Arica, extremo norte do Chile, 22 de novembro: San Marcos (time da cidade) e Deportes Iquique (da cidade vizinha) disputam o clássico da região. Pelo lado da torcida visitante, o principal alvo era o jogador venezuelano Emilio Rentería, um dos poucos negros que atua no futebol chileno. “Negro imundo” e “macaco louco” foram alguns dos gritos relatados na súmula do jogo.
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Não era a primeira vez que Rentería sofria insultos racistas nos gramados. Este é o terceiro caso em jogos do Campeonato Chileno, desde que chegou ao San Marcos, em julho passado – os anteriores foram em jogos do time como visitante, contra o O'Higgins e o Ñublense.
[Rantería, durante jogo em 2010 com uniforme do time norte-americano Columbus Crew]
Também houve um quarto incidente, ocorrido durante um treinamento da seleção venezuelana para o amistoso contra o Chile, disputado em setembro, na cidade de Talcahuano.
Tantas situações em apenas cinco meses fizeram o jogador pedir a rescisão do contrato com o San Marcos. Ele fez um acordo com a direção do clube para ser negociado após o primeiro semestre de 2015, quando termina o primeiro Campeonato Chileno do ano.
“Não é fácil conviver com isso, porque já não é um caso isolado, e você não sabe quando vai parar”, reclamou o jogador em entrevista por telefone para Opera Mundi.
Rentería diz que tem conversado muito com a família. “Tenho pensado muito, porque é forte dizer que um país inteiro é racista e eu não quero ser injusto, mas nunca tinha acontecido comigo tantos casos em tão pouco tempo e isso me incomoda muito.”
Ele afirma que não é a primeira vez que enfrenta casos de racismo, mas que as anteriores ocorreram há cerca de dez anos atrás, quando jogava no Levante, da Espanha. “Naquela época eu me senti mal, porque era mais jovem. Fiquei três anos por lá e acontecia uma ou outra vez, mas não com a frequência que eu vi aqui”.
O gol que parou o jogo
Aos 12 minutos do segundo tempo do jogo contra o Deportes Iquique, Rentería marca para o San Marcos o único gol da partida. E vai comemorar com a torcida adversária: o atacante bate no peito e começa a retrucar as ofensas dos torcedores rivais.
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“Não sei o que me aconteceu naquela hora. Costumo ser um cara tranquilo, mas já eram meses tendo que aceitar isso calado, e passei o primeiro tempo inteiro aguentando provocação. Na hora do gol, não deu para segurar. Era muita coisa atravessada na garganta”, explicou o futebolista.
Seus companheiros o tiraram de perto do alambrado, mas já era tarde. A torcida do Deportes Iquique aumentou o tom das ofensas e ameaçou invadir o gramado para agredir o jogador. A polícia não conseguiu controlar a situação e o árbitro Julio Bascuñán decidiu encerrar a partida.
Na semana seguinte, com a decisão da ANFP (Associação Chilena de Futebol) de dar os pontos para o time da casa, o uruguaio Nelson Acosta, técnico do Iquique, acusou o jogador de ter provocado a torcida do seu time. “Ofensas das torcidas são coisas normais do futebol, todo jogador tem que aceitar isso, e a coisa só ficou mais violenta depois que ele foi provocar quando fez o gol. Ele é o culpado por essa situação”.
Outro que entrou na polêmica foi Ramón Galleguillos, prefeito da cidade de Alto Hospicio (na mesma região do extremo norte, onde ficam também Arica e Iquique). Torcedor do Deportes Iquique, o político acusou Rentería de se fazer de vítima para conseguir os pontos para o San Marcos no tapetão. “Se vão parar um jogo por qualquer bobagem o futebol vai acabar. Para que jogar bola, se agora basta um negrinho chorando para conseguir uma vitória?”, questionou Galleguillos.
Caso Aranha
Em conversa com Opera Mundi, Rentería tomou conhecimento das ofensas recebidas pelo goleiro Aranha na partida do Santos contra o Grêmio, em Porto Alegre. O caso aconteceu uma semana antes do incidente sofrido pelo venezuelano durante o treinamento da sua seleção, para o amistoso no sul do Chile. “Não sabia disso caso, mas lembro de uma atitude do Dani Alves, no Campeonato Espanhol [quando ele comeu a banana atirada por um torcedor do Villarreal]. Acho que os jogadores negros precisam ter reações assim, não com violência, mas exigindo o respeito”.
O jogador disse, também, que os chilenos são mais sensíveis ao racismo contra jogadores de origem indígena. Durante a Copa do Mundo, uma psicóloga comentarista de televisão chamou alguns jogadores da Seleção Chilena, como Alexis Sánchez e Arturo Vidal, de “índios feios”, e questionou a chilenidade do meia Jean Beausejour, nascido em Santiago, filho de pai haitiano e mãe mapuche.