1.695. Esse é o número total de pessoas que desapareceram no México somente em 2013, de acordo com dados oficiais. No entanto, conforme reconheceu o próprio Estado mexicano – desde o ano passado presidido por Enrique Peña Nieto, do PRI (Partido Revolucionário Institucional) –, para cada denúncia, há outros 11 casos, o que faz com que a cifra de desaparecimentos aumente para 18.645.
H.I.J.O.S México
Cartaz da organização mexicana H.I.J.OS., que trabalha na busca de pessoas sequestradas e desaparecidas no país
A maioria brutal desses mexicanos, que simplesmente somem todos os meses, nunca mais é encontrada, conforme alertam organizações de direitos humanos locais.
Para efeito de comparação, no Iraque, país que desde a invasão militar norte-americana em 2003 vive uma guerra, foram registrados 7.818 mortos em 2013, segundo a Missão de Assistência das Nações Unidas no país (UNAMI).
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O novo coordenador nacional antissequestros, Renato Sales Heredia, chefe da recém-formada Estratégia Nacional Antissequestros, órgão subordinado à Secretaria do Interior, somente confirmou cálculos que, durante anos, foram feitos nas organizações de familiares de vítimas e nos centro públicos de investigação.
Sales Heredia, que já é conhecido como o czar antissequestro, tem um histórico nas instituições. Ele foi subprocurador de Controle Regional, Procedimentos Penais e Amparo da Procuradoria-Geral da República, participando dos casos de Digna Ochoa – ativista de direitos humanos assassinada em 2001 –, Juana Barraza, conhecida como a “Matadora de Velhinhas ” – responsável pela morte de 11 mulheres de mais de 60 anos –, de René Bejarano, político acusado de receber suborno em 2004, e do bar Heaven, quando 12 jovens foram sequestrados e mortos depois de visitarem o local, em 2013.
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Em junho de 2002 ele apresentou sua renúncia , logo depois de sua equipe determinar que a advogada e defensora de direitos humanos do centro Miguel Agustín Pro Juárez, Digna Ochoa y Plácido, tinha se suicidado, descartando continuar a investigação para encontrar responsáveis e dando o caso por encerrado, em um dos mais aberrantes casos de homicídio político das últimas décadas. O corpo da ativista foi encontrado com duas marcas de tiros, um no crânio, da esquerda para a direita, e o outro em um músculo. No entanto, ele voltou atrás na decisão e permaneceu no cargo.
Agora, Sales Heredia vai fazer parte de um grupo no qual chama a atenção a presença de outro personagem muito controverso, Isabel Miranda de Wallace, que fará parte da equipe de consultores. Miranda de Wallace é conhecida no México como ativista e presidenta da associação Alto al Sequestro , depois de lutar para resgatar seu filho Hugo, sequestrado em 2005.
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A violência no processo de captura dos supostos responsáveis, a proximidade dela com o PAN (Partido da Ação Nacional) e, mais especificamente, com o ex-secretário de Segurança Pública, Genaro García Luna, há poucas semanas catalogado como um dos homens mais corruptos do México segundo a revista Forbes, fazem com que parte da opinião pública não a considere uma pessoa indicada para esse cargo.
Ineficácia
Em entrevista a Opera Mundi, o ativista social Eduardo Gallo, pai de Paula, desaparecida e assassinada no ano 2000 no Estado de Morelos, explica a ineficácia da criação da nova Estratégia Nacional Antissequestros, em um momento de extrema escalada da violência no México.
“Durante muitos anos, o governo nos vendeu a ideia de que os sequestros estão sendo combatidos pelo simples fato de criar grupos especiais antissequestro. A realidade é que criar um grupo não quer dizer automaticamente que os sequestros vão diminuir”, afirma Gallo. Segundo ele, “se esse grupo não tem a capacitação necessária, conhecimentos de investigação científica, acesso a uma base de dados – que não existe – para obter informação para poder rastrear as pessoas, não serve para nada.”
Durante anos, Gallo lutou por uma mudança nas políticas de proteção das vítimas, chegando a ser ameaçado de morte. Para ele, um dos principais problemas é não existir cruzamentos de dados da violência, entre as bases geradas nas esferas estaduais e federais. Conforme explica, existe uma base de dados de delitos federais cometidos com armas de fogo, mas ela não se comunica com as bases de dados estatais dos Estados, porque essas são bases de dados locais.
Cuartoscuro/Arquivo
Em 2012, a CNDH informou que 105.682 pessoas foram sequestradas em 2012, 4.007 casos de desaparecimentos forçados
Além disso, ressalta, não existe uma base de dados de todos os presos que estão nas prisões mexicanas ou de todas as ordens de captura emitidas pelas entidades federais. “Então, de que serve ter um grupo especializado em combater o sequestro se esse grupo não tem de onde tirar a informação? Não serve para nada. E se os esforços entre as entidades federais e o governo federal não são coordenados, tampouco há resultados. Quando não se faz uma selação adequada dos funcionários que integram os grupos, o que acontece é que esses grupos são os que acabam sequestrando, como aconteceu em Morelos e em outros Estados, onde quem combate os sequestros é quem os comete”, justifica.
O fenômeno da participação de pessoas das instituições governamentais no desaparecimento de pessoas faz com que o delito já não seja tipificado como sequestro ou privação ilegal da liberdade, mas desaparecimento forçado, como se define na Convenção Interamericana sobre o Desparecimento Forçado de Pessoas, adotada em Belém do Pará ,no Brasil, e assinada no México no dia 9 de junho de 1994.
“O problema é grave e não tem uma solução fácil no curto prazo. Eles acham que criando uma espécie de ‘czar antissequestros’, alguém que, na cúpula do governo, coordene os esforços, o problema será resolvido?”, se pergunta Gallo. “Se, além disso, não procuramos nas próprias instituições policiais quem são os funcionários que estiveram vinculados aos sequestros, o grupo antissequestro não serve para nada”, continua.
Ele ressalta que, em 2012, a CNDH (Comissão Nacional de Direitos Humanos) informou que 105.682 pessoas foram sequestradas no México em 2012 – sendo 4.007 casos de desaparecimentos forçados. “Não é possível que esses sequestros tenham acontecido se funcionários que ocupavam cargos relevantes nas instituições policiais federais não estivessem envolvidos. Essa é a próxima premissa. Como diabos podem acontecer mais de 100 mil sequestros e a Polícia Federal não os investigou? Não pode ser. O trabalho precisa começar de dentro das corporações. E se não começamos por aí, não vai haver nenhuma estratégia que funcione. Nenhuma”, conclui Gallo.
Enquanto as novas autoridades na luta contra o sequestro eram nomeadas pelo governo, no Estado de Coahuila foram encontradas fossas clandestinas com restos de ossos humanos de ao menos 500 pessoas desaparecidas. As fossas estavam localizadas em 11 municípios da região e foram necessários 10 dias de excavações para que fossem encontradas. Juan José Yáñez Arreola, subprocurador de Coahuila para a Investigação e Busca de Pessoas Não Localizadas, informou que “a maioria dos restos são de unidades ósseas quase inteiras”, sendo que “algumas delas foram encontradas calcificadas, pois houve a tentativa de incinerá-las”.