mas que suas coalizões políticas não foram capazes de realizar.
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Eclosão de manifestações do movimento estudantil no Chile colocou na agenda debate sobre a gratuidade da educação no país
Esperança que ainda não se concretizou. Do lado brasileiro, porque Dilma não levou adiante a proposta de uma Assembleia Constituinte específica para a reforma política, tampouco o plebiscito, também sugerido por ela. Do outro, Bachelet promete acabar com a ainda vigente carta magna imposta pela ditadura de Pinochet, e impulsar a gratuidade no ensino público, mas diz que não fará nada disso fora da institucionalidade. Ou seja, não convocará um plebiscito para essas reformas se não contar com apoio parlamentar.
Mulheres de esquerda
Quiroga vê muitas semelhanças nos estilos e nas biografias, primeiro porque ambas formaram parte da resistência às ditaduras em seus países, sendo presas e torturadas. Segundo ela, “a desconfiança instalada pela direita sobre suas biografias talvez explique porque elas defendem tanto a via institucional, ainda quando isso as impede de levar adiante as reformas que elas gostariam de implantar”.
Dilma e Michelle tiveram carreiras políticas igualmente incomuns. As duas surgiram no cenário político como ministras técnicas, para depois ganharem postos mais simbólicos. Dilma foi ministra de Minas e Energia e da Casa Civil, enquanto a pediatra Bachelet foi ministra de Saúde e da Defesa, cargo onde foi ajudada pelo fato de ser filha de um militar. As duas chegaram à Presidência sem nunca terem alcançado nenhum outro cargo eletivo.
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“Além dessas coincidências, elas se esmeram em projetar a mesma figura da mulher independente de meia idade, que tem a firmeza da mãe solteira, mas também é avó carinhosa. É uma imagem que inspira confiança no eleitorado, e ambas sabem utilizá-la politicamente”, comenta a cientista política.
Para ela, há influência de Bachelet sobre o estilo pessoal de Dilma. Ao assumir o governo, em 2011, a brasileira levou para o Palácio do Planalto um exemplar do livro Bachelet En Tierra de Hombres (Bachelet em um mundo de homens), um relato feito pela jornalista Patricia Politzer sobre a forma como a chilena encarou o desafio de ser a primeira mulher a governar o país.
A batalha de Bachelet
Em março, Bachelet voltou ao Chile e, horas depois de aterrissar em Santiago, já estava anunciando sua candidatura presidencial. A chapa é sustentada por uma nova coalizão de partidos, Nova Maioria, que inclui os mesmos partidos da antiga Concertação (Partido Socialista, Partido Democrata Cristão e Partido Radical), além do Partido Comunista e da Esquerda Cristã.
Segundo Quiroga, Bachelet está mais forte que toda a centro-esquerda que a apoia, o que lhe rende certa autonomia programática. Sua campanha durante as primárias da oposição esteve focada nas três demandas alavancadas pelos movimentos sociais que atormentaram o governo do atual presidente Sebastián Piñera: gratuidade na educação pública, uma nova Constituição, e o combate à desigualdade social.
As promessas conseguiram reunir boa parte das forças progressistas do país em torno da sua candidatura, o que permitiu sua vitória avassaladora nas primárias, com 73% dos votos só do seu conglomerado, e 53% de todos os votos emitidos durante as primárias – considerando tanto a disputa da oposição quanto a dos partidos governistas.
Porém, a absorção no comando de algumas figuras da antiga Concertação, conhecidas por seu pragmatismo, depositou uma sombra de dúvida sobre Bachelet. Quiroga crê que essas ambiguidades são o principal adversário de Bachelet, não só na corrida eleitoral como também em seu eventual segundo governo.
“A Nova Maioria é como uma 'Concertação remasterizada', com a presença de forças mais progressistas, mas não sabemos ainda o peso desses novos aliados no projeto. Fica a dúvida sobre se um segundo governo de Bachelet terá a cara progressista vista nas primárias, ou será dos pragmáticos da Concertação tradicional, que chegaram agora”, diz.
O dilema de Dilma
Do ponto de vista dos cenários eleitorais, existe uma coincidência evidente entre o caminho que enfrentará Bachelet em 2013 e o de Dilma no próximo ano: a principal adversária da chilena será outra mulher, a oficialista Evelyn Matthei, considerada a menos conservadora das figuras da direita. Dilma, por sua vez, encara um cenário pré-eleitoral onde sua queda nas pesquisas para 2014 coincide com uma subida importante de Marina Silva, quem por enquanto é a política que mais adesão conseguiu após as manifestações de junho.
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Da mesma forma que movimento estudantil no Chile, protestos contra aumento da tarifa de ônibus forçaram agenda do governo
No entanto, Marina e Evelyn não representam a mesma força política — Matthei está mais próxima ideologicamente do que hoje representa o PSDB no Brasil. Quiroga acredita que suas iniciativas podem ter o mesmo efeito no eleitorado: “a figura da mulher no poder satisfaz um público que quer mudanças, mas que pode se interessar por outra figura que a represente, mas que por enquanto não está tão instalada como figura presidenciável quanto Marina”.
Outro arquétipo semelhante entre os rivais é o do ex-aliado. Nesse caso, Bachelet terá que enfrentar também o ex-deputado Marco Enríquez Ominami, dissidente do Partido Socialista que fundou sua própria legenda, enquanto poderia ter pela frente o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que tem mencionado seu entusiasmo em competir.
Segundo a cientista política, o conflito iniciado pelas manifestações do Movimento do Passe Livre, em São Paulo, que depois mostraram diferentes matizes e expressões políticas, ainda não geraram consequências políticas claras, e exigem uma leitura cuidadosa por parte do oficialismo brasileiro. “São um sinal amarelo para o projeto político do PT, e podem tanto empurrar o governo para uma postura mais defensiva, de se aferrar à manutenção do projeto de forma intransigente, como também servir para apontar a necessidade de refrescar as propostas e se reaproximar dos movimentos sociais”, conclui Quiroga.