Na edição deste sábado (24/04) do programa 20 MINUTOS INTERNACIONAL, o jornalista Breno Altman entrevistou Jalil Muntaqim, militante do Partido dos Panteras Negras e do Exército da Libertação Negra, preso em 1971, condenado à prisão perpétua pelo suposto assassinato de dois policiais em Nova Iorque. Muntaqim foi solto em outubro de 2020, após ter seu pedido de liberdade condicional, à qual tinha direito desde 1993, negado 14 vezes, passando mais de 49 anos encarcerado.
Quase meio século depois de sua prisão, Muntaqim afirmou que o mundo não mudou. “A polícia segue matando negros desarmados. A comunidade negra segue sofrendo com a pobreza e a falta de moradia. O sistema de saúde ainda é insuficiente. Ocorreram mudanças cosméticas, mas nenhuma mudança significativa a nível institucional. Os Estados Unidos seguem sendo um país de supremacia branca”.
Para Muntaqim, a eleição de Barack Obama em 2009, como primeiro homem negro a presidir os EUA, e agora a eleição de Joe Biden, com Kamala Harris sendo a primeira mulher negra a ocupar a vice-presidência, não representam evoluções.
“Pele negra, máscara branca. O que Obama fez pela população negra? Quais são os valores de Kamala Harris? Ela fará, e ele fez, as mesmas coisas que faria um indivíduo branco”, criticou o ex-Pantera Negra. Ele reconheceu, no entanto, que a derrota de Trump foi importante, mas alertou: “Os dois [Trump e Biden] são capitalistas e imperialistas. Só que um se esconde detrás de um sorriso”.
Por outro lado, Muntaqim se mostrou otimista com relação à nova geração de militantes, que estão reconhecendo e denunciando a supremacia branca nos EUA, “como a aberração que é”, ainda que somente reconhecer e denunciar não seja o suficiente.
“É o caso do movimento Black Lives Matter [Vidas Negras Importam]. Eles são, na verdade, uma moda, uma tendência, não necessariamente um movimento. Têm uma plataforma, mas não possuem uma organização unificada, não têm um impacto real além de promover consciência social. É necessário que haja uma mudança institucional, é preciso que se faça mais. Precisamos criar as condições para desafiar as instituições que diminuem as vidas negras”, argumentou.
Muntaqim, que segue militando e até hoje se define como um revolucionário, isto é, “alguém que luta pela evolução da experiência humana”, citou como exemplo de ação concreta, o projeto Citizen Action (Ação Cidadã), do qual forma parte.
“Com o projeto, quero parar o processo que conduz jovens da escola para a prisão. Estou cansado de ver adolescentes indo para a prisão e passando seus anos mais produtivos lá dentro. Rochester [cidade nova iorquina] tem o terceiro pior sistema escolar do país. Os adultos falharam com os jovens por não criar recursos para que eles se tornem ‘adultos produtivos’, o que quer que signifique isso”, explicou.
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Para tanto, a organização possui um grupo de trabalho que luta para garantir que as escolas recebam orçamentos adequados, para que o currículo escolar inclua estudos étnicos e para diversificar o corpo docente das instituições.
“Cerca de 80% dos estudantes são negros, mas 90% dos professores são brancos, em geral mulheres brancas que vivem nos subúrbios. Então há uma desconexão. Os estudantes vão à escola e veem indivíduos que não se parecem com eles, cujos valores étnicos são outros, que não os entendem”, reforçou.
‘Sempre acreditei que seria solto em algum momento’
Hoje vivendo o sonho de poder militar novamente, Muntaqim não teve um caminho fácil rumo à liberdade: ele teve a condicional negada 14 vezes, mas nunca perdeu as esperanças.
“Eu sempre acreditei que seria solto em algum momento, era apenas uma questão de tempo”, disse. Ele contou que foi decisiva a campanha que se fez para mudar os membros do conselho de liberdade condicional, que eram muito conservadores, por membros mais progressistas.
“Perceberam que a justiça já havia sido feita e que era hora de me deixar sair. Mas foi muito muito difícil mesmo assim. Quatro meses antes de minha soltura, tive coronavírus. E, antes disso, meus advogados defendiam que eu deveria ser solto porque poderia contrair a doença e o juiz aprovou. Mas o Estado recorreu e, nesse meio tempo, contraí o coronavírus, tive que ser hospitalizado. E então o juiz aceitou o recurso do Estado, porque eu já tinha passado a doença, não era mais necessário me soltar”, contou.
