A Constituição boliviana de 2009 ficou conhecida após criar um mecanismo de proteção à natureza conhecido Lei da Mãe Terra, ou Pachamama. Cinco anos após a promulgação da lei, no entanto, as demandas do país mais pobre da América do Sul para se desenvolver e garantir melhores condições para a população entraram, por diversas vezes, em confronto com a preservação ambiental. A questão tornou-se um dos maiores desafios para o próximo presidente do país, que será escolhido no domingo (12/10), nas eleições gerais da Bolívia.
FlickrCCCandelaria Herrera Vasquez
Indígenas fizeram marcha contra a construção da estrada no Tipnis
O caso mais emblemático do “embate” entre meio ambiente e desenvolvimento no país aconteceu em 2011, quando indígenas do Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis) se mobilizaram e marcharam, por meses, para impedir a construção de uma estrada que cortaria o parque. O projeto era parte da Iniciativa de Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) que prevê a criação de corredores transoceânicos para ligar os oceanos Atlântico e Pacífico por meio de estradas. A região é rica em recursos importantes para o país, como o gás natural.
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À época, o presidente Evo Morales, atual candidato à reeleição e favorito na corrida presidencial, justificou que a construção “não é parte de um debate entre ambientalismo e desenvolvimentismo, mas sobre a pobreza em que vivem essas populações amazônicas”. Já Pablo Solón, ex-embaixador da Bolívia na ONU, declarou que estrada iria “ferir a [Lei] Mãe Terra, além de não respeitar os direitos indígenas e violar de maneira imperdoável os direitos humanos”. A obra foi paralisada e ficou definido que, em casos como estes, a população seria previamente consultada sobre as obras.
Flickr/CC/Marielle Claudia
Durante os dois meses de marcha, indígenas receberam apoio como alimentos, medicamentos e roupas pelas cidades onde passaram
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Devido ao descontentamento com as políticas implementadas por Morales – o primeiro presidente indígena do país -, grupos originários do Tipnis manifestaram apoio ao candidato que aparece na segunda posição na corrida presidencial boliviana, Samuel Doria Medina, da UD (Unidade Democrata). Em pronunciamento no fim de novembro, Medina se comprometeu a não levar adiante a construção da estrada e garantiu que respeitará a decisão dos povos que vivem no local.
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Para o economista, diretor do Celag (Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica) e professor de pós-graduação da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais) Alfredo Serrano, esse é um dos temas mais importantes do país no momento.
Serrano considera que a defesa da Mãe Terra e do ‘bem viver’ é, muitas vezes, mal interpretada. “O ‘bem viver’ não é exclusivamente uma questão de harmonia com a Pachamama. Creio que às vezes há uma má leitura de certo ‘neoecologismo’ ocidental trazido para a América Latina que quando fala em Pachamama, parece deslocar o ser humano como questão central da política econômica. Se não tivesse existido o processo verdadeiro de industrialização, de recuperação de setores estratégicos, não se verificaria a recuperação do humano, as melhoras sociais que a Bolívia tem vivenciado nos últimos anos”.
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Apesar das críticas, Serrano considera que o modelo adotado pelo país andino é exemplar. “É preciso entender que oito anos parece muito, mas é pouco para mudar a herança social do neoliberalismo. Seria muito difícil saltar diretamente para um modelo de conservação sem tocar em absolutamente nada da natureza. Por isso, no curto prazo, é importante o que a Bolívia fez, ir combinando políticas de utilização de certos recursos naturais para realizar uma mudança. No entanto, dizer que de um dia para o outro é possível resolver a dívida social sem tocar a natureza é uma falta de responsabilidade política. Felizmente a Bolívia não caiu nessa”.