O PIB de Israel caiu 20% no último trimestre de 2024, o consumo desabou 27% e os investimentos despencaram 70%. Embora o Estado de Israel já mantenha um padrão altíssimo de gastos militares (cerca de 5% do PIB a.a.), o salto dado nos últimos meses compromete praticamente 1/10 de toda a riqueza produzida anualmente no financiamento do massacre em Gaza e nas hostilidades com Líbano e Irã. Esse é o cenário de uma economia de guerra, e embora muitos países aproveitem essa mobilização para desenvolver sua indústria, Israel teme a perda de investimentos estrangeiros, de curto e longo prazos, principalmente no seu setor de tecnologia.
Essa preocupação tem explicação: se o apoio militar, político e financeiro dado pelos Estados Unidos tornam improváveis sanções internacionais draconianas como as impostas à Rússia – o que impediria Israel de ter acesso às suas reservas internacionais, ao uso do dólar nas transações comerciais, e cortaria a ligação do país com as cadeias produtivas e de fornecimento de insumos internacionais – o mesmo não se pode dizer de um movimento de isolamento global do país, que a cada dia elege uma nova nação como inimiga “antissemita” pelo simples fato de reconhecer a Palestina. Tal isolamento avança em cortes de relações e aproxima Israel rapidamente de uma situação de pária internacional.
O Movimento BDS (Boicote, Desinvestimento, Sanções) é uma iniciativa que defende formas não-violentas de desarmar Israel e interromper o regime de apartheid e colonização. A Campanha Palestina para o Boicote Acadêmico e Cultural de Israel (PACBI) defende um boicote às instituições acadêmicas e culturais israelenses por “sua profunda e persistente cumplicidade na negação, por parte de Israel, dos direitos palestinos estipulados no direito internacional”.
Israel oficialmente reconhece a cultura como uma arma de propaganda, e mantém financiamento para artistas sob condição de agirem conforme os interesses do Estado, como embaixadores culturais do país no mundo. O boicote cultural se baseia em agir como os ativistas sul-africanos agiram contra o apartheid, apelando a artistas, escritores e instituições culturais internacionais a não estabelecerem parcerias com os grupos de lobby sionista ou instituições que normalizem a dominação colonial e segregacionista israelense. A fim de evitar a propaganda israelense, pedem também a rejeição de financiamento e patrocínio do governo de Israel.
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(Foto: Montecruz Foto / Flickr)
Sobre o boicote acadêmico, o Movimento BDS diz o seguinte:
“As universidades israelenses são cúmplices importantes, voluntárias e persistentes do regime de ocupação de Israel, do colonialismo e do apartheid. Elas estão envolvidas no desenvolvimento de sistemas de armas e doutrinas militares utilizadas nos recentes crimes de guerra de Israel no Líbano e em Gaza, justificando a colonização em curso das terras palestinas, racionalizando a limpeza étnica dos palestinos, fornecendo justificativa moral para execuções extrajudiciais, discriminando sistematicamente ‘estudantes não-judeus’ e outras violações implícitas e explícitas dos direitos humanos e do direito internacional. Para acabar com esta cumplicidade nas violações do direito internacional por parte de Israel, a sociedade civil palestina apelou a um boicote acadêmico às instituições acadêmicas israelenses cúmplices.”
O Movimento BDS aponta “persistentes violações do direito internacional por parte de Israel” e que, desde 1948, “centenas de resoluções da ONU condenaram as políticas coloniais e discriminatórias de Israel como ilegais e apelaram a soluções imediatas, adequadas e eficazes”, e enfatiza que “todas as formas de intervenção internacional e de pacificação não conseguiram até agora convencer ou forçar Israel a cumprir o direito humanitário, a respeitar os direitos humanos fundamentais e a pôr fim à ocupação e à opressão do povo da Palestina”, apontando que apenas a “luta para abolir o apartheid na África do Sul através de diversas formas de boicote, desinvestimento e sanções” resultou em mudança efetiva.
Diante disso, apela “que se imponham boicotes amplos e iniciativas de desinvestimento contra Israel semelhantes às aplicadas à África do Sul na era do apartheid”. O apelo é voltado a pessoas e organizações privadas para que “pressionem os seus Estados a impor embargos e sanções contra Israel”. O BDS destaca o caráter não violento destas medidas e que não se opõem ontologicamente a Israel, devendo ser mantidas somente até que Israel “cumpra a sua obrigação de reconhecer o direito inalienável do povo palestino à autodeterminação e cumpra integralmente os preceitos do direito internacional”.
Em paralelo às áreas cultural e acadêmica, a campanha mais direta e efetiva contra Israel se concentra no campo econômico. O BDS aponta que “as empresas internacionais ajudam e encorajam as violações do direito internacional por parte de Israel, operando em colonatos ilegais e agindo como contratantes para os militares e o governo israelenses” e ressalta a dependência econômica de Israel no comércio e investimento estrangeiro e sua fragilidade ante a boicotes econômicos internacionais.
O boicote a produtos israelenses se concentra “num pequeno número de empresas e produtos que estão intimamente ligadas às violações do direito internacional”, tais como aqueles produzidos através do roubo de terras palestinas e deslocamentos forçados. O boicote a empresas que equipam diretamente o exército e o Estado israelense também é prioritário, e já fez com que empresas europeias como Orange e Veolia se retirassem de Israel.
O desinvestimento consiste em pressionar bancos, fundos de pensões públicos e privados, igrejas e ONGs a não porem dinheiro em empresas ligadas a Israel e não permitirem que seus recursos tenham qualquer ligação, mesmo indireta, com o Estado de Israel. Funciona semelhantemente aos selos verdes que levam fundos a evitarem tomadores que tenham alto impacto ambiental.
Um impulso neste conjunto de campanhas pode romper a defesa que os EUA dão a Tel-Aviv, e longe de mirar em judeus, centra no sionismo – movimento de ódio racial que usurpa religião e pertencimento étnico – e sua maior ferramenta de opressão: o super armado Estado racial, colonialista e segregacionista de Israel.
(*) Samuel Braun é professor de políticas públicas na UERJ, doutorando em Economia Política Internacional (UFRJ), mestre em ciência política (UFRRJ) e cientista social (UERJ).