Por isso, ele acreditou quando soube que seria solto. Disse que se sentiu extremamente agradecido, sentiu que a liberdade finalmente havia chegado.
“Minha filha ainda não havia nascido quando fui preso, nunca passei um dia com a minha filha fora da prisão. Então era muito importante poder passar tempo com ela e com meus netos”, relembrou. Além disso, ele afirmou ter ficado empolgado com a possibilidade de levar o trabalho que havia feito dentro da prisão, por exemplo organizando um jornal interno, para a comunidade.
Olhando para trás, Muntaqim assumiu responsabilidade dos atos pelos quais foi acusado e preso, e avaliou as escolhas que o levaram à prisão. “De uma perspectiva moral, ninguém quer ver a perda da vida humana, seja da esquerda ou da direita. Então sempre vou me arrepender disso. Mas a ideia de ter que participar de um embate que leva à perda da vida indica o grau de opressão que vivemos. Então o ônus deveria recair sobre os indivíduos que reagem? Eu acho que o ônus deveria recair sobre os sistemas de opressão que destroem a vida das pessoas”, ponderou.
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Jalil Muntaqim foi o entrevistado de Breno Altman no 20 Minutos Internacional deste sábado
O Partido dos Panteras Negras
Muntaqim começou sua militância muito cedo. Narrou sua infância e como sua mãe sempre o ensinou a ser consciente de sua condição de homem negro, “então sempre entendi que o que eu vivia era racismo”. Na escola, ele participou de movimentos estudantis e aos 16 anos se uniu ao Partido dos Panteras Negras.
“Minha mãe me levava a protestos do movimento pelos direitos civis quando era criança, mas, adolescente, pensava que os mais velhos não estavam fazendo o suficiente e queria fazer mais. Com 18 anos eu já me envolvia com o jornal da comunidade, o programa para as crianças e a clínica organizados pelos Panteras Negras”, rememorou.
Por aquela época, fim dos anos 60, anos 70, a brutalidade policial para com a população negra já existia e já era extremamente violenta. Por isso, os Panteras Negras criaram o Exército da Libertação Negra, uma iniciativa clandestina para preservar o partido e proteger a comunidade contra a violência policial. Muntaqim foi recrutado para servir no ELN, que foi perseguido duramente pelo FBI.
“Por aquele então, o FBI já tinha a capacidade de destruir um movimento como o nosso. Mas, mais do que isso, eles usaram todas as táticas que tinham de desestabilizar países contra os Panteras Negras”, defendeu Muntaqim.
Ele acredita que a perseguição contra o partido ocorreu por diversos motivos. Um deles foi o fato de que o movimento negro, que já incomodava as classes brancas dominantes, deixou de ser passivo, para se tornar um movimento de resistência direta. O outro foi o resultado do medo ao socialismo, considerado como o “bicho papão” pelos estadunidenses, cujas ideias predominavam em organizações como a dos Panteras Negras.
“O movimento não era propriamente uma organização marxista, porque as bases teóricas de 1917 já não eram aplicáveis em 1970, as condições haviam mudado. Mas continha ideias marxistas, leninistas, de Mao Zedong, de Malcolm X que nós ajustamos à nossa realidade. Mas a luta era anticapitalista”, justificou Muntaqim.
Para ele, esse sentimento anticomunista que ainda predomina nos EUA é o motivo pelo qual ainda não surgiu um movimento similar ao Partido dos Panteras Negras ou de cunho anticapitalista, além da própria força do sistema.
“O sistema capitalista é muito forte. Se utiliza de todos os recursos possíveis para assegurar sua existência. Estimula o individualismo e a competição para que o sistema se autopreserve. As pessoas são condicionadas e ensinadas a achar que o capitalismo é o melhor sistema e que o socialismo é o bicho papão. Além de que o FBI segue atuando para que quando surjam movimentos comunistas, eles sejam infiltrados e destruídos por dentro, como já ocorreu. O sistema percebeu que teria que fazer mais para garantir que nunca existiria outro movimento como o nosso”, citou o ex-Pantera Negra.